segunda-feira, 15 de setembro de 2008

MENDES DE CARVALHO / UANHENGA XITU: O PERFIL POSSÍVEL




Por: Isaquiel Cori

Agostinho André Mendes de Carvalho, ou melhor, Uanhenga Xitu, é inegavelmente um dos escritores angolanos de primeira linha. Pertence à geração de autores mais velhos ainda em actividade. É um dos mestres da literatura angolana. E ele faz jus a esse estatuto não apenas no domínio estrito da criação literária, em que os seus livros servem de inspiração e modelo a muitos neófitos da coisa literária, mas também no do activismo literário, transmitindo aos jovens a sua vasta experiência humana e até apadrinhando-os de modo quase incondicional.
Apesar de ter a sua obra estudada em várias universidades, sendo objecto de teses de mestrado e doutoramento, para além de possuir uma legião incomensurável de leitores fiéis em Angola e noutros países de língua portuguesa, Uanhenga Xitu nunca se assumiu como escritor. Prefere que o considerem apenas um “contador de estórias”.
Mas claro que ele é um escritor. Um escritor de estilo despojado de circunlóquios e floreados “literários”, dono de uma escrita que parece brotar directamente da fala popular. É como se essa escrita fosse tão somente a fixação dessa fala. Uanhenga Xitu, na sua própria concepção, será assim um griot, um desses emblemáticos bardos africanos depositários da memória colectiva.
Correndo o risco de sermos considerados apologistas de uma terminologia desfasada no tempo, diremos que Uanhenga Xitu é um “escritor popular”, cuja escrita simples é um perfeito passaporte para quem se queira iniciar no mundo da leitura. Aqui, é preciso ressaltar que em literatura, como aliás nas artes em geral, o simples não é necessariamente sinónimo de fácil. O mais fácil é escrever “difícil”, “complicado”.
Por detrás da aparente simplicidade da escrita de Uanhenga Xitu emergem figuras e ambientes que jamais tinham sido, tão claramente, realçados na literatura angolana. Na sua obra o quotidiano da vida rural, o “homem do mato”, o ambiente das sanzalas, em toda a sua singeleza e riqueza, são descritos de modo tão honesto e humanizante que se gravam, indelevelmente, na memória do leitor. Personagens como Mestre Tamoda, Kahitu e Manana, ultrapassaram os limites materiais dos livros em que foram concebidos e fazem já parte do imaginário de milhares de leitores angolanos e estrangeiros.
A abordagem rural da escrita de Uanhenga Xitu hoje, 33 anos depois da nossa independência, de liberdades constitucionalmente asseguradas ao cidadão logo à nascença, pode parecer aos olhos de leitores desavisados algo “normal” e “pouco importante”. Ela pode ser melhor compreendida se dissermos que Uanhenga Xitu pertence a uma geração de angolanos que foi submetida aos rigores do processo de assimilação cultural, pelo regime colonial. Esse processo visava, em última instância, que o autóctone negasse a sua própria cultura, a sua história, e adoptasse a cultura do colonizador.
É nesse contexto que se deve valorizar o feito de Uanhenga Xitu: constitui um acto de resistência, ou melhor, de libertação. (Lembre-se que tanto “Mestre Tamoda” como “Kahitu” foram escritos durante os anos em que o autor esteve preso, por actividades nacionalistas, no centro prisional do Tarrafal, na ilha de Santiago, em Cabo Verde).
Agostinho André Mendes de Carvalho, o homem, o político e também o escritor, já foram alvos de homenagens públicas, merecidas. É sempre bom quando um ente humano é testemunha das homenagens públicas e cerimoniais que lhe são prestadas. Mas o maior tributo que se pode prestar a um escritor é a reedição e a difusão dos seus livros.
Aos 84 anos de idade, Agostinho Mendes de Carvalho, a encarnação de Uanhenga Xitu, é um político angolano de referência. O MPLA tem tudo para se sentir orgulhoso de ter nas suas hostes um cidadão cuja dimensão é tão grande ao ponto de constituir-se numa das reservas morais da nação.

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