quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

PREFÁCIO A UMA ANTOLOGIA DO CONTO ANGOLANO

Publico aqui o prefácio a Antologia do Conto Angolano, ainda no prelo, a ser editada pela editora portuguesa Caminho, de autoria de Zetho Cunha Gonçalves e João Melo. O prefácio faz um apanhado panorâmico da literatura angolana contemporânea e situa a obra dos autores antologiados. É um bom exemplo de como uma antologia literária deve ser feita: isto é, deve fazer-se acompanhar de um texto que situe os autores e sua obra no contexto mais geral do sistema literário, justificando, de certo modo, a razão de terem sido eles os escolhidos. Este texto foi tomado do site Buala: Cultura Contemporânea Africana (www.buala.org/pt/a-ler/prefacio-a-uma-antologia-do-conto-angolano). As ilustrações são reproduções de obras do artista plástico angolano Marco Kabenda, igualmente tomadas do mesmo site.


Na origem e na formação das literaturas nacionais dos países africanos de língua oficial portuguesa, com as peculiaridades e motivações inerentes a cada país – diferindo mais que tudo os países continentais (Angola e Moçambique) dos países insulares (Cabo Verde e São Tomé e Príncipe – ilhas desabitadas aquando do seu achamento, e países bilingues, com os seus crioulos a par da língua oficial portuguesa) –, sempre a poesia teve a primazia na afirmação nacionalista (ou de identidade nacional, conforme se queira) sobre a prosa de ficção. E a razão encontra-se no facto de que, só a partir dos anos 30 do século XX, a prosa narrativa de ficção se começou a consolidar com inequívoca qualidade estética, numa perfeita ruptura com as literaturas coloniais.
Em Angola (cuja literatura escrita remonta a 1849, com a publicação, em Luanda, do primeiro livro impresso na África subsariana, Espontaneidades da Minha Alma. Às Senhoras Africanas, poemas do angolano José da Silva Maia Ferreira, ou antes ainda, com os escritos de António de Oliveira Cadornega no século XVII), é com Óscar Ribas e Castro Soromenho que se fecunda, nasce e impõe a moderna prosa de ficção narrativa.
Óscar Ribas, que viria a tornar-se um dos mais importantes e fecundos etnólogos e etnógrafos angolanos, reconhecido e galardoado internacionalmente por esse seu trabalho, publica, em 1927 (aos 18 anos de idade), na sua Luanda natal, a novela Nuvens que passam. Dois anos depois, dá à estampa O resgate de uma falta, outra novela.
São obras de juvenília, é certo – mas nelas está já o gérmen angolense e etnográfico que balizará toda a obra ficcional do autor, com todos os defeitos e todas as qualidades que tal opção estética comportará. Não raro, a sua obra narrativa de ficção se torna excessivamente explicativa, nela se encontrando ausente todo o poder sugestivo que a estrutura literária e a consumação estética exigem, com o etnógrafo sobrepondo-se quase sempre ao ficcionista.
Partindo dos contos, das lendas, dos ritos e das cosmogonias dos povos da Lunda, no Nordeste de Angola (que tão bem conheceu, e com quem intimamente conviveu na infância, em parte da adolescência, e já na idade adulta), Castro Soromenho, ao publicar, em 1938, o livro de contos Nhári. O drama da gente negra, reabilita e dignifica a memória cultural desses povos ágrafos ao lhes dar “voz” – ou melhor: restituir “a voz” –, na voz mais alta (ou assim cotada nos cânones do Ocidente), que é a “voz da escrita”.

