sábado, 19 de março de 2016

DESEJOS DE AMINATA, LIVRO DE LOPITO FEIJÓ: A INTIMIDADE CONJUGAL COMO OBJECTO DA POESIA





Isaquiel Cori

O novo livro de Lopito Feijó, “Desejos de Aminata”, editado pela Nóssomos, em Portugal, é uma incursão poética e exploratória, com detalhes, pela topografia e a toponímia do corpo feminino, do desejo carnal, do amor físico, tão profunda e ousada que chega a ultrapassar os limites convencionais do erótico para ganhar contornos quase, quase pornográficos.
É claramente, uma declaração de amor, de devoção total à amada, que passa pela posse e o desfrute do seu corpo. A intensidade da posse e do desfrute roça o canibalismo. Em “Voo rasante”:
“No triângulo viperino / então / este anjo de asas esferovíticas // de mansinho voando / retorna mítico / à lavoura carnal…”
E confunde-se com a loucura. No poema “Loucura ou Sinecura”:
 “… sonho / impregnado / incondicional / mente demente”.
Há toda uma “onda fálica” que atravessa e paira sobre o poemário, com o poeta “digitando versos / entre as coxas” da amada. Como resultado, o criador acaba por “(ou)vir-se / na circunscrita extensão / dos secretos territórios!”
Em “Onda bronzeada” o poeta faz o retrato fotográfico e circunspecto da diva:

Negra quase encaracolada
semblante misterioso
pescoço naturalmente cheiroso
um único braço
com mão de mil dedos

peito com dois seios
e três mamilos em cada qual
abdómen boquiaberto
com sereno botão no umbigo

circundante malandra   cintura circunstante
dois pares de pernas completas
o resto logo se vê…
eis a mulher da minha vida!

Num mundo em que, com a generalizada estigmatização do machismo e a relativização acentuada do ser masculino, as sensações, as percepções, são cada vez mais femininas - como disse o outro, em tom de fatalidade, “a mulher é o futuro do homem” – e, ainda, em que todo o homem que se preze faz questão de realçar o seu “lado feminino”, Lopito Feijó traz-nos, com este livro, uma mão cheia de poemas de um erotismo assumidamente másculo, um olhar sexual do homem sobre a mulher.
Um olhar de um homem cheio de desejo de possuir a mulher amada, de perder-se nas curvas, cantos, contracurvas e orifícios da intimidade do seu corpo e de desejo épico e incontido de sorver os seus fluídos e de fundir-se fisiologicamente com ela. Em “Conjunção carnal”:
“A prática das carnes envolve / alguma espiritual ferocidade // sempre que as minhas carnes penetram / os sagrados orifícios do teu corpo // preenchem o tempo / em razão de consumistas orgias / e promiscuimos carnes com as nossas carnes. // Conjugando o verbo renascer / faço-te criatura criadora”.
Os seus instrumentos do desejo são os dedos tacteantes, o olhar microscópico, a língua sorvedora e, sobretudo, o falo.
“Fecundos / acabamos na húmida tijoleira / quando gemidos entoas ao falo. // Falo do falo do fogo das falas da fonte do divino / do sémen morninho e do próprio canibal.”  In “Para uma noite feliz”.
Símbolo da agressividade e da arrogância masculina, o falo, ou o pénis em riste, ao mesmo tempo que concentra o poder do macho – a capacidade de dar prazer físico à mulher e de expelir a semente da procriação – é igualmente a sua fraqueza, ou não fossem cada vez mais numerosos os casos de disfunção eréctil e ejaculação precoce.
“Desejos de Aminata” são os cantos de um homem detentor, em pleno, dos seus instrumentos do desejo e feliz com a sua mulher, a mulher que lhe coube no universo em que vivemos.
Efectivamente, a mulher cantada neste poemário não é uma mulher qualquer, simbólica e impalpável. Os poemas de “Desejos de Aminata” não evocam um amor platónico, com imagens envoltas em nuvens de fumaça.
A mulher cantada neste poemário, nada mais, nada menos, é a pessoa física que atende pelo nome de Aminata Goubel, a companheira e esposa do poeta Lopito Feijó. Ao escancarar a sua intimidade como o faz, com o melhor da sua capacidade de criação poética, Lopito Feijó transforma Aminata numa das mais brilhantes musas das letras angolanas e universais e oferece uma obra em que os leitores podem espelhar o sentimento, devoção, paixão, amor, que nutrem pela esposa, namorada, amiga ou companheira.
“Desejos de Aminata” conta com uma magnífica edição da Nóssomos e inclui ilustrações ágeis, escorreitas, elas próprias poéticas e sensuais, da autoria de Luandino Vieira.
João André da Silva Feijó, o Lopito Feijó, nasceu em Malanje aos 29 de Setembro de 1963. Deputado reformado da Assembleia Nacional, é actualmente poeta a tempo inteiro. Publicou, entre outros, os livros:  “Doutrina” (poesia,  1987), “cartas de Amor” (poesia, 1990), “Marcas da Guerra, Percepção Íntima & Outros Fonemas Doutrinários” (poesia, 2011), “Lex & Cal Doutrina” (poesia, 2012), “Andarilho & Doutrinário” (poesia, 2013).



                                                                     



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