quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Manuel Rui Monteiro criador da letra do Hino Nacional enfatiza “clima de convicções” reinante aquando da proclamação da independência

Autor, a par do músico Rui Mingas, do Hino Nacional da República de Angola, Manuel Rui é, hoje, um homem inteiramente dedicado a criação literária e à advocacia. Entretanto já exerceu vários cargos políticos e académicos: foi director-geral da Informação e ministro da Informação no Governo de Transição para a independência; ocupou posteriormente outros cargos, incluindo os de director da Faculdade de Letras do Lubango e do Instituto Superior de Ciências da Educação (ISCED); foi também professor universitário. Na breve (e possível) entrevista que se segue, feita através da troca de vários e-mails, Manuel Rui fala das circunstâncias em que surgiu o actual Hino Nacional, num clima, afirma ele, “pleno de convicções”, apesar da “extrema tensão” e dos bombardeamentos. Por outro lado, lançando um olhar sobre o tempo transcorrido desde 1975, o escritor afirma que “o desenvolvimento macro nem sempre se inscreve na diminuição da desigualdade que parece cada vez maior entre ricos e pobres”. Pelo que, aduz, “há que inventar mudanças que beneficiem a todos”.

Isaquiel Cori

Jornal de Angola - Em que circunstância concreta foi criada a letra do Hino Nacional, por muitos considerada uma das mais perenes e bonitas do Mundo?
Manuel Rui - Em circunstâncias de extrema tensão, os bombardeamentos, a hipótese de, em ultima análise e se os blindados entrassem em Luanda, recorrer-se à guerrilha urbana mesmo com coktails artesanais, mas também num clima pleno de convicções.
JA - Como é que Manuel Rui é convidado a escrever o Hino?
MR - ... A estória e a história é que houve um concurso com aquelas regras todas dos envelopes com os pseudónimos, etc. O concurso foi dirigido pela dra. Paulette Lopes que vocês deviam ouvir e outras que funcionavam no Ministério da Informação. Levadas as cassetes ao Comité Central alargado, foi escolhido um hino que seria da autoria de um jovem, mas mesmo assim sob reserva e logo se decidiu, que Rui Mingas e eu fizéssemos outro. No entanto ocorreu que tivera havido uma troca involuntária de envelopes e o tal hino era de autoria de duas pessoas consideradas pessoas não gratas, ex-colaboradores disto ou daquilo, eu havia saído do Huambo para estudar em Portugal e mal conhecia Luanda e suas makas. Então deixou-se de pensar em alternativa mas numa necessidade imediata de Rui Mingas e eu fazermos o hino.
JA - Quem os convidou?
MR - Bem, não foi um convite, foi o cumprimento de uma decisão.
JA - É verdade que a criação literária, para ser feliz (conseguida) deve nutrir-se de circunstâncias de crise?
MR - Nem sempre. Tudo depende do empenho, do talento e do estado de espírito.
JA - Qual é o seu sentimento, hoje, em relação ao Hino Nacional, quando o ouve (ou canta)?
MR - De algo que não me pertence, principalmente, quando é cantado no basquete e no futebol e a selecção ganha. Choro de alegria.
JA - Hipoteticamente, se ainda não tivesse escrito o Hino em 1975 e o convidassem hoje, em 2007, para escrevê-lo, consideraria a possibilidade de o fazer?
MR - Talvez não.
JA - Eventualmente provocatório: alguma vez pensou em pedir direitos de autor pelo Hino Nacional?
MR - Não, nem às enciclopédias que o publicam em cê-dês. Essas coisas não se pedem. Recebem-se quando nos dão. É como os carros e casas que de vez em quando aqui se oferecem... a mim nem um farolim nem um tijolo.
JA - O que lhe vem à memória quando se lembra do momento exacto da proclamação da independência, no Largo 1º de Maio?
MR - Um rol de ingenuidades que nos fez sonhar e valeu a pena, apesar dos pesares.
JA - A escrita de Manuel Rui é considerada um dos paradigmas da angolanidade literária. Acredita que os 32 anos de independência tornaram os angolanos mais angolanos?
MR - Acho que só há angolanos angolanos e a questão da identidade é uma questão de cada pessoa. Cada um é que sabe porque é que se sente angolano.
JA - O crescimento económico, as amplas perspectivas de reconstrução nacional e de desenvolvimento económico, a avalanche de investimento estrangeiro, e não só, colocam Angola diante da oportunidade histórica de dar um conteúdo económico e social à independência, ou colocam-na diante do risco de perder-se no dinamismo da globalização?