Ao transpor, impiedosamente, para a sua escrita (que é a sua voz autoral), toda a tradição e memória culturais desses povos (em confronto com a ideologia colonial dominante), Castro Soromenho consolida, pela epopeia que nessa mesma obra se consuma – sempre em crescendo, até à derradeira e magnificente “Trilogia de Camaxilo”, com os romances Terra Morta (1949), Viragem (1957) e A Chaga (1970) – a modernidade da literatura ficcional angolana.
A década de 50 do século XX, na sequência do movimento «Vamos descobrir Angola!» (1948) e do «Movimento dos Novos Intelectuais de Angola» – através da sua revista Mensagem (1951-1952), logo seguida por Cultura II (1957-1961) – e da importantíssima actividade editorial da Casa dos Estudantes do Império, em Lisboa, e, subsequentemente, a actividade das Publicações Imbondeiro, em Sá da Bandeira (actual Lubango), da responsabilidade de Garibaldino de Andrade e Leonel Cosme, e dos Cadernos Capricórnio, no Lobito, dirigidos por Orlando de Albuquerque, trouxeram novas perspectivas à criação e divulgação da emergente literatura angolana.
Agostinho Neto e António Jacinto, dois dos mais importantes intelectuais ligados ao movimento de Mensagem, deixaram na poesia a sua marca indelével na literatura angolana. Porém, ambos produziram ficção breve – estórias ou contos (ainda que obra reduzida, em volume quantitativo) –, na prossecução dos propósitos nacionalistas que norteavam a geração de Mensagem. A inclusão dos seus contos nesta antologia, mais que só uma homenagem, é, também, um acto de justiça, que a sua qualidade estética plenamente justifica.
Uanhenga Xitu – que poderia muito bem ter pertencido à geração da revista Mensagem ou de Cultura II –, por razões políticas (foi preso político e esteve no Campo de Concentração do Tarrafal, em Cabo Verde – onde escreveu grande parte da sua obra –, de 1962 a 1970), só em 1974 se revela como escritor, trazendo para a literatura angolana as “vozes da sanzala”, a oratura do interior, em sua polifonia linguística, carregada do humor inerente às situações simultaneamente trágicas e cómicas – bem patentes no conto aqui reproduzido, Bola com feitiço –, o que o torna, no dizer de Salvato Trigo, “inequivocamente um dos maiores ‘africanizadores’ da literatura angolana”.1
Henrique Abranches (que integrou o grupo de colaboradores de Cultura II), é autor de uma vasta obra literária e plástica, que vai do ensaio histórico e antropológico, à poesia e ao teatro, e do conto ao romance, passando pela ficção científica e pela banda desenhada. Alimentada por múltiplos interesses e inquietações, a obra ficcional de Henrique Abranches tem na História do próprio país e no resgate da literatura da tradição oral (pela reelaboração estética do maravilhoso e do fantástico, tornando não raro a escrita numa espécie de segunda voz da oratura), a sua marca e a sua vitalidade mais constantes.
Mário António, que publicara na revista Mensagem (a cuja geração pertence) o seu primeiro conto, construirá a sua obra ficcional reelaborando alguns contos da tradição oral angolana (“Histórias tradicionais recontadas livremente”, assim as designa o autor), como é o caso do conto aqui seleccionado, O homem que queria casar-se com a filha do Sol e da Lua, com todo o seu imaginário mítico, o seu poder encantatório e mágico, à semelhança e sob a nítida influência de Castro Soromenho. Outra temática (e esta afim de muita da sua poesia) é a questão da mestiçagem física e cultural na sociedade crioula de Luanda, de que se destacam os contos e novelas de Crónica da cidade estranha.
Arnaldo Santos e José Luandino Vieira pertencem à geração de Cultura, sucedânea da geração de Mensagem. São gerações altamente politizadas e politizantes, que utilizam a literatura como forma de denúncia, não raro panfletária, dos desmandos do colonialismo, e a colocam na vanguarda da formação e consciencialização da identidade nacional. E tanto assim é, que muitos dos intelectuais que as enformaram se tornaram dirigentes dos movimentos de libertação (sobretudo do MPLA – Movimento Popular de Libertação de Angola), passando pelas masmorras da polícia política salazarista, como foi o caso de Agostinho Neto, António Jacinto, Henrique Guerra, Luandino Vieira e Uanhenga Xitu, para citar apenas o nome de autores aqui representados.
Deve-se à geração de Cultura II, essencialmente formada por poetas, e sob os auspícios de Castro Soromenho e à influência da literatura brasileira, através de escritores e poetas como Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Jorge Amado, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e Jorge de Lima (João Guimarães Rosa chegará depois, fulminante), “o projecto de criação de uma ficção angolana.” “Sobretudo através do conto.”, sendo esses mesmos autores “reunidos depois na antologia Contistas angolanos, 1960, da Casa dos Estudantes do Império, e, mais tarde, uns tantos nas antologias da Imbondeiro.”2
A cidade de Luanda, a cidade histórica e a cidade mítica, bem como os seus musseques, são o cenário comum a Arnaldo Santos e Luandino, do mesmo modo que a infância (A Cidade e a infância é, aliás, o título do primeiro livro de Luandino) é a vitalidade, a voz polífona, a crueldade, a cumplicidade e a transgressão, e se torna ela mesma personagem na tessitura das próprias narrativas, avivando a denúncia das contradições sociais e raciais na sociedade colonial.
Arnaldo Santos tem vindo a construir, desde 1960 (quando publicou o seu primeiro conto e o seu primeiro livro de poemas, Fuga), uma obra onde a memória e a poesia, a história recente do país e as transformações sociais nela implícitas, se aliam numa afirmação plena de valorização e enriquecimento da literatura angolana, de que A Boneca de Quilengues, uma das suas ficções mais recentes, é perfeito exemplo.
    José Luandino Vieira, porventura o mais conhecido e traduzido escritor angolano contemporâneo – escritor na linha directa de João Guimarães Rosa –, é autor fundacional de uma língua e de uma estilística, de uma estética caldeada por as mais variadas contribuições culturais e linguísticas, trazendo, pela escrita, à modernidade da ficção narrativa, uma oralidade radicalmente nova, encantatória e fulgurante de poesia. E é justamente essa força capaz de reinventar a língua portuguesa, revificando-a pela transgressão e violentação da sua convencionalidade estéril, que faz de José Luandino Vieira um dos vultos maiores da nossa contemporaneidade literária, assinando algumas obras-primas, como as estórias de No antigamente, na vida e Macandumba, ou os romances Nós, os do Makulusu e João Vêncio: os seus amores.
No resgate da literatura da tradição oral, e numa atenção crítica aos desmandos do quotidiano seu contemporâneo, também Dario de Melo (cuja obra na área da literatura infanto-juvenil é de capital importância) e Henrique Guerra se têm vivamente empenhado, construindo cada um, com sua voz própria e pessoalíssima cosmovisão interventiva, uma obra onde as palavras são para ser lidas como se fossem cantadas. Com muito gesto, conforme a tradição, e sempre acompanhadas pelo bater compassado e encantado das palmas.
Jofre Rocha, o poeta cujo canto é nascido da muita e de todas as sedes de contar, tem na mesma génese a construção e elaboração das suas estórias sobre as gentes humildes dos musseques luandenses. Não por acaso se chama “Estórias do musseque” o seu primeiro livro de ficção, burilado numa escrita onde a atenção ao coloquial padrão se transforma numa pessoalíssima e vigorosa angolanização da língua portuguesa.
Ruy Duarte de Carvalho entra na literatura angolana, em 1972, com a publicação de Chão de oferta, pela poesia – e pela porta mais alta: a de uma voz de catarse, “De uma nação de corpos transumantes/confundidos/na cor da crosta acúlea/de um negro chão elaborado em brasa.”3E voz, desvairadamente pessoal, telúrica. Voz de cisão, transmudante e transumante, inaugural. E é, na sequência da publicação de A decisão da idade (reunião da sua Obra Poética até então, em 1977), que Ruy Duarte de Carvalho dá à estampa Como se o mundo não tivesse leste – estórias do sul e seca, a sua primeira obra de ficção.
São estórias – e é a essas estórias que se vão buscar As águas do Capembáua, a estória que aqui se dá a ler, antologizada. Telúrica, e sábia de transumância: outros universos, enfim, na prosa de ficção angolana, de voz eivada e levada do deserto, lá do Namibe, no Sul do país, por Ruy Duarte de Carvalho, dono e senhor de uma das obras mais sólidas e avassaladoras da leitura antropológica da Terra e da humanidade sua habitante, vivente e sobrevivente, cujo corolário é a imensidão desse fresco enformado por Vou lá visitar pastores (1999), As paisagens propícias (2005), Desmedida: Luanda-São Paulo-São Francisco e volta. Crónicas do Brasil (2006) e A terceira metade (2009) – tetralogia dos mapas secretos da Terra, trânsfugas e comunicantes, coniventes – e a sua voz inteira. Em viagem, em atenção e registo lapidar e soberano – epopeia, em seu canto maior.
Pepetela (essencialmente romancista, não obstante a sua obra contar com um livro de contos e algumas peças de teatro) vem elaborando na literatura angolana de ficção uma espécie de epopeia fragmentada e em socalcos, quer pelos motivos que se propõe tratar, quer pelos tempos em que as acções decorrem. A obra de Pepetela revela um levantamento sociológico ímpar, de Angola e da angolanidade, narrado ao leitor com a mestria e a sageza de um contador de estórias a voz plena.
Manuel Rui, cujo primeiro livro de contos, Regresso adiado (1973), reflectindo o exílio e a dicotomia África/Europa, e, de onde é retirado o conto dado à estampa nesta antologia – inquestionavelmente um dos seus contos mais emblemáticos, quer pela temática [a humilhação ou a alienação do homem angolano durante o colonialismo, e onde a figura do mulato – Mulato de sangue azul – é uma metáfora contundente da sociedade colonial angolana, com todas as suas contradições de sangue, de raça e de classe social, pois se “Os brancos adiantam que mulato é filho de uma nota de vinte paus (nota de vinte escudos, ou seja, o preço de uma relação sexual de um branco com uma prostituta negra); os pretos, sempre que um mulato arreganha, cospem que mulato não tem terra.”], quer pelo seu alto nível de realização estética –, tem vindo a afirmar-se, com uma obra vasta e multifacetada, trabalhando o coloquial padrão das ruas de Luanda e seu natural “reinventar” da língua portuguesa, o seu absurdo quotidiano, o seu humor, a sua ironia fulminante, como uma das vozes mais estimulantes do panorama literário angolano, de que é justo salientar as novelas Quem me dera ser onda e De um comba.
Fragata de Morais constrói as suas narrativas mesclando a tradição da oralidade com as situações absurdas e hilariantes do quotidiano (sobretudo luandense), numa escrita quase de oratura, eivada de humor e espantada leveza, a que a crítica social sempre “ajindunga” e dá à estória a imagem mais fiel da impressão digital do seu autor.
Jacques Arlindo dos Santos é outro caso de “maquinar” humor nas estórias que nos inventa, onde a alegoria se nos apresenta como um dos seus recursos estilísticos mais constantes. Mas o que Jacques Arlindo dos Santos melhor faz na sua obra ficcional, é “a história das mentalidades, sem tirar nem pôr. Acredite quem quiser.”, disse, um dia, João Melo, para logo acrescentar: “Não faltam, até, as trepidantes aventuras sexuais.”
Boaventura Cardoso traz para a escrita um experimentalismo linguístico, numa “redescoberta de Angola”, pela sua linguagem e onirismo dela decorrente. Isso mesmo (e de modo mais explícito) nos diz o próprio autor:
Sem pretendermos influenciar a apreciação do leitor sobre o nosso processo de escrita, gostaríamos, no entanto, de frisar a linguagem gramaticalmente angolanizada, a sintaxe reinventada para surtir ritmos sincopados dos falares africanos, o recurso a linhas curvilíneas dos fios da história e a constante repetição de frases, o que é uma das componentes de fundo da narrativa afro-banto.4
E essa “envolvência da linguagem banto do maravilhoso e fantástico”5no seu discurso ficcional é um dos encantamentos, nem sempre fáceis, da sua obra literária.
José Mena Abrantes é um nome que se tem distinguido essencialmente no domínio da escrita para teatro, ou sobre o teatro – para além de ser, também, fundador ou co-fundador, e encenador, de vários e importantes grupos no panorama nacional, como é o caso do “Elinga Teatro”, formado nos anos de 1980. A sua obra, quer como dramaturgo, quer como ficcionista, alimenta-se da matéria temática da História do país (inclusive da História recente, com as inevitáveis sequelas da longa e terrível guerra civil e seus protagonistas – com toda a violência, terror, inumanidade e perfídia) em consonância com as literaturas orais, de cujo poder ancestral José Mena Abrantes recolhe e remaneja o sentido transcendente que torna a esperança possível – e a Vida, para quem já praticamente não existe, uma espécie de “vingadora do Além”.
O que primeiro ressalta na obra de Fernando Fonseca Santos é a força telúrica e o encantamento poético da sua escrita. Recorrendo a lendas e mitos fundadores da tradição oral, sobretudo dos povos do centro e Sul de Angola, Fernando Fonseca Santos caldeia o maravilhoso e o fantástico dessa memória ancestral, tanta vez visionária, com a História do país, quer a mais recente (em que a presença da tragédia da guerra civil tem papel preponderante), quer a História mais recuada, onde a afirmação nacionalista se rescreve, reflectindo o autor “a necessidade da literatura e da cultura angolanas recuperarem e readaptarem a herança das culturas orais das suas várias comunidades.”6
Paula Tavares, indiscutivelmente um dos nomes a reter no panorama da poesia moderna angolana, rememorando e resgatando tradições ancestrais e seus ritos; incorporando adágios e provérbios na sua obra (quer poética quer narrativa), traz com a narrativa Cartas de Noéji e Ana Joaquina, uma visão da História de Angola mais recuada, a do grande Império da Lunda. A obra de Paula Tavares, construída a partir de um atentíssimo olhar feminino, é uma obra profundamente religiosa – não tanto pelo seu quase constante diálogo com os temas bíblicos, mas no sentido mais fundo de religação das “coisas” do Mundo: a Terra e o erotismo dos corpos sobre ela; a sensualidade dos cheiros, desde a infância remota; os frutos cantados como quem os possui e saboreia, amante. Não raro, em Paula Tavares, a prosa (crónica ou conto) é proesia, prosema, Poema.
João Melo, contista revelado em 1999 com Imitação de Sartre e de Simone de Beauvoir, traz para a ribalta literária, numa linguagem surpreendente de humor e sarcasmo, o “desbundante” quotidiano angolano dos nossos dias, através de uma escrita que revela um ficcionista com arguto senso de observação, capaz de flagrar como poucos os descompassos da cena urbana luandense e situá-los sob as lentes de uma ácida ironia. Sob esse particular, pode-se verificar que os contos do autor não raro retomam algumas personagens caras à prosa angolana contemporânea como as crianças marginalizadas, por exemplo, mas sem qualquer piedade, com uma linguagem crua que ilumina essas criaturas sob uma nova perspectiva.7
Em João Melo, para além da mestria iconoclasta na construção narrativa do contar e fazer (en)cantar das suas estórias, é de realçar, ainda, a atenção e o espaço que a temática da mulher e/ou da condição feminina detêm na sua obra.
José Luís Mendonça, poeta sobejamente conhecido e autor de uma das obras mais consistentes da poesia angolana contemporânea, é aqui revelado como contista, numa estória onde o maravilhoso e o fantástico são as traves mestras de que a narrativa se constrói e sustenta, num diálogo sereno da modernidade literária com a voz da tradição e da ancestralidade mítica e fundacional.
João Tala é outro poeta que, à semelhança de José Luís Mendonça, encontrou na estória e no seu contar uma outra forma de comunicabilidade e continuidade do fazer poético. Uma inventividade e uma frescura discursivas, onde a “surrealidade” do quotidiano e a herança literária advinda do movimento surrealista se dão as mãos, fazem de João Tala uma outra voz firme no panorama da nova (ou mais recente) produção ficcional angolana.
Luís Kandjimbo, cuja obra ensaística sobre a literatura angolana se tornou já um marco fundamental nas nossas letras, é outro poeta a quem também só o poema não basta como forma de expressão e criação literária, trazendo para as suas estórias a memória cosmopolita em confronto com os múltiplos quotidianos urbanos, com particular enfoque para a sua antiga e sempre jovem cidade de Benguela.
Tal como José Luís Mendonça, também o autor destas linhas se revela aqui como contista.
José Eduardo Agualusa é um mistificador impenitente – quero eu dizer: um ficcionista nato, um contador d’estórias de voz bem colocada e mão cheia, na escrita. E a escrita de José Eduardo Agualusa é uma escrita “viandante”: uma prosa de trazer o mar todo a uma praia única e como que transumante e transcontinental (de Angola, Áfricas, Europas, Brasil), numa proposta de aproximação e encontro, de doação e partilha, de inquirição e festa, de revelação e magia. As narrativas de José Eduardo Agualusa – da crónica ao romance, passando pelo conto –, fluem entre a História mais recente do país (num olhar não isento de humor e rebeldia), e o “maravilhoso” da literatura fantástica ou do realismo mágico, na linha de um Juan Rulfo, de um García Márquez ou de um Jorge Luis Borges.
A obra de José Eduardo Agualusa, iniciada com o romance histórico A Conjura, em 1989, é uma das obras mais límpidas, mais seguras e consistentes, no universo da ficção contemporânea de língua portuguesa.
Luís Fernando, para quem a crítica social produzida através do trabalho estético sobre a História e o quotidiano mais recentes é uma das suas imagens de marca mais consistentes, ao falar dos propósitos e característicos da sua obra, afirma que a elaboração da mesma é “unicamente para proporcionar humor, coragem, optimismo e alegria ao leitor”, porque “a vida é um caleidoscópio de emoções onde a componente riso e boa disposição deve estar presente.”8
Carmo Neto, não obstante a sua ainda parca obra publicada, é outro espantoso cronista de costumes, através da criação de personagens e situações buscadas nos quotidianos luandense e malanjino, socorrendo-se de uma estrutura narrativa que Osvaldo Silva9 assim descreve:
As intrigas [na obra de Carmo Neto] são caracterizadas por episódios de viés picaresco, burlesco e até paródico, tendo nas personagens, e na rede de relações que essas constituem, o centro simbólico da crítica dos valores, discursos e ações que enformam o universo perverso das novas ordens sociais e políticas. De tal sorte que o aparente carácter fragmentário da obra é degenerado pela noção de afinidade subjacente ao estatuto semântico e temático conferido às personagens, numa elaboração temporal que justifica o recurso às memórias do presente e do passado.
Ismael Mateus traz para a sua obra o centro dos furacões do poder, onde acção governativa, intriga política e seus actores se expõem numa trama narrativa consistente, sustentada por uma prosa desembaraçada, sem excessos descritivos, e onde a acção se sobrepõe à tentação fácil de divagar por explicações e justificações que certamente assassinariam todo o prazer jubiloso da fruição plena do texto.
A prosa de Marta Santos é uma prosa carregada de poesia, de sensualidade, não raro de um humor desconcertante, mas sempre com um profundo respeito pela sabedoria que os mais-velhos transmitem aos mais novos, e que é um dos valores fundamentais da cultura angolana da tradição oral.
A presença da personagem do mais-velho em contraponto com a personagem da criança é um dos característicos da obra de Marta Santos, também ela autora de literatura infanto-juvenil, na qual recupera a tradição da contação de estórias ao luar, em roda de uma fogueira, numa transmissão de memórias e ensinamentos ancestrais pela voz sábia dos mais-velhos aos mais novos e às crianças.
Roderick Nehone traz para a prosa angolana a tragédia e a comédia (as duas faces da moeda) do quotidiano, o seu lado absurdo e caricato, ou o seu lado fantástico e maravilhoso. A escrita move-se numa prosa límpida, trabalhada, aparentemente simples na sua construção e funcionalidade narrativas.
A obra de Roderick Nehone revela uma leitura atentíssima dos paradigmas da sociedade angolana contemporânea, onde a condição da mulher, sobretudo no período do pós-guerra, assume um papel de extrema relevância. Tal como o humor trasbordante, que é por certo um dos maiores encantamentos desta prosa.
Sónia Gomes trabalha na sua obra uma temática obsessiva e rara no panorama da literatura angolana: a maternidade, a saúde pública e o flagelo do HIV/SIDA. Profissional de saúde, Sónia Gomes parte da experiência do seu dia a dia como enfermeira para dar ao leitor uma obra inquietante e poderosa, não raro de pendor moralista, e como que um despertar de consciências no vertiginoso redemoinho de transformações e desigualdades sociais em que a sociedade angola se move.
Isaquiel Cori é outro autor de parca obra publicada, que tem na História recente de Angola o húmus da sua criação literária. E nela, o que sobremaneira ressalta, é a vivência e a construção das suas personagens, arrancadas em carne viva aos dramas e às tragédias vividos ao longo da guerra civil que durante anos devastou o país. A obra ficcional (ainda breve) de Isaquiel Cori, a par do seu trabalho como jornalista, trazem à literatura angolana mais uma voz na afirmação da sua pujança e multiplicidade.
Profundamente influenciado pela obra de José Luandino Vieira, de Mia Couto e do poeta brasileiro Manoel de Barros – cujo cordão umbilical é o seu catapultar festivo e trangiverso para a escrita –, “Ondjaki é”, segundo Pepetela, no texto que escreveu para a orelha de E se amanhã o medo (Editorial Caminho, Lisboa, 2005), “um jovem que escreve uma ficção viçosa e jovem. (…) Esperemos que saiba sempre aliar o estudo e a pesquisa com o sentimento de prazer, que fornece a frescura e a alegria a um texto.”
De literatura emergente e de combate, a literatura angolana de ficção é hoje uma literatura com uma pujança e uma modernidade que a edição, a crítica, os estudos universitários e a fortuna de leitores têm vindo a solidificar e a confirmar. Jovem, é certo, se comparada com outras – mas literatura com estórias para contar. Estórias vivas – e muitas! –, cheias de gente dentro – com seus dramas, suas alegrias, seus casos e magias, seu(s) humor(es). Esse é o segredo, a sedução da moderna ficção angolana: ter estórias para contar, encantar, e enfeitiçar – em suas afinidades e ressonâncias, seu rosto e voz (polífona e polígrafa) voltados para o Mundo.



