segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Pessoas que vivem com o HIV em Angola (1): "CONTINUO A ALIMENTAR SONHOS"

Educadora de infância, Marcelina Machado, 39 anos, separada, é portadora do HIV, tal como os dois filhos. Já chegou a estar doente, mas recuperou graças ao tratamento médico e ao acesso aos medicamentos, facilitado pela Acção Humana, que também lhe proporcionou ajuda psicológica. Ela usa a sua experiência pessoal ajudando outras pessoas a encarar e a aceitar o seu estado de seropositividade. E a procurar ajuda médica. Eis aqui o seu depoimento, na primeira pessoa.

“Soube do meu estado de seropositividade há quatro anos. Então vivia com o meu marido e um filho, que tinha três anos. A partir de certo momento o meu filho andava sempre doente. Como eu estava grávida, não o podia levar sempre às consultas. Era o meu marido que o fazia. Um dia o médico pediu-lhe para fazer o teste do HIV, juntamente com a criança, e ele chegou em casa todo embirrado. Até que uma vez, por uma simples coisa, chateou-se todo, pegou as suas coisas e foi-se embora de casa. Até hoje não sei se chegou a fazer ou não o teste.
Na altura vivia no Kassequel, na zona do Catinton. Assim que o meu marido me abandonou regressei à casa da minha mãe. Mas os meus filhos continuavam a adoecer muito.
Eu trabalhava. Sempre trabalhei. Sou educadora num lar de infância. No meu serviço tem médicos e enfermeiros. Passei a levar para lá o meu filho, para ser consultado. Como ele nunca melhorava, apesar da medicação, um dia o médico mandou que ele fizesse o teste do HIV. Deu positivo. Uma das enfermeiras contou às minhas colegas do serviço que o menino tinha HIV e que eu, como mãe, por ignorância, lhe estava a fazer sofrer. Alguém lá do serviço foi contar à minha família, alegando que o menino tinha Sida e eu já sabia. Toda a minha família veio contra mim. Deram-me 48 horas para abandonar a casa, porque senão, disseram-me, acabaria por contaminar outras pessoas. Por isso não poderia continuar no meio deles. Quando digo “a minha família” refiro-me à minha mãe e aos meus irmãos.
Tive de arrendar uma casa. A minha própria saúde também se foi debilitando. Eu estava muito em baixo, não sabia que rumo dar à minha vida. Foi nessa altura que, graças à Deus, através de uma pessoa amiga, descobri a Acção Humana. Se até hoje eu e os meus dois filhos estamos de pé é graças à Acção Humana, que nos recebeu e nos tem apoiado bastante. Já recebi ajuda em meios financeiros, bens alimentares e até em termos de renda de casa. Eu e os meus filhos temos acesso às consultas e aos medicamentos contra o HIV. Graças a Deus estamos bem.
A minha colaboração com a Acção Humana consiste em procurar pessoas com HIV e que não querem aceitar a sua condição de seropositividade. Converso com essas pessoas, aconselho-as a irem ao hospital, acompanho-as às consultas. Às grávidas aconselho a fazerem o teste, para que não lhes aconteça o que me aconteceu e possam beneficiar, se forem seropositivas, do corte da transmissão vertical, livrando assim os bebés da contaminação pelo HIV.
A minha vida, desde que colaboro com a Acção Humana, deu uma volta completa. Estou mais serena. Acredito na vida. Cheguei à conclusão que o HIV não é um bicho de sete cabeças, só é preciso saber lidar com ele. É preciso fazer os testes, a medicação, alimentar-se bem, levar uma vida sem vícios, nada de perder noites.
Aos que não são seropositivos aconselho a não ignorarem as pessoas que estão com o HIV. Os que hoje são seropositivos nunca contaram que um dia estariam nessa situação. Usem preservativos nas relações sexuais, seja com quem for. Não confiem na aparência saudável das pessoas.
A minha vida continua. E alimento sonhos. O grande sonho da minha vida é conseguir um lar e ver os meus filhos formados. É o meu grande sonho.”

2 comentários:

  1. Caro Cori, surgiu-me uma ideia ao ler este artigo. sei que devia contactá-lo via e-mail, que até tenho desde que me convidou a assistir ao lançamento do "Último Recuo". Mas resolvi fazê-lo de forma aberta, através de comentário.

    É assim, sou cordenador de um Boletim Informativo, educativo e cultural que se chama "A Voz do Olho", editado agora bimestralmente pela AJS (Associação Juvenil para a Solidariedade) pquena ONG angolana de que sou co-fundador. Nossas linhas são a promoção da cidadania, cultura e promoção da saúde pública. E neste quadro, este artigo enquadra-se. Se me permite, gostava de o publicar na próxima edição, coma devida salvaguarda da fonte. Se quiser, posso enviar-lhe a versão PDF da última edição para que possa ter uma ideia. Grato.

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  2. Caro Patissa, estou grato pela tua atenção. Faça como dizes na tua mensagem. Desejo sucessos para a AJS e, muito particularmente, para ti. Conheço alguma coisa do teu trabalho literário e manifesto aqui a admiração que tenho por ti.
    Um abraço.
    ICori

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