Ana Maria Gastão, que vive com o HIV, é uma mulher que encara as suas adversidades de frente, está sempre pronta a encontrar formas de as resolver ou contornar. “Desde que comecei a trabalhar na Acção Humana (AH) a minha vida mudou, melhorou muito. Passei a ir às consultas médicas e aos poucos fui recuperando a minha saúde”.
É ela própria quem caracteriza a sua vida antes de trabalhar para a AH: “a minha vida era um inferno. Ficava muito doente e não conseguia tomar conta dos meus filhos. Eles nem sequer conseguiam ir à escola”.
Na altura ela vivia, com os filhos, no bairro Praia do Bispo, em Luanda, na casa de um tio. “Eu não trabalhava, não fazia nada”, revela. “Os meus irmãos vivem na Lunda-Norte, na cidade do Dundo. Vim a Luanda porque a minha filha era muito doentinha. Mas depois eu própria comecei a adoecer. Já não regressei à Lunda-Norte. Estou em Luanda há seis anos”.
Ela encontrou na AH o amparo que necessitava para estabilizar e mesmo dar um novo rumo à sua vida. Para além do salário, recebe apoio em medicamentos para si e os filhos.
Sem subvalorizar o trabalho e o salário que recebe, Ana Gastão acredita que o que mais a compensa na AH é pôr a sua experiência de vida ao serviço das pessoas que vivem com o HIV e enfrentam, sem forças, o estigma, a discriminação e o abandono da sociedade, seja no local de trabalho, na vizinhança e, mais doloroso ainda, na própria família.
“Tento amparar e acompanhar pessoas que vivem com o HIV. Vou com elas aos hospitais, às maternidades”…
Ana Gastão conta com a sua experiência pessoal, alicerçada em métodos que ganhou ao longo desses anos todos, nas várias acções de formação em que teve o privilégio de participar sob os auspícios da AH. O seu método de trabalho baseia-se no pragmatismo. “O meu método de trabalho consiste em ir ao hospital e aproximar-me, conversando com as pessoas que, visivelmente, estão muito afectadas e abaladas pela doença. Quando ficam a saber do seu estado de infecção pelo HIV muitas pessoas põem-se a chorar, a gritar, a fazer escândalo. Têm dificuldade de encarar a sua nova realidade. Pergunto o que têm e acabo por dizer que eu própria vivo com o HIV. Assim cria-se uma maior confiança e abertura. Estabelece-se uma maior comunhão de interesses”.
Ana Gastão tem uma agenda, onde anota os compromissos com os seus assistidos. “Se tiver que levar alguém aos hospital, vou muito cedo à casa dela, apanhamos juntos o táxi. Nos casos em que o paciente não está em condições de andar pelos próprios pés, requisito uma viatura da AH”.
Ana Gastão acompanha todo o processo de consulta, a começar pelo contacto com as catalogadoras, na recepção do hospital. Os doentes mais graves fazem as consultas no Hospital Esperança.
Laços de amizade
Uma das coisas que mais deixam Ana Gastão gratificada e a fazem continuar o seu trabalho de activismo em prol dos portadores de HIV e doentes de Sida são os laços que se estabelecem com os assistidos. Mais do que solidariedade, são laços de amizade e amor. “Já tive vários casos que me marcaram muito. As pessoas quando recebem a nossa ajuda ficam bastante gratas. É uma gratidão pura, que vem do fundo do coração. É que nós surgimos na vida delas no momento em que elas mais precisam de ajuda, no momento em que elas estão mais debilitadas no corpo e na mente. Quando se encontram connosco, na rua, agradecem e apontam-nos a outras pessoas, dizendo que fomos nós que lhes salvámos”.
Actualmente Ana Gastão faz o acompanhamento de seis crianças e cinco adultos. “No caso das crianças, se a mãe estiver em crise, eu própria levo-a à consulta. Ou se a mãe estiver a sentir-se cansada, encorajo-a, dou-lhe forças para não se deixar abater. As crianças chamam-me tia ou mesmo mamã”.
Ana Maria Gastão considera o estigma como um grande problema, ainda por superar. “Há famílias que abandonam os seus doentes de Sida ou então, pura e simplesmente, não aceitam encarar a realidade da doença. É complicado”, desabafa.
Ana Maria Gastão é uma mulher expedita, expansiva, simpática, à vontade. Essa maneira de ser a ajudou a encarar e superar a fase menos boa da sua vida. “O trabalho do activismo deu-me uma nova inspiração para viver. Às vezes, quando dizemos aos nossos assistidos que também vivemos com o HIV eles não acreditam, ficam admirados com a nossa alegria de viver”.
E quando as pessoas lhe perguntam aonde, apesar da sua situação, vai buscar forças para continuar a encarar a vida pelo prisma das cores mais alegres, ela faz uso das seguintes palavras: “Digo a todas as pessoas portadoras do HIV que Deus é muito maravilhoso e ama-nos, e que é só tomar os medicamentos, tenho fé que Deus um dia vai mostrar uma cura para nós”.
Ela é crente, é religiosa praticante, mas do mesmo modo que acredita na força da palavra de Deus também acredita no poder da ciência, dos medicamentos. “Sou crente e rezo para o Bom Deus. Sou portadora e por enquanto não tenho necessidade de usar medicamentos. Usei-os na altura em que fiz o corte da transmissão vertical, quando estava grávida da minha filha. O meu CD4 está óptimo, não tenho nenhuma doença oportunista que me meta cansada. Sinto-me maravilhosa com o apoio e as informações que recebi. Sinto-me bem preparada para o trabalho que faço. Viva a saúde!”.
Da literatura à política, da música às artes plásticas, do sério ao cómico, do sagrado ao profano, do real ao ficcional, os nossos textos terão como substracto Angola, o país e as suas gentes. Queremos nos enriquecer com a experiência de quem divide connosco a existência neste Mundo de hoje, nesta época que nos coube viver. Simbolicamente, procuraremos estabelecer uma ponte com o passado e com aqueles que, não estando já vivos, deixaram um rasto de vida.
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