Antologia do Conto Angolano. Em colaboração com João Melo. Alfragide: Editorial Caminho, no prelo.

1. 1. TRIGO, Salvato. Uanhenga Xitu. Da oratura à literatura. Cadernos de Literatura, 12, 1982.

2. 2. FERREIRA, Manuel. Literaturas africanas de expressão portuguesa 2. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Biblioteca Breve, vol. 7, 2.ª ed., 1986, pp. 54 e 55.

3. 3. CARVALHO, Ruy Duarte de. A decisão da idade. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 3.ª ed., 1977, p. 13.

4. 4. CARDOSO, Boaventura. A escrita literária de um contador africano. In: Cavalcante Padilha, Laura e Calafate Ribeiro, Margarida (Org.). Lendo Angola. Porto: Edições Afrontamento, 2008, p.18.

5. 5. Ibid.

6. 6. LEITE, Ana Mafalda. Literaturas africanas e formulações pós-coloniais. Lisboa: Edições Colibri, 2003, p. 123.

7. 7. MACEDO, Tânia. Posfácio. A poesia, retrato sem molduras. In: Melo, João. Auto-retrato. Lisboa: Editorial Caminho, 2007, pp. 73 e 74.

8. 8. FERNANDO, Luís. In: www.portalangop.co.ao, 6 de Março de 2010.

9. 9. SILVA, Osvaldo. Degravata: entre ter, aparecer e ser. Revista Crioula − Revista Eletrônica dos Alunos de Pós-Graduação, n.º 5. DLCV-FFLC-USP, Maio 2009.








domingo, 7 de novembro de 2010

Escritor Luandino Vieira: "Alguém passeia em mim"

Estávamos em 2006. Um dos acontecimentos literários mais marcantes daquele ano foi o regresso à publicação de Luandino Vieira, com o romance “O Livro dos Rios” (Editorial Nzila), título primeiro da trilogia “De Rios Velhos e Guerrilheiros”. Encontrei-me com Luandino Vieira em casa do seu confrade e compadre Arnaldo Santos, na zona da Maianga. Tivemos uma longa conversa a dois, com LV, que em algumas ocasiões contava com a intervenção de Arnaldo Santos. Uma boa parte da conversa, que abaixo recupero, foi publicada originariamente em Dezembro de 2006, na primeira edição dos Cadernos ÉME, uma publicação do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola). Outra parte da conversa, já com maior protagonismo de Arnaldo Santos, está numa cassete algures em minha casa. Mudei de casa há dois anos e, por força das circunstâncias, tenho o meu arquivo fechado e espalhado pela nova moradia. Conto, o mais breve possível, recuperar esta e outras conversas, com outros interlocutores, e publicá-las neste blogue. Passemos, para já, à conversa com Luandino Vieira.

Isaquiel Cori


CADERNOS ÉME – Há quem não viveu nos musseques de Luanda naquele tempo (antes da independência) e a ideia que tem dos musseques é a que é descrita nos livros do Luandino Vieira.
LV – Por isso tenho o cuidado de dizer que nem sempre transmitimos o real, transmitimos às vezes o que sonhámos que era e o sonho do que deveria ser. Os jovens devem fazer essa leitura com a devida cautela. A literatuta tanto se alimenta do que é real como do que é fictício, da sua própria ficção, do sonho dos escritores. Olhando para trás não há que renegar esse traço, essas notas que estão no meu trabalho literário. Continua a haver esse passado do modo como o escrevi há muitos anos.
CADERNOS ÉME – O Luandino está cá em Angola já para ficar?
LV – Ainda não estou para ficar porque estive fora estes anos todos por motivos rigorosamente familiares e particulares e que não têm nada a ver com outra coisa que não seja isso. Como deve calcular, nós acumulámos muita coisa. Sobretudo os escritores acumulam papéis a mais, memórias a mais... Esta oportunidade de vir foi ditada por compromissos de lançar os livros ao mesmo tempo, eu e o meu compadre Arnaldo Santos; Kinaxixi e Makulusu... E, claro, para aproveitar a ocasião para ver como é que devo arrumar, o que é que devo arrumar para trazer. Se não podemos escolher o sítio onde nascemos podemos escolher, ao menos algumas vezes, o sítio aonde queremos morrer.
CADERNOS ÉME – Acaba de dizer que esteve fora de Angola estes anos todos por razões estrictamente familiares e particulares. Será então escusado perguntar-lhe das circunstâncias que o levaram a sair de Angola em 1992?
LV – Em 1992, quando recomeçou a guerra civil, naqueles termos, eu já não tinha nenhum cargo, nenhum compromisso; e foi-me dada uma bolsa para criação literária, de dois anos. Recebi a bolsa e fui para Portugal para pesquisar e para tentar escrever. Não consegui escrever naquele tempo e entretanto comprometi-me com a minha mãe a ficar com ela até aos seus últimos dias. E foi o que sucedeu.
CADERNOS ÉME – Constou-me que chegou a rasgar (ou a queimar) um romance que já tinha pronto.
LV – Eu ainda trabalho à moda antiga. Não tenho computador e escrevo à mão. Não sei guardar arquivos e, portanto, só a minha memória é o meu arquivo. Depois de escrever achei que o melhor era queimar; às vezes é melhor começar tudo de novo do que tentar emendar. Às vezes o pano onde a gente quer pôr o remendo já não aguenta o remendo.

Razões da recusa do Prémio Camões

CADERNOS ÉME – Tem dito repetidamente, quando perguntado, que negou o Prémio Camões por razões pessoais e íntimas. Será descabido supôr que essa negação terá também alguma coisa a ver com o escândalo que resultou da atribuição do Prémio Motta Veiga ao seu livro “Luuanda”, em 1972, com o governo colonial a dissolver a instituição responsável pelo prémio?
LV – Não tem nenhuma relação com os prémios anteriores, nem com o modo como existe o Prémio Camões.
CADERNOS ÉME – A sua recusa não significa então uma negação do Prémio Camões enquanto instituição?
LV – O Prémio Camões é uma boa instituição. Eu não conheço em pormenores os regulamentos e a filosofia do prémio mas sei que é um prémio para os escritores que enaltecem ou desenvolvem a língua portuguesa, para escritores de todos os países que utilizam a língua portuguesa. Neguei-o por razões pessoais e íntimas. A última vez que escrevi e publiquei, não quer dizer que seja a última vez que escrevi, foi em 1972. De 1972 a 2006 quantos anos se passaram? Se se meditar um pouco sobre isso, os leitores actualizados da literatura, os que lêem e vão seguindo o movimento editorial, os que conhecem outros escritores, outras obras dos antigos escritores, novas obras dos novos escritores, o surgimento de novos talentos, de novas correntes literárias, haveriam por exemplo de perguntar (não quero dizer que seja essa a razão, mas eu se fosse leitor perguntava) como é que não sendo o prémio de carreira, porquê que atribuem um prémio a um escritor que está morto? O Prémio Camões não é um prémio póstumo. E um escritor que fica tanto tempo sem publicar... Poucas pessoas sabiam que eu estava vivo, mesmo fisicamente. Estou convencido que muita gente dizia: “Ele deve ter morrido, nunca mais o vimos, nunca mais o ouvimos”. Isto é apenas um exemplo. As minhas razões foram rigorosamente íntimas e pessoais. Não têm nada a ver com a instituição do prémio, nem como o prémio é atribuído ou não atribuído. Têm a ver com o modo como eu vejo a minha situação de escritor dentro do sistema literário em língua portuguesa, o meu papel e o meu lugar nesse sistema literário.
Arnaldo Santos – Contra a vontade do entrevistador atrevo-me a dizer que não há escritores mortos como o Luandino estava aqui a defender. Porque os escritores, como Agostinho Neto, Viriato Cruz, etc., que até fisicamente estão mortos, continuam muito vivos. É um argumento que eu tenho contra o meu compadre.
LV – Até podemos entrar em polémica. A polémica seria sobre se aquilo que se chama um escritor e que é definido por um nome se refere à pessoa ou às obras. É evidente que essas obras foram produzidas por alguém. Mas no trabalho literário o próprio escritor, depois, às vezes pergunta “quem é que em mim escreveu isto?”
CADERNOS ÉME – Defende uma perspectiva mística do acto de escrever?
LV – Não é mística, porque sucede. A gente escreve e mais tarde lê e diz assim, “mas eu escrevi isto? Fui eu? Alguém em mim escreveu isto?”
CADERNOS ÉME – Ou: “Terei sido possuído por...”
LV – Não, não é isso. Penso que não é a possessão, nesse sentido. Mas a nossa identidade pessoal é uma coisa muito complexa e é feita de muitos dados. O nosso ADN literário, digamos assim, inclui tudo quanto a gente leu e tudo quanto a gente sonhou e quanto a gente ouviu. Nenhum de nós sabe o que é que está arquivado aqui nessas pastas do nosso cérebro. E muitas vezes nós não temos a mínima percepção de que isto estava lá guardado e damo-nos conta de que estava porque apareceu na escrita. O Arnaldo está aqui e sabe que se começamos um texto da maneira errada, isto é, se conduzir é com o volante à esquerda e a gente começa a conduzir com o volante à direita, temos que parar e mudar de trânsito. Isto é, rasgar e começar de novo; por aquele caminho não vamos lá. Quem é que nos diz que por aquele caminho não vamos lá? A nossa identidade literária determina muitas vezes muitos textos dos quais não tínhamos sequer a percepção de que existia essa capacidade em nós. Ou essa incapacidade, quando falhamos: “porquê que falhei se tinha tudo tão bem pensado na minha cabeça?”
CADERNOS ÉME – Dirijo-me ao Arnaldo Santos. Concorda com o Luandino?
AS – Você já notou que nós não temos as mesmas ideias sobre este assunto. Porque eu não considerava, de forma nenhuma, o Luandino um escritor morto. E mais ainda: eu tinha boas razões para admitir que o júri, que era formado por gente, à partida, inteligente, sabedora, etc., quando pegou na obra dele, não estava por estas considerações, com as quais eu concordo plenamente, para avaliar a obra do escritor Luandino Vieira, para lhe atribuir o Prémio Camões. O júri foi mesmo buscar essa obra, independentemente do autor se ter arquivado lá no convento de Sampaio. Eu não considerava de forma nenhuma o Luandino um escritor morto. Eu sabia que o escritor continuava vivo, movia-se ou vivia como escritor, portava-se como escritor, eu convivia com ele como escritor, falava e inclusivamente mandava os meus textos a ele como escritor. Logo, o escritor estava aí. Ele só precisava era sacudir aquela preguiça que normalmente os escritores costumam passar. Ele sacudiu e temos aí um escritor vivo para mais livros, muitos mais livros.

