domingo, 12 de outubro de 2008

A CONSAGRAÇÃO DO SILÊNCIO INSTITUCIONAL


As fontes oficiais, os cidadãos que estão investidos de cargos públicos, notadamente governamentais, tendem a fechar-se em copas


Isaquiel Cori



A cultura de Angola, em particular, e de África, em geral, é substancialmente marcada pelo culto do autoritarismo. O autoritarismo, entendido como a ascendência, a supremacia indiscutível do chefe, do mais velho, que também se apresenta como depositário de um saber que emana dos antepassados, está nos interstícios da nossa vida, atravessa toda a nossa sociedade. Trata-se de um autoritarismo que não se impõe pela força, na medida em que é aceite por todos e é uma realidade cultural.

O representante típico dessa forma de autoritarismo é o soba. Na aldeia o soba é o senhor da comunidade. A figura do soba retém muito da autoridade própria das monarquias feudais, de que emana, com tudo de arcaico que isso possa significar.
É, efectivamente, um problema cultural. O chefe, ou melhor, a ideia e a imagem do chefe enchem a cabeça dos subordinados de tal forma que estes vivem a tentar agradá-lo e a sondar o que ele, o chefe, estará a pensar. O desejo de qualquer subordinado, neste contexto, é receber um olhar ou uma palavra de atenção. Um olhar ou uma palavra de atenção do chefe têm o efeito de um reconhecimento explícito. Uma palavra, uma frase, pronunciada pelo chefe, é encarada como um oráculo e os subordinados tentam, com denodo, decifrar a “verdade profunda” de cada um dos pronunciamentos do chefe.
Lá vão poucos anos que, em conversa informal com jornalistas, um destacado ministro do anterior Governo, questionado sobre o seu futuro depois de terminada a função que ocupava, foi mais do que enfático e liminarmente preciso: “Nós estamos em África. E em África as coisas processam-se como numa aldeia. Na aldeia quem manda é o soba. O que o soba diz é o que todos devem fazer”.
Esta é a concepção, na simplicidade com que foi expressa, de poder em África.
Ora, na cerimónia de empossamento dos novos membros do Governo, o Presidente da República, José Eduardo dos Santos, detentor do poder constitucional que lhe assiste, mas também, e acima de tudo, do poder simbólico que emana da realidade histórica, cultural e espiritual africana, disse, a dado momento, numa passagem esclarecedora do seu discurso: “Diz-se que é conversando que os homens se entendem. Mas aqui no Governo penso que é trabalhando bem, com dedicação e disciplina, que todos se entendem. Sei que é um homem [Referia-se ao novo Primeiro Ministro, Paulo Kassoma] de acção e é só isso que de nós se espera - acção, mais trabalho e menos discursos!”
Estas palavras repercutiram de tal modo nos destinatários das mesmas que a comunicação social, nomeadamente os jornalistas, passaram logo a sentir os seus efeitos: as fontes oficiais, os cidadãos que estão investidos de cargos públicos, notadamente governamentais, tendem a fechar-se em copas. O lema, dizem, é “menos palavras, mais trabalho”. Enfim, é a consagração da cultura do silêncio institucional.