"Enquanto um homem não enfrentar um grande risco, a ruína ou morte por aquilo em que realmente acredita, jamais se sentirá forte e sempre fugirá"
Walt Sheldon, citado por Ross Pynn in "Ross Pynn Antologia Policial"
Da literatura à política, da música às artes plásticas, do sério ao cómico, do sagrado ao profano, do real ao ficcional, os nossos textos terão como substracto Angola, o país e as suas gentes. Queremos nos enriquecer com a experiência de quem divide connosco a existência neste Mundo de hoje, nesta época que nos coube viver. Simbolicamente, procuraremos estabelecer uma ponte com o passado e com aqueles que, não estando já vivos, deixaram um rasto de vida.
quarta-feira, 26 de agosto de 2009
domingo, 23 de agosto de 2009
Onça ataca agente da Polícia Nacional
Uma história real, vivida no Golungo Alto
ISAQUIEL CORI
António Jacinto, poeta de fina verve e dono de uma prosa de estilo intenso e arrebatador, em alguns momentos da sua obra narrou, com a imaginação que lhe era própria, aspectos da rica tradição oral da sua região natal, Golungo Alto. Lembram-se das fábulas de Sange? Ou ainda de marcos geográficos e toponímicos, presentes na sua obra, como Kiaposse e Cambondo?
Terra de agricultores e também de caçadores, Golungo Alto, para lá da realidade do dia a dia, também possui uma dimensão mítica que repousa na memória dos seus filhos (leia-se “Mário Pinto de Andrade – Uma Entrevista”, de Michel Laban) e no imaginário literário de escritores como o referido António Jacinto ou Manuel Pedro Pacavira.
Foi a partir do centro do quotidiano golunguense, num animado almoço em casa do administrador municipal “Toy Nené”, que de repente tivemos a percepção aguda e vivida da dimensão mítica de Golungo Alto e do quanto o mito na verdade pode traduzir e até mesmo confundir-se com a realidade, e vice-versa. Simpático e afável, “Toy Nené” contou a história real do agente Diogo Kimbango, que foi atacado por uma onça no dia 10 de Novembro de 2004.
Narrada pelo administrador municipal do Golungo Alto, a história reza assim: “Uma onça caiu numa armadilha montada pelo caçador Manuel Kimbango, pai do agente da Polícia Nacional Diogo Kimbango. O caçador depara-se com a inusitada presa e vai a correr chamar o filho. Este pega numa arma e, na companhia de outros familiares, dirige-se ao local da armadilha. A onça, entretanto, safara-se da armadilha e como que propositadamente monta uma emboscada aos caçadores. Deixa passar (atente-se ao verbo) todos os que iam desarmados e ataca precisamente Diogo Kimbango, o único armado. Atira o agente e a sua arma para bem longe e logo a seguir investe contra o pai, Manuel Kimbango. Corajosamente, Diogo, bastante ferido, arrasta-se até à arma e dispara três vezes contra o animal, que morre”.
Para dar mais realce à história e como que para acabar com quaisquer restos de dúvida, “Toy Nené” providencialmente saca de um conjunto de fotos onde aparecem Manuel e Diogo Kimbango, cheios de ferimentos e ligaduras, triunfalmente a guarnecerem o corpo sem vida da onça.
Curiosos, constatamos que na verdade essa história correra e dominara Golungo Alto inteiro, da Cêrca a Kilombo Kiaputo, e de Sange a Cambondo. E ainda da Cacanga a Cabinda do Golungo. Era evidente que tínhamos de conhecer os heróis da história. Infelizmente o agente Diogo Kimbango ausentara-se de Sange, a capital do município, mas conseguimos chegar à fala com o pai.
Manuel Kimbango é um homem franzino que logo à primeira vista chocou-nos por contrariar a imagem agigantada que dele idealizáramos. Na cabeça e no pescoço apresentava grosseiras cicatrizes, a prova do quão perto estivera da morte. Com mal escondido orgulho e de modo muito “saboroso” contou-nos a sua versão da história.