Redescoberta da dimensão ecológica

CADERNOS ÉME – Luandino: é verdade que durante os anos todos em que ficou sem publicar fez como que uma longa viagem interior e vivia como um eremita? Fez um auto-exílio, na tentativa de, se calhar, recuperar motivação para a escrita?
LV – Não, não foi na tentativa de recuperar motivação para a escrita. Ao longo destes anos fui sempre escrevendo. Pelo menos guardando na minha memória temas e mesmo frases e palavras. Passei a meditar sobre a literatura, sobre o meu trabalho anterior, sobre a realidade que tinha dado origem ao meu trabalho anterior, sobre a minha participação modesta nessa realidade e sobre os elementos fundamentais dessa realidade; portanto, era uma meditação mais sobre a minha identidade. De modo que ao longo destes anos todos o isolamento físico ajudou... O isolamento físico é devido também ao meu modo de estar no mundo. Não sou pessoa de muita confusão. Mas isso permitiu-me ver uma parte do meu relacionamento com a nossa realidade que eu não tinha aprofundado muito mas que em todos os livros já estava. Eu voltei ao Domingos Xavier (“A Vida Verdadeira de Domingos Xavier”, 1974) e obviamente o aspecto militante do livro... li e segui o aspecto humano dos personagens, sendo personagens que foram criados sobre figuras que eu conheci e passaram aqueles dramas... Por exemplo, num capítulo, um dos personagens, já não me lembro quem, olha para o rio Kwanza... eu me dei conta de que logo ali, num romance que não tinha nenhuma intenção de tocar na nossa natureza, que é afinal o nosso grande aquário onde todos nós angolanos nos movemos, já estava lá essa preocupação com a natureza, com o rio Kwanza. No Domingos Xavier já estava lá o Kwanza!... E fui descobrir que aos oito/nove anos eu tinha feito uma viagem pelo kwanza acima, num daqueles barcos que faziam ainda cabotagem para Calumbo... coisa que no meu subconsciente estava adormecida, tal e qual como andei na escola ou ia, pela mão do meu pai, ao centro espírita, como ia aos Coqueiros, ao Clube Atlético de Luanda... coisas que não tendo sido valorizadas estavam na génese dos quadros em que se movia o meu trabalho literário, a minha ficção literária. Isso fez-me compreender que a presença da terra angolana (rios, montanhas, pássaros) – agora aqui com o meu compadre, aqui na casa dele, a gente a primeira coisa que faz é identificar quem está a cantar na mulembeira; aí um “dikole” farta-se de cantar, um “mbolo quinhentos” canta, canta, canta; os “plim-plau” não saem daqui... – então isso fez-me reflectir: ... “Afinal eu tenho pecado, tenho reduzido a minha maneira de ver a nossa realidade porque a presença avassaladora da terra e esses valores não têm sido reflectidos”. Agora, isso que chamam exílio, auto-exílio, não existe. Eu já disse isto e posso repetir: há uma certa tendência da comunicação social para emoldurar as atitudes das pessoas. E então em relação aos escritores, aos artistas, aos músicos, essa moldura passa também por alguns preconceitos. Vamos ser claros.
CADERNOS ÉME – O auto-exílio pode acontecer em qualquer lado, não implica necessariamente uma viagem de um lado para o outro.
LV – Sim. E podia estar aqui muito mais exilado do que eu estava lá, em Portugal. Eu nunca deixei de estar em Angola. Devo fazer esta precisão: têm que nos dar, a nós também escritores e artistas, a possibilidade, este privilégio de sermos também humanos e de podermos ficar num sítio qualquer só porque procuramos trabalho, porque há o emprego, porque gostamos de viver ali, porque a nossa família nos pede para estar... O escritor, o músico, o artista, se não está é porque exilou-se, auto-exilou-se... Exílio político? Não está de acordo? Não é nada disso. Eu sinto necessidade de ir fazendo algumas introspecções porque até os combóios que andam em duas linhas paralelas, em certa altura tem que ter agulheiros, tem agulhas para desviar... Se queremos viver conscientemente temos que ir de vez em quando, não digo permanentemente, ir aferindo a nossa própria actividade, a ver se está de acordo com aquilo que nós somos e sentimos sinceramente ou se nos estamos a desviar dessa nossa matriz que é a nossa força interior. Pode soar a desculpa, mas não é.
CADERNOS ÉME – “O Livro dos Rios” é assim a redescoberta do tema da Natureza...
LV – É a assumpção. Assumir inteiramente que do nosso real a Natureza tem tanta força como a acção dos homens. Mais: porque os homens reflectem no seio dessa Natureza. Só que nós, os humanos, somos muito vaidosos e não estamos atentos. Passamos por uma árvore e é uma árvore... metemos a moto-serra e a cortamos. Chegamos a um sítio qualquer e não vemos que sem este sítio nós não teríamos a nossa identidade. Sobretudo nós, os urbanos, os citadinos. Eu gosto de estar aqui, na casa do meu compadre, porque a mulembeira está ali, e o sape-sapeiro... hoje vamos tentar podar um pau de maçã da Índia que está com uma doença, a ver se ainda a salvamos. Isto faz parte da nossa identidade. E este “O Livro dos Rios” e os outros dois que se seguem, tratam fundamentalmente disto: a relação do homem angolano com a terra angolana, naquilo que a terra define e ajuda a definir, naquilo em que o homem tem consciência. Isso traz um grande orgulho. Penso que se alguma coisa de novo eu pude introduzir nesse primeiro livro já não é só o orgulho de sermos angolanos, de termos as conquistas que fizémos em 40 anos de luta... É também esse orgulho da terra, dos rios... A angolanidade é um todo.
Ontem, falando com alguém que me estava a tentar dar umas indicações sobre a questão dos diamantes no nosso país, quando é que aparecem referidos como riqueza, ele me relatou um facto relativo ao século XVII. E falámos de Santa Maria da Matamba, da igreja onde se passaram as exéquias de Njinga Mbande ou do momento em que se lançou a primeira pedra dessa igreja... A palavra Matamba, que desperta logo o nosso imaginário histórico, lá onde a Njinga ficou os últimos anos da sua longa e combatente vida, desperta-nos também para aquela região. E aí a gente caminha e vê Kalandula, caminha e vê o Lucala... e não pode deixar de pensar nas Pedras de Pungu-a-Ndongo... Portanto, toda a história angolana é a relação, também, dos homens angolanos com a sua terra e a sua constante luta com as forças de conquista e ocupação. É também uma história de lugares. E eu sou muito sensível a isso. Esse quadro da natureza passou a ser muito mais importante do que, inconscientemente, já era... E uma história como a da mafumeira do Kinaxixi, que nós vimos em criança, presenciámos o derrube, o corte daquela árvore... a história do corte daquela árvore pode ser vista do ponto vista simbólico, mitológico, religioso, no quadro das religiões tradicionais, dos espíritos que aí moravam. E pode ser vista como um choque entre a modernidade e o passado que não queria que se mexesse ali... mas era preciso rasgar aquilo, asfaltar, criar a urbe, avançar... o famoso progresso, não é, o crescimento ou o desenvolvimento. Tudo pode ser narrado sem esse facto, sem a lagoa do Kinaxixi, sem a mafumeira, sem os espíritos... mas acho que será um relato mais pobre do que se relatarmos com todas aquelas nuances. Mas sobre o Kinaxixi este senhor [referindo-se ao escritor Arnaldo Santos] pode me corrigir, ele gosta de me corrigir, ele que também foi “apanhado” pela mafumeira. Eu fui apanhado pelo galho da mafumeira, na chuva. Se era um sinal, se não era um sinal, não sei.

Em termos de militância o coração está antes do cartão

CADERNOS ÉME – No início desta conversa perguntei-lhe se podia tratá-lo por “Camarada”...
LV – Com certeza.
CADERNOS ÉME – Mesmo em Portugal, nesses últimos 14 anos, foi acompanhando a evolução política do país? Ou reactualizou-se agora, no seu regresso?
LV – Eu acompanho sempre. Claro que não é no pormenor. A questão política do nosso país já não se vê só nas questões de pormenor, nem nas questões tácticas ou circunstanciais. Obviamente que estando longe, não podendo ver o dia-a-dia, eu vou tendo conhecimento do que foram as opções estratégicas; e também não tenho formação política nem conhecimentos para dizer se foram certas ou erradas, naquele momento. Só posso ver é o resultado, como cidadão e como “camarada”. Porque isto de ser do MPLA, primeiro não é o cartão. Primeiro é o coração, depois é que é o cartão. O cartão a gente perde; rasgam-nos ou caçumbulam-nos. Mas o coração, este, ninguém nos tira.
A questão estratégica deve ser medida por resultados. E quando, agora, no dia 11 [de Novembro] eu fui posto perante o resultado... Se houvesse um só resultado já era muito bom para uma geração.
Nós tivémos a sorte histórica de poder participar num momento absolutamente ímpar da nossa história, que foi a luta de libertação nacional, que deu lugar à independência política. A independência política está aí. Nunca esteve em causa. Outra coisa: a integridade territorial. Quando agora nós percebemos que todos os planos, desde há muito anos, era se para nos dominarem fosse preciso partiam-nos aos bocados... Ninguém conseguiu partir a nossa Nação, o nosso território. Estão aí as nossas fronteiras... E a despeito, e sobretudo devido a multiplicidade cultural e sociológica do nosso país, a unidade nacional está aí. Ao fim de 31 anos de independência, diga-me um outro país que se pode gabar desses três factos que são estruturantes e estratégicos? Não são muitos.
Os quatro anos de paz traduzem-se no vertiginoso crescer desta cidade. E eu espero que quando visitar Benguela, Lubango, Cabinda e outros lugares, encontre esse mesmo fervilhar. É certo que há muitos defeitos... Mas eu me lembro dum mais velho que me ensinou, no campo de concentração, uma coisa: quando passa um elefante, o caçador não pode estar a olhar para as pulgas. Porque o elefante leva lama, leva pulgas, tem a pele rasgada, carrega porcaria... você vai dizer “ai, o elefante está cheio de porcaria!”... Está a passar um elefante e você está a olhar para as pulgas?
CADERNOS ÉME – Foi propositado fazer coincidir o lançamento do seu livro com o dia da Independência do país?
LV – Quando me perguntaram qual era a data que queria para o lançamento, eu não pensei duas vezes. Se tivesse pensado teria percebido que no dia 11 há coisas muito, muito mais importantes do que o lançamento de dois livros de dois velhos escritores. Mas era uma parte daquele orgulho. E sobretudo porque eu pedi apenas para que no lançamento estivessem meus restados camaradas do campo de concentração do Tarrafal, a quem o livro é dedicado. Foi só o entusiasmo. Depois a realidade obrigou a corrigir. [Inicialmente previsto para o dia 11 de Novembro, o acto formal de lançamento acabou por acontecer no dia 14].

