segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Escritor João Tala: “Conto os meus mortos e revejo as cicatrizes”


 


O poeta e ficcionista João Tala lançou, recentemente, na União dos Escritores Angolanos, o livro de contos “Rosas & Munhungo”. Tala é autor dos livros “A Forma dos Desejos”, poesia, prémio Primeiro Livro da UEA, 1997, “O Gasto da Semente”, poesia, menção honrosa do Prémio Sagrada Esperança do INALD, 2000, “A forma dos Desejos II”, Chá de Caxinde, 2003, “Lugar Assim”, poesia, UEA, 2004, “Os Dias e os Tumultos”, contos, Grande Prémio de Ficção da UEA, 2004, “A Vitória é Uma Ilusão de Filósofos e de Loucos”, Grande Prémio de Poesia da UEA,  2005, “Surreambulando”, contos, UEA, 2007, e “Forno Feminino”, poesia, Kilombelombe, 2009.

Isaquiel Cori

Vida Cultural - Cada conto refere-se a uma mulher. São curtas mas grandes estórias de amor. Amores vividos ou sonhados?
João Tala - As personagens principais dos contos em Rosas & Munhungo  são mulheres distintas que vivem diversas situações, ou são reconhecidas num cenário do pós-guerra imediato. Um traço comum entre essas mulheres é a superação de traumas e outros estados psicológicos daí decorrentes, pelo amor. A característica estilística tem uma grande carga onírica onde o real vivido se revê na composição do sonho.
VC - O título "Rosas & Munhungo" sugere amor e boemia. Quer comentar?
JT - Rosas, como sendo flores, é simbologia feminina, portanto, associada à mulher. Essas personagens, a maioria delas, adaptaram-se a ambientes que lhes eram hostis, ou então a carência cede-lhes o argumento para “ir à rua”. Daí a expressão kimbundo munhungo que é sinónimo de libertinagem, num sentido mais ousado da boemia.
VC - A proveniência médica do autor está muito presente pelo uso notório de termos do jargão médico. Este uso é propositado ou decorre, digamos, de deformação profissional?
JT - Deformação profissional e porque a personagem representa gente. A essência da medicina são as pessoas.
VC - No estrito sentido do texto pressentem-se algumas ressonâncias intertextuais que fazem lembrar o argentino Jorge Luis Borges, o moçambicano Mia Couto, o angolano Boaventura Cardoso e mais remotamente o também angolano Luandino Vieira. Assume essas influências?
JT - Leio muitos escritores. Mas, no interesse da minha escrita, são os latino-americanos que mais me inspiram. Começou, esse interesse, com a leitura da colecção “Vozes da América Latina” que o nosso INALD dava à estampa nos primórdios de 80 do século passado, principalmente quando li “Pedro Páramo”, de Juan Rulfo. Seguiram-se depois “O Trovão entre Folhas”, de Roa Bastos, os livros de Gabriel Garcia Marques, entre outros. Do Boaventura Cardoso fascinou-me mais “A Morte do Velho Kipacaça”. Já Luandino Vieira e Mia Couto, salvas as diferenças, parecem enquadrados dentro da mesma dinâmica de reinvenção que a mim fascina, mas não creio que perceba na minha escrita esse modo de conceber o texto. Borges é uma leitura mais recente.
VC - Desde “A Forma dos Desejos I” a mulher tem um lugar muito especial nas suas obras. É seu propósito constante homenagear a mulher? As mulheres tiveram ou têm um papel determinante na sua vida?
JT - Esclarecer sobre isto seria mais do domínio da psicanálise, já que é quase uma constante também na minha poesia. Evidentemente, não vou passar o filme da minha infância e flagrar o papel delas no meu “esquecimento”. Fica para depois.
VC - O contar recorrente de estórias e histórias humanas do tempo da guerra faz parte dos seus livros? Acredita que isso faz falta à reconciliação nacional?
JT - Não o faço pela reconciliação. Faço-o pelo hábito de contar. O militar que conte os cartuchos e o que ainda resta para esmagar. Eu conto os meus mortos, revejo as cicatrizes, teço sonhos, amo e amargo-me. Não fui voluntário quando um dia me cangaram para a tropa onde eu conviviria mais de perto com a guerra. Isso assim, é também matéria para poesia. Escrevo sobre aquilo que vivi e o que me está mais próximo é a guerra. Se analisar bem, saberá que só falta aos políticos reconciliarem-se e deixarem de arrastar os militantes dos partidos nas suas paranóias. De resto, nem a Bíblia reconciliaria. Por exemplo, não acredito que o malanjino não se dê bem com um bieno ou que um bakongo seja inimigo de um umbundo. Só entre militantes de uns e de outros é que se destilam ódios. É maka deles, os políticos.
VC – Sendo um dos autores mais premiados no país, a sua obra não deveria ter uma maior divulgação em Angola e no estrangeiro?
JT - Para tal, falta ao João Tala a cunha. Dizem que isso se faz com a imprensa e com agregação a grupos privilegiados. São coisas de acontecer.
VC - O que o faz escrever? O que o move enquanto escritor?
JT - A leitura. Eu leio mais do que escrevo e isso me inspira, insufla no meu cérebro imagens que persigo no acto da escrita. Depois há o hábito de contar, há a beleza da poesia.
VC - Na qualidade de poeta, que avaliação faz do legado poético de Agostinho Neto?
JT - Posta a pergunta em termos de “legado” fica difícil responder. Agostinho Neto concebeu belas criações poéticas, com um simbolismo que se remetia aos conteúdos da sua época, com plena satisfação estética. No seu tempo o neo-realismo fazia escola com preocupações que tinham no centro a vida simples dos homens mais simples. E no seu caso, a sua terra então colonizada e oprimida, estava no centro das suas inquietações.
VC - A literatura angolana está robusta? Vê nela sinais de renovação?
JT - A geração à qual pertenço, iniciou nos anos 80 uma movimentação que daria em fartos acontecimentos literários. Essa inspiração colectivista, depois que o tempo fez a sua natural selecção, permite hoje distinguir a maturidade dos que jamais se despojaram do interesse pelo estudo e trabalho. Sim, essa literatura está mais robusta. Quanto aos sintomas de renovação ou inovação costumam estar mais associados ao desempenho universal da literatura. Somos apenas peças dessa grande engrenagem, cada um contribuindo para o produto final. Só o génio é outra coisa.


