quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Ruy Duarte de Carvalho in requiem



ISAQUIEL CORI

A morte do poeta, ensaísta, cineasta e antropólogo Ruy Duarte de Carvalho é uma perda enorme para a cultura angolana. Pessoalmente não privei com ele, mas sempre procurei ler tudo quanto ele publicava. Era um cultor da excelência na escrita. A sua prosa, bastante elegante, rebuscada, carregada de circunlóquios, até mesmo um tanto barroca, fascinou-me desde o princípio, o que me permitiu conhecer a profundidade do seu pensamento.
Alguns dos seus ensaios encerram verdades, descobertas, que deviam nortear até mesmo o poder político. Lembro-me, por exemplo, de um texto seu em que se refere ao modo como algumas decisões de carácter político interferem e até mesmo desestruturam a organização da vida das comunidades rurais. Ele referia-se, nomeadamente, aos males que a importação maciça de fuba de milho podem causar a uma comunidade rural, onde o acto de pilar o milho é uma das principais componentes do quotidiano feminino. O acto de pilar o milho é um acto de sociabilidade carregado de importância cultural, porque as mulheres aproveitam aquele momento para trocarem experiências de vida e até para cantar. As mais novas são iniciadas nos meandros da vida feminina. Elas, aí, não pilam apenas o milho, também dão sentido à sua própria vida.
Essa é uma visão de raiz antropológica, mas também poética: humanista.
A perspectiva de um poder político centralizado, alheio às verdadeiras necessidades locais, é uma constante na obra ensaística de Ruy Duarte de Carvalho, e que lhe terá, certamente, rendido alguns, e poderosos, desafectos.
Ruy Duarte de Carvalho foi igualmente grande no cinema e na poesia.
Angola, este país que vive há apenas oito anos em paz, está tão carregada de traumas, vibra numa tensão tão periclitante entre passado e futuro, tem tantos assuntos mal resolvidos, ou por resolver, que ainda não tem nem tempo, nem discernimento, para prestar a devida honra e reconhecimento aos filhos que por ela se bateram, de peito aberto, com as armas da ciência, da poesia, da arte, do conhecimento.
A seu tempo, Ruy Duarte de Carvalho, terá a homenagem merecida.