“Quando fui ver a armadilha encontrei lá o “homem”. Saí a correr e fui buscar o meu filho Diogo. O Diogo disse que ia buscar mais polícias no Comando. Eu regressei para o sítio da armadilha e vi que o “homem” continuava lá sentado. Voltei a sair ao encontro do meu filho, até que ele chegou, já armado. Fomos ter com o “homem” mas ele já não estava no mesmo sítio. Tinha se escondido debaixo de uma palmeira. O “homem” atacou o Diogo, lhe arrumou no chão, lhe recebeu e deitou fora a arma. Os dois começaram a lutar no chão e o Diogo gritou: “Pai, vem me ajudar, eu assim mesmo já morri”. Eu fui a correr com a catana e lhe dei (ao “homem”, entenda-se, a onça) duas catanadas. Ao lhe dar a terceira catanada me recebeu e deitou fora a catana. Então começamos a lutar mão a mão. Ele me engatou na cabeça e eu disse: “Pronto, já morri!”. O Diogo afinal tinha se arrastado até junto da arma e disparou contra o “homem”: “Pum, pum, pum!”. O “homem” morreu e pronto, largou a minha cabeça. Lhe levamos até ao Comando Municipal da Polícia e daí nós fomos levados para o hospital.”
Quanto ao resto da história, os bravos golunguenses, pai e filho, viriam a saber já no leito hospitalar. Os sobas da região, ante o insólito facto, oficiaram um ritual tradicional e o administrador municipal fez uma exortação à população. A onça transformou-se em comida, depois de algumas providências especiais: o bigode, considerado veneno letal, foi queimado; os dentes foram oferecidos como relíquias ao comandante municipal da polícia e ao administrador municipal; a pele está a ser conservada.
Manuel e Diogo Kimbango, protagonistas de uma história bem real, correm o risco de se tornarem personagens lendários...
Pensamento do dia
“A elite quer se perpetuar no poder. Para isso inúmeras estratégias são desenvolvidas por ela. (...) A elite quer participar e dar as cartas do jogo político. Os seus integrantes são unidos por amplas teias de relacionamentos pessoais, negociações entre o público e o privado, entre grupos e instituições, com sucessivos realinhamentos. A dinâmica dessas relações, embora tenha um caráter aparentemente conjuntural, oculta a lógica do modelo político.”
Maria Fernanda Vieira Martins - A velha arte de governar: um estudo sobre política e elites a partir do Conselho de Estado [do Brasil] (1842-1889)
Maria Fernanda Vieira Martins - A velha arte de governar: um estudo sobre política e elites a partir do Conselho de Estado [do Brasil] (1842-1889)
As gradações da mentira
Onde se fala de mentiras “inocentes” e “sérias”
Isaquiel Cori
Sim e não. Branco e preto. Grande e pequeno. Bom e mau. Alto e baixo. Verdade e mentira... É assim que, na generalidade, o senso comum tende a pintar o mundo, como se a vida fosse uma pobre moeda de duas faces. Pepetela, no seu celebrado romance, “Mayombe”, introduz, entre o sim e o não, a questão do talvez. E entre a verdade e a mentira?
Crescemos a ouvir, e agora dizemos aos nossos filhos, que mentir é muito feio. E que mais vale dizer a verdade, seja em que circunstância for. Mas, como na história bíblica, por analogia, diante da pecadora, quem nunca mentiu, que atire a primeira pedra.
“De quando em vez, uso umas mentirinhas. Por exemplo, às vezes digo aos meus filhos que vamos passear a um determinado lugar e acabamos por não ir”. Tratam-se de mentiras “inocentes”, “sem consequências de maior”, na óptica de Rosa Gracieth, 39 anos. Para lá desse tipo de mentira, ela distingue outro, “mais sério”: “Há aquela mentira que chega a ser um roubo. Por exemplo, alguém vende-te um produto por dois mil kwanzas, quando o seu preço verdadeiro é mil. Mais do que mentira, isso é um roubo”.