OBS: ESTA ENTREVISTA FOI ORIGINARIAMENTE PUBLICADA NO SUPLEMENTO VIDA CULTURAL DO JORNAL DE ANGOLA, EDIÇÃO DE 09 DE OUTUBRO DE 2011.







quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Moçambique: UM PAÍS DE POESIA

Já foi publicada a antologia da nova poesia moçambicana - POETAS DE MOÇAMBIQUE - na nova edição da Revista Zunai, com seleção e organização de Amosse Mucavele (Movimento Kuphaluxa), nota introdutória de Ricardo Riso e poemas de Tânia Tomé, Sangare Okapi, Ruy Ligeiro, Emmy Xyx - Manuela Xavier, Manecas Cândido, Helder Faife, Dinis Muhai, Andes Chivangue, Celso Manguana, Amin Nordine e Mbate Pedro.
Segue o link para a antologia POETAS DE MOÇAMBIQUE:
http://www.revistazunai.com/poemas/index.htm
Abaixo reproduzo a introdução que que Ricardo Riso fez para a antologia.



Ricardo Riso

25 de julho de 2011.http://www.revistazunai.com/poemas/ricardo_riso_introducao.htm


Em boa hora chega para o público brasileiro esta antologia de poesia moçambicana organizada por este jovem guerreiro das letras chamado Amosse Mucavele, que esse novo canal de comunicação, a internet, e o amor pela literatura fizeram o prazer de nos apresentar.
Com pouco mais de cem anos, a poesia moçambicana pode se orgulhar de sua trajetória vigorosa escorada em nomes que se consagraram através de uma lírica contundente e crítica do triste passado colonial, tais como de Noémia de Sousa, Rui Knopfli e José Craveirinha, e mais recentemente Mia Couto, sem dúvida, um dos principais escritores do universo lusófono. Dentre tantos outros poetas que poderia citar, estes quatro são dignos representantes do consolidado sistema literário moçambicano e de reconhecimento entre os amantes da poesia em língua portuguesa.
Entretanto, a poesia moçambicana carece de maior disseminação entre nós, ainda mais quando se trata de agentes contemporâneos, pois por aqui temos apenas Paulina Chiziane, Nelson Saúte, Eduardo White e Luís Carlos Patraquim. Estes, já com alguma fortuna crítica em nossas universidades, porém restritos ao mundo acadêmico apesar dos dois primeiros possuírem títulos publicados no país. Por isso, a pertinência dos nomes selecionados por Amosse Mucavele para oferecer um panorama, ainda que breve, da poesia moçambicana contemporânea.
O leitor perceberá que um macrotema é desenvolvido com frequência pelos poetas aqui reunidos: o país, assim como as implicações do destino que tomou com a independência e de como a população absorveu irrealizações dos sonhos da revolução. Enquanto para José Craveirinha a noção de pertencimento à terra vinculava-se ao direito legítimo e incondicional da pátria livre do jugo colonial, basta lembrar o “Poema do futuro cidadão” e seus versos, “Homem qualquer/ cidadão de uma Nação que ainda não existe”, lemos em Celso Manguana o desencanto da contemporaneidade, “A nenhuma/ cidadania/ pertenço”, de um país à mercê da corrupção e da submissão ao neoliberalismo imposto pelos países desenvolvidos, situação de indignação do poeta por essa “pátria que me pariu”. O canto