MR - O desenvolvimento macro nem sempre se inscreve na diminuição da desigualdade que parece cada vez maior entre ricos e pobres. Há que inventar mudanças que beneficiem a todos e também a globalização é um novo perigo, como um pacote de dogmas que não se conhece mas se apregoa... foi assim com o socialismo científico.
JA – Que pressupostos teria essa “invenção” de mudanças? Acha que as soluções teóricas (doutrinárias) actualmente existentes não resolvem o problema da desigualdade social? Há que ter a ousadia de “inventar” novas utopias?
MR – Claro que não resolvem. E o problema não é inventar novas utopias, que as utopias nunca foram inventadas como a penicilina ou a pólvora, mas foram e continuam a ser intoleradas como a impermissibilidade do sonho, de Júlio Verne, ou o sonho lunar e quando em prática, nas revoluções vitoriosas, não as deixam florir ou, de repente, pela mão e voz dos seus autores, se transformam em novas tiranias, por cristalização do poder que não aceita a mudança e impede o pensamento negando aquilo porque se lutou que é a constante mudança, sendo certo que na sociedade, não mudar é morrer... e foi isso, mais ou menos que aconteceu com o comunismo que andávamos a copiar com "maus tradutores". Sempre hão-de aparecer novas teorias para resolver a desigualdade social. O capitalismo, mesmo travestido de neo-liberalismo que entra no circo com o "pseudónimo" de globalização, parece-me que, pela sua origem e postura actual, só fica bem na fotografia para se eternizar como aquele que quer matar a pobreza que criou, inventor das grandes invasões a países pobres, da definição do outro como ser naturalmente escravizado e definir-se como branco só depois de encontrar o negro... já com a "amnistia" das bombas atómicas e outras malfeitorias sempre com a Bíblia e a guerra santa contra os infiés. Vão aparecer pensadores e o mundo vai mudar e coisas vão cair... que já houve coisas que caíram, até sem aparente sentido de legitimidade humana, e que nunca ninguém poderia imaginar.
JA – Quanto à globalização, ela é incontornável… Quem não se adaptar a ela e procurar tirar proveito, corre o risco de ser marginalizado… Quer comentar?
MR – Não comento. Acho que abordei isso quando você me falou a pergunta anterior. Mas é certo que a globalização é acima de tudo excludente.
JA – Qual é a sua visão dos 32 anos de literatura angolana?
MR – Fica difícil responder a isso e que se reporta só à produção literária post-independência quando, até a "Sagrada" de Agostinho Neto é anterior e outras obras desde muito lá para trás. Esta matéria é mais para os críticos e académicos e espero que do Congresso do Rio de Janeiro, a partir do próximo dia vinte, em que deverei estar presente, os críticos e académicos possam apresentar e discutir novidades.
JA – Nesta fase do pós-guerra, de reconstrução do tecido económico e social do país, e de consolidação da democracia, que papel joga ou deveria jogar, a literatura?
MR - A literatura não joga nem deverá jogar, isto é, não deve nem deverá ser um instrumento. Claro que, no passado, ela esteve directa e intrinsecamente ligada à luta de libertação nacional. Neste momento, a literatura é, essencialmente, a arte da palavra escrita, sendo certo que anda alijada ... porque vende mais a revista "Playboy" do que um prémio Nobel. E eu paro de ler um livro para ver um bom jogo de futebol. Aqui íamos entrar num dos chavões das democracias ocidentais que é o das maiorias, mas não quero ir por aí, porque as maiorias estiveram nos inícios e a favor de muitos bandidos... e de Hitler e Salazar... então a maioria das pessoas serão imbecis ou haverá elites estúpidas que ditam o que é bom e o que é mau, será? Mas e aliás, a sua pergunta está cheia de vírus, a saber, pós-guerra, andam a comprar mais armamento, reconstrução do tecido económico e social do país, onde é que anda a Textang, consolidação da democracia, como é que vamos de betão armado... bem e papel higiénico?
JA – O novo momento político, social e económico que se vive em Angola estimula-o, particularmente, no capítulo da criatividade literária?
MR - Escrevo por mim e você não disse qual é o novo momento.