Participação na luta pela independência nacional

CADERNOS ÉME - Recuemos no tempo. Pode falar-nos das circunstâncias que o levaram ao campo de concentração do Tarrafal?
LV – Eu acho que isso individualmente não tem importância, porque nós tivémos o privilégio histórico, a nossa geração, de estar naquele momento histórico em que as condições se reuniram para que a luta pela libertação nacional, pela independência política, tivesse sucesso.
CADERNOS ÉME – A questão do mérito coloca-se porque apesar das condições históricas, as pessoas tiveram que agir em determinado sentido...
LV – Pois, mas houve sempre resistência popular ao invasor, houve a partir do momento em que começou a haver intelectualidade, a introdução da imprensa... isso você sabe melhor do que eu. Houve vários surtos. O nacionalismo angolano não começou no pós-segunda guerra mundial, tem raízes pelos séculos fora... se não quisermos ver o nacionalismo duma maneira estreita, como uma ideologia. Não. Esse sentimento, esse movimento que resultava do choque e das contradições das forças, entre invasores e invadidos, ocupados e ocupantes, os que colaboravam e os que não colaboravam, os reinos e os que vinham... isso se foi formando, se foi caldeando o nosso país.
Então, nós tivémos o privilégio de estar naquele momento histórico e participámos. Participações individuais? Foram sempre participações de grupos, de tal maneira que, por exemplo em 1959 (para pôrmos a coisa já naquele período em que a polícia política portuguesa, a PIDE, já estava instalada e começou a actuar organizadamente sobre as ideias e os movimentos nacionalistas...) todos os dias saíam panfletos e não eram assinados pela mesma organização. Uma pessoa podia às vezes copiar a ideia que saía num panfleto, voltar a glosar esta ideia, que já era assinada por outro dos movimentos que proliferavam: MINA, MIA, ELA, PLUA, PCA... que sei eu?
Foi essa a época que veio da luta pela difusão das ideias nacionalistas, pela organização e contra a repressão, que depois deu, como resultado, uma maior eficácia e a possibilidade do MPLA dirigir essas forças todas que actuavam em seu nome, com o seu programa (muitas vezes não lido, só de ouvido: sabia-se que o programa mínimo era este, o programa maior era aquele...). Para resumir, o camarada Mendes de Carvalho foi o que até hoje, como é um escritor, é o nosso mais velho e o nosso mestre em muita coisa, quase tudo, sintetizou melhor o MPLA. Ele disse que o MPLA é um rio de muitas águas. Isso é o que faz a força do MPLA. Nós tivémos a sorte de estar ou num ribeiro, ou num afluente da margem esquerda ou num afluente da margem direita, às vezes estávamos só no muije, outros estavam numa pequena lagoa... todas essas águas quando se juntaram foram imparáveis. Hoje parece que isso é reconhecido.
CADERNOS ÉME – O Luandino continua modesto. Na verdade ficou preso quantos anos?
LV – Da primeira vez que fui preso, no Processo dos 50, tiraram-me porque eu era muito miúdo e, (penso eu que o juiz interpretou, para o despacho de pronúncia final, orientações superiores) não convinha misturar sobretudo os brancos que tinham uma boa situação... como é que uma pessoa que é gerente de uma empresa, tem dinheiro, tem privilégios... “se mete nisto?”, como eles diziam. Depois, em 1961, fui condenado a 14 anos e cumpri 12 em prisão; depois pegaram em mim e puseram-me em Lisboa com residência vigiada. Tinha uma caderneta e cada vez que queria me deslocar tinha de ir à PIDE, eles punham lá um carimbo... “segue para Santarém”... Ia lá visitar o meu pai... quando lá chegava a primeira coisa a fazer, antes de ver o meu pai, era me apresentar à PIDE para carimbarem a caderneta... Só depois é que, vigiado obviamente, podia visitar a família.
Temos que render homenagem é à memória dos milhares e milhares de angolanos que morreram, que deram o seu sangue, a sua vida, para a conquista da independência política. Nós que passamos estes anos todos de cativeiro, temos o direito a dizer isso com a modéstia e ao mesmo tempo o orgulho que temos nisso. Mas o nosso sofrimento (pelo menos falo pessoalmente) comparado com o das grandes massas... não, não tem comparação possível. Não é ser modesto... Trinta e um anos depois a gente já pode ver qual é realmente o nosso lugar. É um pequeno lugar, está ali, não é mais do que isso.

Uma torrente de escrita chamada “Nós, os do Makulusu”

CADERNOS ÉME – Escreveu “Nós, os do Makulusu” em 15 dias. Continua com este ritmo frenético de escrita?
LV – Não. Em relação ao “Nós, os do Makulusu” até hoje não compreendo... Eu não sou uma pessoa muito mística, ao contrário aqui do meu compadre, que tem a abertura de espírito suficiente para enquadrar desde o misticismo ao realismo mais científico, só comprovado por experiência... É verdade que o ambiente cultural da nossa terra e o ambiente natural, também um bocado mágico, dá-nos essa percepção de que nem tudo na realidade é perceptível apenas com os instrumentos científicos, da razão. Há coisas que é melhor desconfiar. Desconfiar é uma atitude correcta. Enquanto não tivermos a certeza desconfiámos. Alguém passeia em nós.
Nós atravessávamos no campo de concentração um período muito, muito difícil. As notícias que nos chegavam... Não sei como é que nos chegou a notícia da morte do Hoji-ya-Henda... e também d’alguns problemas que houve na Checoslováquia... a morte do Che Guevara... Mas sobretudo internamente nós passávamos um período de muito mais repressão, muitas limitações... E foi também um período muito difícil para mim, pessoalmente, estive muitos meses sem notícias da família... Então sucedeu que este livro [“Nós, os do Makulusu” ] foi escrito em 7 dias.
Nós saíamos da caserna para dar umas voltas, para lavar a roupa, para apanhar sol... o chamado recreio... Eu sentava-me no chão, debaixo de uma grande acácia, no meio do campo, e fui escrevendo. O romance foi escrito assim, como se eu estivesse, e agora vou arriscar, possuído por um espírito. Alguém me diz que sim, que é assim, porque foi nessa mesma árvore onde o Mendes de Carvalho gravou à canivete uma frase, que eu já não lembro e que ficou lá. E ambos sofremos muito, anos depois, no dia em que visitámos de novo aquele campo e vimos que uma moto-serra tinha cortado aquela árvore. Outras árvores ficaram, mas aquela tinha sido cortada. Fazendo ficção, estou a ler sinais que não existem. Mas a verdade é que estas coisas se passaram. Como é que nós, por exemplo um mais velho como o Mendes de Carvalho ou eu que também já vou a caminho de ser um kota, como é que nós vamos ler isso? Porquê que cortaram precisamente aquela árvore? Ah, é o acaso... Outros dizem, ah, isso é um milagre... Há muitas coisas na vida para as quais a curta vida humana, quer individual quer às vezes grandes colectivos, ainda não pode encontrar resposta. A resposta é mais estratégica, precisa às vezes de séculos. Ainda há pouco tempo na Europa toda a gente defendia que a terra estava quieta e que o sol é que girava à volta da terra. Hoje sabe-se, cientificamente, que é o contrário.
CADERNOS ÉME – No quadro global da sua obra, qual é o livro que mais aprecia? Incluindo “O Livro dos Rios”.
LV – É difícil dizer. Não é a velha e estafada imagem de que todos são nossos filhos e que todo o pai ama a todos por igual. Todos eles, quando os publiquei, publiquei conscientemente. Tenho a noção do que cada um deles representa ou pode ter de valimento. Mas se me disserem assim: só podemos editar um livro... Em homenagem a esse espírito que naquele momento deve ter habitado em mim (e tenho pena que se tenha ido embora depois) eu escolheria mesmo o “Nós, os do Makulusu”.
CADERNOS ÉME – Acredito que tenha uma ideia geral daquilo que é a literatura angolana hoje. O que acha dela?
LV – Nenhum de nós pode fazer futurologia. O hoje da literatura angolana conheço mal, porque em Portugal não chegam algumas obras, pelos motivos que todos sabemos. Conhecendo mal era muito atrevimento estar a fazer um balanço. A única coisa que eu posso dizer, é tentando também ver as coisas em termos estratégicos, fazendo a leitura do passado, tentando tirar ilações. E se no fim do século XIX nos debruçássemos ou estivéssemos a ver a literatura que era produzida naquele tempo, nomeadamente a que era publicada nos jornais, se se pusesse essa questão aos homens do fim do século XIX e princípios do século XX, àquela geração, será que eles poderiam por exemplo prever a geração dos Novos Intelectuais de Angola, o movimento da Mensagem... seguramente que não. Retrospectivamente, nós podemos agora encontrar uma ligação entre a literatura feita em nome de ideias proto-nacionalistas, vamos utilizar o termo, e a que depois apareceu já com ideias mais definidas, mais nacionalistas claras. Mas é lendo, fazendo a leitura para trás. E quando o movimento da Mensagem produziu a [revista] Mensagem ou quando o Mário [de Andrade] e o Francisco José Tenreiro publicaram o Caderno de Poesia Negra de Expressão Portuguesa podia prever-se, por exemplo, o que foi a actividade de 1975 a 1980, aquelas tiragens de 15 mil, 25 mil exemplares, os livros a circularem a preço de maço de tabaco, as FAPLA a distribuir quase com um carregador [de munições] um livro... Podia-se prever? Era muito difícil. O que une isso tudo é que há uma linha de continuidade no modo como se vê a relação do homem angolano com a terra e os seus deveres para com a realidade. Em todos os escritos há uma linha de continuidade que pode ser simplesmente reduzida a isto: no meu entendimento o escritor angolano sempre foi comprometido civicamente. Teve sempre uma noção de que a sua arte é a literatura, que é a expressão dum sistema um pouco autônomo, mas o cidadão nunca fica de parte; há um mínimo de participação que resulta dessa consciência cívica.
CADERNOS ÉME – Essa participação cívica tem necessariamente uma expressão política?
LV – Às vezes tem expressão política e até militar. Houve escritores que foram para a guerrilha... A participação cívica, como cidadãos, ficou na maneira como os escritores angolanos vêem a sua literatura. E penso que esse traço também define o nosso sistema literário nacional. Há críticos que dizem “ah, estes são poemas militantes”. Está bem. Muitas vezes a qualidade literária é aferida por isso mas outras vezes é essa característica que dá a grande qualidade literária. A gente pode dizer que o poema do António Jacinto, “O grande desafio”, é um poema absolutamente político; é radicalmente político... E é, em simultâneo, radicamente literário. Estas coisas não são muito simples, nem se pode lançar o anátema de que “ah, é militante, está a fazer poesia militante, logo, não presta”. Ou ao contrário, “ah, não é militante, logo, é bom”. Em última instância a obra publicada é que responde, não é o homem, sendo ou não militante. Agora, o homem que faz a obra está lá na obra, quer seja como presença quer seja como ausência. E o responsável último é ele.