Leonilda Damião, 32 anos, é igualmente de opinião que existem mentiras “inocentes”, “toleráveis”: “De quando em vez, quando quero uma coisa do meu esposo, minto, e, ao fim e ao cabo, descubro certas verdades. Quando a mentira não é destrutiva mas saudável, ela contribui para uma boa relação”.
Mentiras afectivas?, interrogamo-nos nós.
Definitivamente, há gradações no mentir. Mentiras “inocentes”. Mentiras “sérias”. Se aquelas são parte íntima do jogo saudável das relações humanas (nesta acepção, podem ser expressas pelos verbos “estigar”, reinar, caçoar, brincar) já estas podem ter efeitos danosos. “Quando alguém me mente sinto-me muito zangada. É triste e frustrante. Perco logo a confiança nessa pessoa”, exclama Leonilda Damião.
“Sinto-me decepcionado, sobretudo se o mentiroso for alguém que convive comigo. Encaro essa mentira como um acto de traição”, acrescenta Adriano Makuéria, 38 anos.
“A mentira, para ser saudável, tem de ter limite. A pessoa que mente tem de saber que não vai prejudicar ninguém”, opina Gina Lopes (não quis dizer a idade), sub-directora pedagógica da escola primária 6.014. “Num desses 1 de Abril, alguém ligou-me a dizer que um amigo morreu. A notícia espalhou-se e até chegou a formar-se óbito, quando na verdade o tal amigo estava bem vivo e a dar as suas voltas. Senti-me muito transtornada e ofendida”, revela.
Gina Lopes acrescenta o fenómeno da mentira aos males que vêem sendo observados e recenseados na sociedade angolana. “Em Angola mente-se muito, tanto a nível das figuras públicas como das outras. Tendem a dizer que podem, quando na verdade não podem. Muitos jovens, quando querem conquistar uma rapariga, fruto da pobreza em que vivem, fazem-se passar por alguém que não são. E agora, com o uso generalizado dos telemóveis, as pessoas tornaram-se muito mais mentirosas”.
Porventura também mente-se por caridade? Por amor?
“Sim”, afirma Leonilda Damião. “Há quem, diante de um defeito do companheiro, para não magoá-lo, prefere mentir”.
Entre homens e mulheres, em Angola, quem mais tende a mentir? À falta de estatísticas, que nos dariam um quadro objectivo do problema, contentamo-nos a colher a opinião dos nossos interlocutores. “Acredito que haja um equilíbrio. Todo o ser humano está sujeito a mentir”, diz Gina Lopes.
Adriano Makuéria é mais contudente: “As mulheres mentem mais. Veja que raramente elas aceitam dizer a sua idade ou, se trabalham, o salário que auferem”.
“Os homens mentem muito mais. Vejo mais seriedade nas mulheres”, defende Casimiro Morais, 40 anos.
Na escala de graduação da mentira há que mencionar aquela que está associada ao maravilhoso, à fábula, ao sonho. Este é o mundo, por excelência, da literatura, da ficção. “O escritor mente para fazer passar a sua mensagem. Ele é um educador, já que tenta criar uma mentalidade nova. O escritor pode recorrer a personagens fictícias para, digamos assim, salvar a sociedade”, refere Timóteo Ulika (pseudónimo literário do historiador Cornélio Caley).
A perspectiva jurídica
Segundo Lazarino Poulson, advogado, não existe mentira legítima. “A mentira é sempre um engano”, afirma. “Eventualmente, a mentira pode ser admissível no âmbito do trato, da cortesia, mas nunca na esfera jurídica. Aliás, há crimes que têm na sua base a mentira. São os casos dos crimes de burla, de peculato, de abuso de confiança e de falsificação”.
Na óptica do advogado, nem mesmo o Dia das Mentiras pode servir de desculpa para mentiras danosas. “Imagine que no dia 1 de Abril alguém desperte um alarme de bomba num aeroporto. Isso pode provocar pânico e daí danos materiais e outros. A esse indivíduo deverão ser imputadas responsabilidades civis e criminais. Quando a mentira provoca danos ou afecta os nossos direitos, ela é muito perniciosa”.