sofrido desse poeta revela-se na grave crise que assola famílias, “Dividida a pátria/ entre o coração/ e o estômago”, e recorre à intertextualidade ao livro de Nelson Saúte, “A pátria dividida” (1993), para demonstrar a inércia do quadro socioeconômico da nação desde o fim da guerra de desestabilização em 1992. Um país dilacerado entregue a esses jovens como demonstra Manecas Cândido: “Logo que nasci/ deram-me presentes/ de pobreza e um país/ de angústias”.
Refletir poeticamente sobre o país é recorrente na poesia moçambicana. A intertextualidade com esse macrotema vem desde Rui Knopfli e o clássico “O País dos Outros”, no final dos anos 1980 Eduardo White lança “País de Mim”, já Ruy Ligeiro publica “O País de Medo” (2003) sinalizando para as incertezas que dominam o moçambicano na atualidade. Novamente, a referência ao Velho Cravo se apresenta em Ruy Ligeiro: “volto a um país que não existe/ senão quando o habito/ entre abutres de sonhos/ que vêm enovelados/ em galerias de medo”.
Sonhos dilacerados por uma elite corrupta são mostrados pelo olhar ácido aos desvios éticos e políticos de Amin Nordine: “Um a outro os sabores desejados/ Com muitas regalias ministrados/ Banqueiros de banquete obsequiados/ Milhentas vezes da colheita graúda/ Cintilar grandes pratos arrojados;/ Melhorem o celeiro da fome aguda/ Ou vire trigo o grito nos acuda/ Em nome da plebe implorar ajuda”. Descaso e descaminhos que geram a indecisão dessa geração, Mbate Pedro desvela o seu medo diante da amargura de seus pares, “a geografia dos meus medos/ é limitada (em toda a sua extensão)/ pela angústia do meu povo”, enquanto Sangare Okapi desnuda o seu interior em conflito: “há um pequeno país/ no meu país:/ chama-se angústia”.
Entretanto, nem só de críticas ao país versam os poetas como o leitor poderá verificar em “Meu Moçambique” de Tânia Tomé. Neste, tal como em “Hino à minha terra” de José Craveirinha, a celebração ao país se apresenta e assim canta Tomé, “Eu sei Moçambique,/ no cume das árvores, na sede incontinente/ da minha falange, Rovuma ao Incomati,/ no xigubo terrestre dos pés descalços/ e em todos tambores que surdem/ das mãos coloridas nos braços em chaga”.
Concentrei-me na maneira como os poetas contemporâneos pensam poeticamente a nação moçambicana, mas outros temas e vertentes literárias são trabalhados pelos poetas desta antologia. Vale ressalta o simbolismo corrosivo repleto de metapoética e erotismo de Andes Chivangue, nome que merece maior visibilidade, assim como a maneira como Sangare Okapi e Mbate Pedro trabalham o lirismo erótico e a metapoética. Estas características também estão nos poemas de Tânia Tomé, Dinis Muhai, Manecas Cândido, para além do intimismo e das metáforas inusitadas e bem construídas de Helder Faifer e Manuela Xavier (Emmy Xyx).
Para finalizar, parabenizo a revista Zunai por esta bela iniciativa ao abrir espaço para os novos agentes deste país de poesia, tão perto e tão distante de nós, Moçambique.


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