Quando se está diante da globalização…

CADERNOS ÉME – Nós estamos num mundo cada vez mais globalizado. Como é que se vê, a si e à sua obra, neste mundo globalizado?
LV – Eu vejo a globalização como esse grande movimento de aproximação das actividades económicas em todo o mundo, o que, por arrasto, leva também a aspectos sociais e culturais. Penso que me está a dirigir a pergunta no sentido de eu, talvez, estabelecer a minha relação com as novas formas de informação e comunicação. Eu confesso que quando começou esse grande movimento, fiz uma má avaliação. Não do alcance, porque se percebeu logo que essa revolução tecnológia ia trazer uma nova revolução no modo de entender e de nos relacionarmos com o mundo. Fiz uma má avaliação do tempo. Pensei para comigo, “bom, quando isso chegar a ser um dado fundamental no relacionamento entre as pessoas e, no nosso caso, no relacionamento das pessoas que vivem no campo da criação ou das ideias ou da troca de ideias ou do conhecimento ou da informação... quando isso chegar eu já cá não estou”. Pensava que levaria algum tempo mais e afinal sou surpreendido, por exemplo em 2005, com essa realidade de ser um excluído, um info-excluído.
CADERNOS ÉME – Pode remediar isso...
LV – Pode ser remediado. As tecnologias são humanas, bem como o modo de as utilizar. Portanto, não é nada que qualquer cidadão, desde que queira, não possa adquirir as competências mínimas para também meter o seu fiozinho na rede e ficar ligado a todos os outros cidadãos, individual ou colectivamente. Disso eu tenho a perfeita noção. Eu fiz uma avaliação do tempo e então fiquei descansado com o meu método de trabalho da canetinha e apontamento e confiando na minha memória. Agora dou-me conta que isso é insuficiente como modo de estar ligado, de estar informado e de estar a participar tanto quanto mais não seja tendo conhecimento do que se passa. Ainda não tomei a decisão de me “incluir”, por preguiça. É que um infeliz traço do meu carácter é ser muito preguiçoso; e isso é capaz de dar muito trabalho…
CADERNOS ÉME – Querendo ou não, a informação sobre o Luandino e a sua obra está muito presente na Internet.
LV – O meu neto e o meu filho e outras pessoas ficam muito irritados quando eu digo “printa e mete no correio”, quando afinal é só fazer um clique para enviar ou reenviar [Risos].
CADERNOS ÉME – Como é que tem sido a sua relação com as outras artes angolanas? Essa fruição, essa apreciação das outras artes acrescenta alguma coisa à sua criação literária?
LV – Até 1992 eu tive uma relação muito intensa com as outras áreas da criação artística. Eu era inclusive membro da UNAP [União Nacional dos Artistas Plásticos]. Desde criança que eu gosto da boa música.
CADERNOS ÉME – O que é que considera “boa música”?
LV – Bom... Música que é feita com algum conhecimento técnico e com sinceridade. Por exemplo oiço sempre com muita atenção a música tradicional, a música popular, sobretudo o cancioneiro urbano. Com a pintura... sou um desenhador e pintor frustrado. Houve uma altura em que na UNAP me incluíram nos “pioneiros da gravura”... Fiz uns linóleos no tempo em que nos multiplicávamos com muitos pseudónimos para ocupar o lugar nos jornais, para dar a ideia de que éramos muitos, para a PIDE ficar baralhada... eu era o Luandino, o José Muimbo, o Zé Graça... A gente ia multiplicando também as expressões, para baralhar a polícia.
Sou apreciador, pouco crítico, de jazz. O Gegê Belo não gosta que eu diga isto, mas eu gosto de todo o jazz, sobretudo dos priomórdios, do período da formação, das influências, quando vêem as canções de trabalho mais os blues...
Mantive sempre ligações, por exemplo com o Ole, o Kidá e os jovens que estavam, em pintura, a estudar em Portugal, o Vitó (o filho do Viteix)... Pude me dar conta de que para além da manutenção de uma linha que se vê em quase todos, de expressão artística baseada não só em temas mas também em figurações populares e uma coisa interessante que era uma certa expressão surrealista, sobretudo em alguns pintores dos anos ’90, já não me lembro de nomes, acho que se fez um bom caminho nas artes plásticas.
Na música houve uma multiplicidade de estilos e a entrada do conceito de fusão e a tal globalização, que faz com que se façam descargas de tudo na Net e se misture... Mas não há dúvida que a música sempre foi um sector de grande vitalidade. Quanto ao teatro não tenho absolutamente nada a dizer, já que não tenho acompanhado o seu movimento.
No cômputo geral, a actividade artística e criativa acompanha o desenvolvimento do país. Umas vezes com uma certa perplexidade, à procura de caminhos; outras já com a consciência de qual é o caminho da afirmação. Acho que as artes também vão neste movimento de crescimento e de irrupção das forças que estavam contidas pela guerra.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Pessoas que vivem com o HIV em Angola (2): "FICAM ADMIRADOS COM A MINHA ALEGRIA DE VIVER"

Ana Maria Gastão, que vive com o HIV, é uma mulher que encara as suas adversidades de frente, está sempre pronta a encontrar formas de as resolver ou contornar. “Desde que comecei a trabalhar na Acção Humana (AH) a minha vida mudou, melhorou muito. Passei a ir às consultas médicas e aos poucos fui recuperando a minha saúde”.

É ela própria quem caracteriza a sua vida antes de trabalhar para a AH: “a minha vida era um inferno. Ficava muito doente e não conseguia tomar conta dos meus filhos. Eles nem sequer conseguiam ir à escola”.
Na altura ela vivia, com os filhos, no bairro Praia do Bispo, em Luanda, na casa de um tio. “Eu não trabalhava, não fazia nada”, revela. “Os meus irmãos vivem na Lunda-Norte, na cidade do Dundo. Vim a Luanda porque a minha filha era muito doentinha. Mas depois eu própria comecei a adoecer. Já não regressei à Lunda-Norte. Estou em Luanda há seis anos”.
Ela encontrou na AH o amparo que necessitava para estabilizar e mesmo dar um novo rumo à sua vida. Para além do salário, recebe apoio em medicamentos para si e os filhos.
Sem subvalorizar o trabalho e o salário que recebe, Ana Gastão acredita que o que mais a compensa na AH é pôr a sua experiência de vida ao serviço das pessoas que vivem com o HIV e enfrentam, sem forças, o estigma, a discriminação e o abandono da sociedade, seja no local de trabalho, na vizinhança e, mais doloroso ainda, na própria família.
“Tento amparar e acompanhar pessoas que vivem com o HIV. Vou com elas aos hospitais, às maternidades”…
Ana Gastão conta com a sua experiência pessoal, alicerçada em métodos que ganhou ao longo desses anos todos, nas várias acções de formação em que teve o privilégio de participar sob os auspícios da AH. O seu método de trabalho baseia-se no pragmatismo. “O meu método de trabalho consiste em ir ao hospital e aproximar-me, conversando com as pessoas que, visivelmente, estão muito afectadas e abaladas pela doença. Quando ficam a saber do seu estado de infecção pelo HIV muitas pessoas põem-se a chorar, a gritar, a fazer escândalo. Têm dificuldade de encarar a sua nova realidade. Pergunto o que têm e acabo por dizer que eu própria vivo com o HIV. Assim cria-se uma maior confiança e abertura. Estabelece-se uma maior comunhão de interesses”.
Ana Gastão tem uma agenda, onde anota os compromissos com os seus assistidos. “Se tiver que levar alguém aos hospital, vou muito cedo à casa dela, apanhamos juntos o táxi. Nos casos em que o paciente não está em condições de andar pelos próprios pés, requisito uma viatura da AH”.
Ana Gastão acompanha todo o processo de consulta, a começar pelo contacto com as catalogadoras, na recepção do hospital. Os doentes mais graves fazem as consultas no Hospital Esperança.

Laços de amizade

Uma das coisas que mais deixam Ana Gastão gratificada e a fazem continuar o seu trabalho de activismo em prol dos portadores de HIV e doentes de Sida são os laços que se estabelecem com os assistidos. Mais do que solidariedade, são laços de amizade e amor. “Já tive vários casos que me marcaram muito. As pessoas quando recebem a nossa ajuda ficam bastante gratas. É uma gratidão pura, que vem do fundo do coração. É que nós surgimos na vida delas no momento em que elas mais precisam de ajuda, no momento em que elas estão mais debilitadas no corpo e na mente. Quando se encontram connosco, na rua, agradecem e apontam-nos a outras pessoas, dizendo que fomos nós que lhes salvámos”.
Actualmente Ana Gastão faz o acompanhamento de seis crianças e cinco adultos. “No caso das crianças, se a mãe estiver em crise, eu própria levo-a à consulta. Ou se a mãe estiver a sentir-se cansada, encorajo-a, dou-lhe forças para não se deixar abater. As crianças chamam-me tia ou mesmo mamã”.
Ana Maria Gastão considera o estigma como um grande problema, ainda por superar. “Há famílias que abandonam os seus doentes de Sida ou então, pura e simplesmente, não aceitam encarar a realidade da doença. É complicado”, desabafa.
Ana Maria Gastão é uma mulher expedita, expansiva, simpática, à vontade. Essa maneira de ser a ajudou a encarar e superar a fase menos boa da sua vida. “O trabalho do activismo deu-me uma nova inspiração para viver. Às vezes, quando dizemos aos nossos assistidos que também vivemos com o HIV eles não acreditam, ficam admirados com a nossa alegria de viver”.
E quando as pessoas lhe perguntam aonde, apesar da sua situação, vai buscar forças para continuar a encarar a vida pelo prisma das cores mais alegres, ela faz uso das seguintes palavras: “Digo a todas as pessoas portadoras do HIV que Deus é muito maravilhoso e ama-nos, e que é só tomar os medicamentos, tenho fé que Deus um dia vai mostrar uma cura para nós”.
Ela é crente, é religiosa praticante, mas do mesmo modo que acredita na força da palavra de Deus também acredita no poder da ciência, dos medicamentos. “Sou crente e rezo para o Bom Deus. Sou portadora e por enquanto não tenho necessidade de usar medicamentos. Usei-os na altura em que fiz o corte da transmissão vertical, quando estava grávida da minha filha. O meu CD4 está óptimo, não tenho nenhuma doença oportunista que me meta cansada. Sinto-me maravilhosa com o apoio e as informações que recebi. Sinto-me bem preparada para o trabalho que faço. Viva a saúde!”.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Pessoas que vivem com o HIV em Angola (1): "CONTINUO A ALIMENTAR SONHOS"

Educadora de infância, Marcelina Machado, 39 anos, separada, é portadora do HIV, tal como os dois filhos. Já chegou a estar doente, mas recuperou graças ao tratamento médico e ao acesso aos medicamentos, facilitado pela Acção Humana, que também lhe proporcionou ajuda psicológica. Ela usa a sua experiência pessoal ajudando outras pessoas a encarar e a aceitar o seu estado de seropositividade. E a procurar ajuda médica. Eis aqui o seu depoimento, na primeira pessoa.

“Soube do meu estado de seropositividade há quatro anos. Então vivia com o meu marido e um filho, que tinha três anos. A partir de certo momento o meu filho andava sempre doente. Como eu estava grávida, não o podia levar sempre às consultas. Era o meu marido que o fazia. Um dia o médico pediu-lhe para fazer o teste do HIV, juntamente com a criança, e ele chegou em casa todo embirrado. Até que uma vez, por uma simples coisa, chateou-se todo, pegou as suas coisas e foi-se embora de casa. Até hoje não sei se chegou a fazer ou não o teste.
Na altura vivia no Kassequel, na zona do Catinton. Assim que o meu marido me abandonou regressei à casa da minha mãe. Mas os meus filhos continuavam a adoecer muito.
Eu trabalhava. Sempre trabalhei. Sou educadora num lar de infância. No meu serviço tem médicos e enfermeiros. Passei a levar para lá o meu filho, para ser consultado. Como ele nunca melhorava, apesar da medicação, um dia o médico mandou que ele fizesse o teste do HIV. Deu positivo. Uma das enfermeiras contou às minhas colegas do serviço que o menino tinha HIV e que eu, como mãe, por ignorância, lhe estava a fazer sofrer. Alguém lá do serviço foi contar à minha família, alegando que o menino tinha Sida e eu já sabia. Toda a minha família veio contra mim. Deram-me 48 horas para abandonar a casa, porque senão, disseram-me, acabaria por contaminar outras pessoas. Por isso não poderia continuar no meio deles. Quando digo “a minha família” refiro-me à minha mãe e aos meus irmãos.
Tive de arrendar uma casa. A minha própria saúde também se foi debilitando. Eu estava muito em baixo, não sabia que rumo dar à minha vida. Foi nessa altura que, graças à Deus, através de uma pessoa amiga, descobri a Acção Humana. Se até hoje eu e os meus dois filhos estamos de pé é graças à Acção Humana, que nos recebeu e nos tem apoiado bastante. Já recebi ajuda em meios financeiros, bens alimentares e até em termos de renda de casa. Eu e os meus filhos temos acesso às consultas e aos medicamentos contra o HIV. Graças a Deus estamos bem.
A minha colaboração com a Acção Humana consiste em procurar pessoas com HIV e que não querem aceitar a sua condição de seropositividade. Converso com essas pessoas, aconselho-as a irem ao hospital, acompanho-as às consultas. Às grávidas aconselho a fazerem o teste, para que não lhes aconteça o que me aconteceu e possam beneficiar, se forem seropositivas, do corte da transmissão vertical, livrando assim os bebés da contaminação pelo HIV.
A minha vida, desde que colaboro com a Acção Humana, deu uma volta completa. Estou mais serena. Acredito na vida. Cheguei à conclusão que o HIV não é um bicho de sete cabeças, só é preciso saber lidar com ele. É preciso fazer os testes, a medicação, alimentar-se bem, levar uma vida sem vícios, nada de perder noites.
Aos que não são seropositivos aconselho a não ignorarem as pessoas que estão com o HIV. Os que hoje são seropositivos nunca contaram que um dia estariam nessa situação. Usem preservativos nas relações sexuais, seja com quem for. Não confiem na aparência saudável das pessoas.
A minha vida continua. E alimento sonhos. O grande sonho da minha vida é conseguir um lar e ver os meus filhos formados. É o meu grande sonho.”

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Ruy Duarte de Carvalho in requiem



ISAQUIEL CORI

A morte do poeta, ensaísta, cineasta e antropólogo Ruy Duarte de Carvalho é uma perda enorme para a cultura angolana. Pessoalmente não privei com ele, mas sempre procurei ler tudo quanto ele publicava. Era um cultor da excelência na escrita. A sua prosa, bastante elegante, rebuscada, carregada de circunlóquios, até mesmo um tanto barroca, fascinou-me desde o princípio, o que me permitiu conhecer a profundidade do seu pensamento.
Alguns dos seus ensaios encerram verdades, descobertas, que deviam nortear até mesmo o poder político. Lembro-me, por exemplo, de um texto seu em que se refere ao modo como algumas decisões de carácter político interferem e até mesmo desestruturam a organização da vida das comunidades rurais. Ele referia-se, nomeadamente, aos males que a importação maciça de fuba de milho podem causar a uma comunidade rural, onde o acto de pilar o milho é uma das principais componentes do quotidiano feminino. O acto de pilar o milho é um acto de sociabilidade carregado de importância cultural, porque as mulheres aproveitam aquele momento para trocarem experiências de vida e até para cantar. As mais novas são iniciadas nos meandros da vida feminina. Elas, aí, não pilam apenas o milho, também dão sentido à sua própria vida.
Essa é uma visão de raiz antropológica, mas também poética: humanista.
A perspectiva de um poder político centralizado, alheio às verdadeiras necessidades locais, é uma constante na obra ensaística de Ruy Duarte de Carvalho, e que lhe terá, certamente, rendido alguns, e poderosos, desafectos.
Ruy Duarte de Carvalho foi igualmente grande no cinema e na poesia.
Angola, este país que vive há apenas oito anos em paz, está tão carregada de traumas, vibra numa tensão tão periclitante entre passado e futuro, tem tantos assuntos mal resolvidos, ou por resolver, que ainda não tem nem tempo, nem discernimento, para prestar a devida honra e reconhecimento aos filhos que por ela se bateram, de peito aberto, com as armas da ciência, da poesia, da arte, do conhecimento.
A seu tempo, Ruy Duarte de Carvalho, terá a homenagem merecida.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Por que recomendo o “Último recuo”





António Quino *

Por que razão julgo que seria interessante e oportuno ler “O último recuo”, de Isaquiel Cori?
Para início de conversa, permitam-me que me apoie em algumas fundamentações teóricas. Prometo não cansar.
Na sua “Teoria do romance”, Donaldo Schuler afirma que “Podemos teorizar o romance de muitas maneiras. (...) Podemos investigar as relações com o contexto. Podemos inquerir o trabalho autorial. Podemos investigar a experiência da leitura. Podemos nos colocar na posição do leitor”.
Tal como Schuler sugere, coloco-me na posição do leitor. E é como leitor que vos falo, fazendo uma, dentre milhares de leituras possíveis.
Uma sociedade, um problema, um livro, um objecto, uma realidade, um espaço físico ou mesmo uma personagem podem ser vistos de diferentes pontos de vista, resultando em imagens diferentemente deformadas.
Por exemplo, a descrição que encontramos no livro , na sua página 17, pode ser vista como imagem com características globais, próprias de situação que o contexto padroniza:
“De olhares longínquos e sem brilho, vestiam ridículas roupas de fardo e pareciam objectos de exposição de um exótico museu vivo, a denunciarem, de modo patético, a violência e a estupidez de uma guerra que lhes invadira as terras, penetrara-lhes na alma e esvaziara-lhes o olhar e o futuro”.
Ou ainda (p.16):
“... apesar de tudo, antes de dormir, de toda a incerteza que o atormentava, ainda estava vivo”.
São exemplos de imagens globais que podem ser projectadas e deformadas em função dos pontos de vista dos leitores.
No caso concreto das imagens locais, elas apresentam-nos características mais suaves e reais às nossas experiências e vivências, e a quantidade de informações disponíveis oferecem-nos condições para mais facilmente nos identificarmos com elas. Aliás, a existência desses caracteres comuns pode ajudar a definir a estrutura literária de uma determinada obra, não fosse esta produção artística produto da experiência ou imaginário do autor.
Indo ao livro, e apoiando-nos na coincidência entre Calú e Luanda, o leitor pode encontrar imagens locais. Calú, terra natal da personagem principal, é o espaço físico onde se centralizam as acções principais que corporizam a narrativa de “O último recuo”, e parece uma cópia de Luanda, terra natal do autor do livro.
Começando pelos problemas na distribuição de energia eléctrica , à sucessão de becos e contra-becos, chão abaixo do nível do quintal , casas em cima da estrada , absentismo quase generalizado em dias posteriores às grandes ressacas , a descrença nas instituições, que se mistura com a arrogância e o individualismo velados no ego de muitos cidadãos das grandes cidades, como o descrito na página 16 do livro:
“Sou o quê? (...) Cuidado que eu posso te dar um tiro aqui mesmo”.
Outro elemento em comum encontramo-lo nas páginas do livro, onde se percebe a forma como a guerra fez milagres e miseráveis.
Há uma personagem, Matuba Grande, que o narrador garante que se não fosse a guerra, certamente continuaria como um camponês cujos horizontes dificilmente ultrapassariam os marcos da região natal e arredores .
Essas palavras do narrador são confirmadas pela própria personagem na página 44:
“- (...) eu considero a guerra como uma coisa querida. A guerra tirou-me do meu destino de camponês. Deu-me poder”.
Mas há aqueles que enfrentaram a guerra. “Não fugiram, apegavam-se às suas casas, às suas terras como o único bem precioso que possuíam, com o risco da própria vida. Gente honesta, inocente, apanhada no turbilhão de uma guerra cujas causas verdadeiras desconheciam” .
Entre Calú e Luanda há ainda em comum o facto de haver em muitos jovens a descrença no amanhã e o cego mergulho no mundo do álcool. E o diálogo entre jovens presente na página 20 é bem prova disso:
“- A birra está fixe, esta é que é vida! Gostava de morrer com uma bem fresca na mão...”
Vezes há em que, em tom descontraído, a morte se torna o centro das conversas, anulando a vida:
“- Sabem qual é a maneira mais bala de baicar? É a comer a garina do tipo mais achado da banda...”
“- P’ra mim é melhor morrer com um tiro na cabeça. É tudo rápido.”
Vemos também, em Calú (p. 20), jovens abordando a problemática da velhice versus feitiço, uma discussão patente em Luanda e que representa um cancro para a sociedade luandense em particular e dos cidadãos da terceira idade em geral:
“- (...) Vou mas é morrer bem velho, não me importa se vão me chamar de feiticeiro”.
Este diálogo termina num: - “Nós somos imortais!”, reflexo da inconsequência de muitos jovens em Luanda, arriscando a vida por um vintém.
Igualmente, em Calú, o autor projecta uma realidade ficcionada, em que as relações sociais de classe se estabelecem num restrito núcleo, em que há os cidadãos indesejáveis, vistos como uma espécie de bacilos de cock pela elite, elemento extremamente nocivo e contagioso, que devia ser evitado a todo custo.
Na página 98 do livro há o relato de um camponês projectado ao generalato que evita João Segura, seu ex-companheiro de armas
“- Demasiadas pessoas já me viram a conversar contigo. E isto não é bom para mim”.
Mas a razão dessa sociedade ficcionada e fraccionada pode esbarrar numa solução, pois, como descreve nas páginas 106 e 107, a sorte pode vir vestida de quotidiano: mulher velha encolhida sob o peso da banheira de pão na cabeça, moça esticada em cima duns sapatos altos, o homem encerrado num fato pesado, mulher cantarolando cantos religiosos, e um Manecas Ladeira, mutilado, a oferecer emprego ao seu ex-comandante.

Nessa questão das semelhanças, há um diálogo, na página 68, que se afigura como um interessante recado ao leitor, um experimentado homem de cabelos brancos aconselha um jovem cujo destino se afigura incerto:
“- Coragem e paciência. E não tente compreender tudo o que te acontece. Deixe as coisas acontecerem.”
E o que tudo isso tem a ver a minha recomendação em ler a obra? Já aí chegaremos.
“O último recuo” narra a história de João Segura, um despromovido Tenente-coronel do exército, de 42 anos de idade, formado numa Academia Militar da ex-URRS, e caído em desgraça fruto duma cabala montada contra si e ordenada por uma invisível ordem superior.
A nossa personagem principal, militar profissional treinado para combater e, eventualmente, morrer pela pátria, homem ligado à elite militar, acaba transfigurado, num ápice, em roboteiro que se apaixona por uma prostituta, a Ricarda. É, portanto, também uma história de amor, que se reparte em 16 capítulos (duas partes) espalhados em 134 páginas.
Mas retenho-me ao que o ex-comandante se tornou enquanto atravessava o deserto: um roboteiro, termo utilizado para designar aqueles cidadãos que carregam mercadorias nos e para os mercados formais e informais, armazéns, casas dos clientes e afins, nas cabeças ou em carros de mão.
O autor deixa em segundo plano o facto de a personagem ter sido oficial do exército, de ter acabado como professor, e promove não só a sua actividade laboral como fundamental para a compreensão da obra, como é nesse período em que deixa transbordar o intelectual que havia em si. Com toda a carga pejorativa que este adjectivo/substantivo (roboteiro) transporta, não serão, em essência, roboteiros muitos intelectuais? E o inverso?
Mas, há aqui um conjunto de coincidências que não podem passar despercebidas. Comecemos pelas que existem entre o autor e a personagem principal. Da mesma faixa etária, ambos ex-militares, ambos amantes da leitura, ambos naturais de cidades que só diferem no nome.
Donaldo Schuler, em “Teoria do romance”, refere que “a arte romanesca se distancia da realidade para ver melhor, mesmo que o afastamento abra abismos” .
Essa relação binária entre autor e personagem permite-me especular que os monólogos do narrador ao longo da obra são, no fundo, passeios ao íntimo refúgio do autor:
“Como a vida seria boa e fácil se fosse apenas sono e sonho? A realidade seria virtual e aleatória”.
“É uma pena que a grande maioria dos cidadãos não saiba ler ou, mesmo sabendo, não tenha hábitos de leitura. Não haja dúvida que a literatura é uma das melhores formas de tomada de consciência de uma Nação”.
Aliás, Catherine Millot, em entrevista conduzida por Betty Milan e reproduzida no livro “A força da palavra”, refere que “o escritor vive uma determinada experiência que poderia ser qualificada de mística, se ela não acontecesse num contexto exterior ao da religião, a experiência de algo enigmático, que o sujeito procura decifrar escrevendo”.
Lévi Strauss acaba sendo mais profundo na sua análise, ao considerar que o autor escreve para preencher o vazio de um desejo de satisfação espiritual, “tanto que a maioria deles ganha dinheiro com outra profissão. A arte, em geral, tem o sentido simbólico do prazer, e isso é individual, por isso o apelo da arte é para a solidão, para o individualismo” .
Gostaria de lembrar que mesmo entre a incomum imagem local deformada pode sempre haver pontos de convergência. Ou seja, os vários leitores deste livro, trazendo experiências diferenciadas, podem encontrar elos comuns, isso porque o conhecimento adquirido individualmente, mas numa comunidade, se torna património colectivo, memória e consciência colectiva.
No caso concreto da literatura, há um elemento denominado invariante, uma modalidade essencial através da qual a literatura participa da universalidade e o meio pelo qual ela reveste todos seus elementos comuns de uma significação universal.
Quando Claude Lévi-Strauss se refere ao conceito de invariante é para vigiar a base, de carácter binário, de sustentação da estrutura, pois a invariante gera novas imagens deformadas, no fundo variáveis comuns de uma significação universal, mas que permitem uma percepção local.
Imaginemos que o narrador queira nos propor uma história que actue no imaginário da consciência colectiva para propor soluções sobre conflitos reais.
No caso de “O último recuo”, o invariante, para nós leitores angolanos, provavelmente nos conduzirá ao récem-terminado conflito armado. Mas, mesmo perante este invariante, a experiência de cada um de nós nos levará às imagens locais deformadas. Assim, uns poderão pensar em ente-queridos, outros em bens móveis ou imóveis perdidos e outros ainda em sonhos ou projectos de vida desfeitos.
O autor cria a amargura no coração do leitor, mas oferece um projecto que poderá trazer mudanças. E é Manecas Ladeira, um mutilado, um sindicalista, um professor, um ex-militar, quem trás a novidade para a mudança, com um livro, descrevendo 3 revoluções que terão abalado o seu país.
O livro de Manecas Ladeira é, na realidade, o retrato do “O último recuo”, recuando no tempo e na história, narrando o estado caótico em que o país da ficção se encontrava.
E a pergunta do João Segura na página 129, que é a do autor provavelmente e que é a dos leitores, acaba por ser contagiante:
“- E o livro fica por aí, acaba assim?... (descrevendo as revoluções) Não aponta saídas?”
Contudo, e voltando ao conceito de consciência colectiva, um outro invariante que poderá emergir do texto é o da crença colectiva por uma bonança no pós tempestade.
A ideia de consciência colectiva, de Émile Durkheim, pressupõe a soma de crenças e sentimentos comuns à média dos membros da comunidade, formando um sistema autónomo, isto é, uma realidade distinta que persiste no tempo e une as gerações .
Portanto, os factos sociais narrados em “O último recuo” demonstram que a consciência colectiva anula a consciência individual e se contrapõe à consciência de classe, esta que privilegia as diferenças existentes entre a própria situação de classe e a de outro indivíduo ou indivíduos.
Com a consciência colectiva, nada depende de um indivíduo. Tudo depende de um todo.
“O último recuo” é, a meu ver, um olhar ao passado para melhor avançarmos para o futuro e alimenta os átomos individuais duma consciência colectiva que este país precisa de inventar, de regar e de colher.
Como disse, essa é a minha leitura.
Boa leitura.


Bibliografia

CORI, Isaquiel. O último recuo. Colecção Nzadi / Mayamba, Luanda, 2010.
Durkheim, Émile. Da divisão do trabalho social. Editora Martins Fontes, São Paulo, 2008.
MILAN, Betty. A força da palavra. Editora Record. Rio de Janeiro, 1996.
SCHULER, Donaldo. Teoria do romance. Editora ática, São Paulo, 2000.
.........................
NOTA: Texto de apresentação do romance "O Último Recuo", de Isaquiel Cori, lido no dia 19 de Maio de 2010, na sede da União dos Escritores Angolanos, em Luanda.






*António Quino é docente de Língua Portuguesa no ISCED. Para quem o quiser contactar, eis os seus contactos:
Departamento de Língua Portuguesa
Instituto Superior de Ciencias da Educaçao de Luanda
Caixa Postal N. 10609 ou 16117
Telef: 222 401 311 / 923311453 / 912050293

Luanda/Angola

As fotos aqui publicadas foram tomadas de www.nguimbangola.blogspot.com

terça-feira, 6 de julho de 2010

ESTÁDIO 11 DE NOVEMBRO ÀS ESCURAS ADIA ENTRADA DO BAIRRO DA SAPÚ 2 NO SÉCULO XXI

Isaquiel Cori

Morador que sou do bairro situado nas imediações do Estádio Nacional 11 de Novembro, em Luanda, esta catedral do futebol inaugurada aquando do Campeonato Africano de Futebol 2010, vivo momentos de desilusão. O estádio era um oásis de luz no meio da escuridão profunda em que vivemos na Sapú 2. De bem longe, bem de longe, o morador quando se aproximasse do seu bairro, através da auto-estrada, depois de uma jornada de trabalho, guiava-se pela luz emitida pelo estádio e que subia para o céu.
No meio da escuridão em que vivemos na Sapú 2, o grande estádio e a sua luz eram vistos, com esperança, como símbolos do que não tínhamos e que ansiávamos ardentemente: a electricidade da rede pública e tudo o que ela propicia em matéria de comodidade, progresso e modernidade.
O estádio 11 de Novembro era o farol, o grande sinal de que, até pela proximidade, o século XXI estava às nossas portas, pois é inconcebível estar plenamente no século XXI sem desfrutar da luz eléctrica. E sem ter água ao domicílio.
É assim que vivemos na Sapú 2, um bairro construído de raiz pelo Estado, há cerca de cinco anos: sem luz e sem água ao domicílio. O estádio 11 de Novembro e a sua proximidade eram a nossa grande esperança, talvez “quem de direito” se lembrasse de que a moderna infra-estrutura não poderia coexistir com um bairro sem luz e água ao domicílio, pois, não já pela dignidade dos moradores, seria uma vergonha diante dos estrangeiros que fossem ver os jogos e passassem pelo bairro.
Agora, depois do CAN, a nossa esperança apagou-se! A luz que se propagava para o céu a partir do grande estádio, do estádio do século XXI, desapareceu. O estádio, ninguém sabe se contaminado pelo nosso bairro escuro, caiu na mais completa escuridão. E os acessos ao estádio que antes também eram caminhos de luz e iluminavam as nossas ânsias de entrar no século XXI, ficaram igualmente escuros. E nós, os da Sapú 2, perdemos o nosso farol! Perdemos o nosso oásis de luz e modernidade! Apagou-se a nossa esperança de finalmente desfrutarmos das “benesses” da cidadania do século XXI.

terça-feira, 29 de junho de 2010

Comunidade de leitores ou a cultura que se cultiva

Isaquiel Cori

Numa ida recente a pelo menos três livrarias da cidade de Luanda, em conversa com livreiros, constatei que são muitas as pessoas que aparecem para comprar livros. “Elas são sobretudo jovens. Entram, circulam entre as estantes, seguram os livros, vacilam, analisam os preços, e, sempre hesitantes, acabam finalmente por dirigir-se ao caixa com um ou dois livros ou então abandonam a livraria de mãos a abanar, entre o frustrado e o envergonhado”, disse um dos meus interlocutores.

O Jardim do Livro Infantil, que terminou no último Domingo em Luanda, deu mais uma prova de que há sim muita gente interessada no livro e na leitura. Em três dias, segundo a agência de notícias ANGOP, compareceram ao evento mais de 12 mil pessoas. É muito? É pouco? É encorajador.
Existe sim uma comunidade de leitores em Luanda. São pessoas que amam a leitura, a incluem entre os seus principais hobbies e procuram inculcá-la aos seus filhos.
Mas essa comunidade de leitores anda à deriva. São pessoas que sacrificam os seus orçamentos para ter um livro e vasculham as livrarias em busca de um título mais acessível. As feiras do livro e da leitura que ocasionalmente vão ocorrendo, até pelo facto de, na generalidade, nelas os livros serem vendidos com descontos, constituem verdadeiros nichos num mercado a todos os títulos inflaccionado.
É minha opinião que nessa cadeia que vai do livro ao leitor e à leitura, começando naturalmente pelo autor, há um factor que entre nós se apresenta bastante deficitário: os veículos da difusão do livro e do fenómeno literário em geral. Refiro-me, concretamente, à comunicação social.
A comunicação social angolana, como é sabido, dedica pouco espaço a matérias culturais. E esse espaço já de si escasso é geralmente ocupado pela simples narração de eventos: aconteceu ou vai acontecer assado e cozido. Raramente se vai à profundidade e à explicação dos factos.
Em se tratando do livro, os leitores precisam de ser orientados. À falta de uma crítica académica ou profissional, bem que a comunicação social poderia cumprir essa “missão”, fazendo e publicando pequenas recensões críticas e pré-publicando excertos de livros. Entrevistas sérias aos autores, baseadas numa leitura prévia do livro a publicar, ou recentemente publicado, também se tornam indispensáveis.
Chegados aqui, põe-se a questão dos editores de livros. As casas editoras deviam ser mais activas na sua relação com a comunicação social, estabelecendo relações directas e dinâmicas com as editorias culturais, que passariam pela entrega prévia de exemplares do título a lançar.

Insuficiências da media

Enquanto autor e profissional da comunicação social, reconheço que a classe também enferma de um grande défice de hábitos de leitura. E entre ler um livro e ter a capacidade de o resumir e o analisar em texto, por mais ligeiro que seja, vai uma grande distância.
Enfim, é um problema próprio de um país jovem, que apesar de ter trinta e cinco anos de independência, verdadeiramente só a está a desfrutar na plenitude há oito anos. Enquanto as universidades não colocarem no mercado profissionais da comunicação social que encarnem o seu papel de intelectuais e de agentes activos da cadeia de elaboração e difusão do saber, as coisas hão-de continuar como estão.
Até lá, há que estimular os poucos profissionais capazes no interior dos órgãos a ler e a escrever sobre o que lêem. A terem uma atitude intelectualmente activa, crítica, de desassossego. O jornalismo de opinião deve transcender a política e abarcar e penetrar o fenómeno cultural e literário.
Então, haja vontade e cultura. E lembremo-nos: a cultura cultiva-se.

domingo, 20 de junho de 2010

Entre nós existe sim uma comunidade de leitores

Há dias recebi um email de alguém que me dizia que adquirira o meu livro "O Último Recuo" e tecia toda uma série de considerações a respeito e a propósito do mesmo. A profundidade de tais considerações não deixavam dúvida: a pessoa em causa lera e talvez relera o livro.
Manifestações como esta fazem valer a pena a persistência no exercício da escrita e aumentam em nós a fé de que em Angola existe sim uma comunidade de leitores e que tudo deve ser feito para que o livro chegue às mãos desses leitores a preços acessíveis.
Na senda do que escrevi neste blogue, no texto "A crise da literatura angolana", vou postar nos próximos dias um texto sobre aquilo que se pode fazer para encurtar a distância entre autores e leitores e aumentar a comunidade de leitores da literatura angolana, e não só.
Isaquiel Cori