A classe profissional que mais mente, na percepção de Lazarino Poulson, é a das secretárias. Seguem-se-lhe, por esta ordem, a dos políticos, dos advogados e dos jornalistas.
O jurista Noé Filho esclarece que, juridicamente, uma mentira pode redundar num falso testemunho, quando “um indivíduo faz um depoimento contrário à verdade por ele conhecida”. Noé Filho menciona também a figura da simulação, no âmbito do direito civil, “quando alguém pretende realizar um negócio mas age de forma diferente, como se o não quisesse realizar”.
O jurista elucida que, em Direito, a acção consiste em fazer ou em não fazer. “Logo, também pode-se mentir por omissão”.
Ele reconhece que, por razões profissionais, os advogados podem ser obrigados a mentir... por omissão. “Pelo sigilo profissional, os advogados não têm a obrigação de narrar certos factos concernentes à situação dos seus clientes. Eles não podem, no tribunal, dizer algo que possa prejudicar os seus clientes”.
Noé Filho admite que se possa mentir no dia 1 de Abril. “Há mentiras grosseiras, aquelas que, pelo modo como são ditas, não têm a possibilidade de encontrar qualquer crédito. Essas são as mentiras toleráveis no Dia das Mentiras. Já as mentiras mais refinadas, aquelas que são ditas no sentido de produzir um efeito contrário à realidade ou para conseguir um proveito ou para que as pessoas tenham um determinado comportamento, não são, de modo nenhum, toleráveis”.
Isaquiel Cori
Sim e não. Branco e preto. Grande e pequeno. Bom e mau. Alto e baixo. Verdade e mentira... É assim que, na generalidade, o senso comum tende a pintar o mundo, como se a vida fosse uma pobre moeda de duas faces. Pepetela, no seu celebrado romance, “Mayombe”, introduz, entre o sim e o não, a questão do talvez. E entre a verdade e a mentira?
Crescemos a ouvir, e agora dizemos aos nossos filhos, que mentir é muito feio. E que mais vale dizer a verdade, seja em que circunstância for. Mas, como na história bíblica, por analogia, diante da pecadora, quem nunca mentiu, que atire a primeira pedra.
“De quando em vez, uso umas mentirinhas. Por exemplo, às vezes digo aos meus filhos que vamos passear a um determinado lugar e acabamos por não ir”. Tratam-se de mentiras “inocentes”, “sem consequências de maior”, na óptica de Rosa Gracieth, 39 anos. Para lá desse tipo de mentira, ela distingue outro, “mais sério”: “Há aquela mentira que chega a ser um roubo. Por exemplo, alguém vende-te um produto por dois mil kwanzas, quando o seu preço verdadeiro é mil. Mais do que mentira, isso é um roubo”.
Leonilda Damião, 32 anos, é igualmente de opinião que existem mentiras “inocentes”, “toleráveis”: “De quando em vez, quando quero uma coisa do meu esposo, minto, e, ao fim e ao cabo, descubro certas verdades. Quando a mentira não é destrutiva mas saudável, ela contribui para uma boa relação”.
Mentiras afectivas?, interrogamo-nos nós.
Definitivamente, há gradações no mentir. Mentiras “inocentes”. Mentiras “sérias”. Se aquelas são parte íntima do jogo saudável das relações humanas (nesta acepção, podem ser expressas pelos verbos “estigar”, reinar, caçoar, brincar) já estas podem ter efeitos danosos. “Quando alguém me mente sinto-me muito zangada. É triste e frustrante. Perco logo a confiança nessa pessoa”, exclama Leonilda Damião.
“Sinto-me decepcionado, sobretudo se o mentiroso for alguém que convive comigo. Encaro essa mentira como um acto de traição”, acrescenta Adriano Makuéria, 38 anos.
“A mentira, para ser saudável, tem de ter limite. A pessoa que mente tem de saber que não vai prejudicar ninguém”, opina Gina Lopes (não quis dizer a idade), sub-directora pedagógica da escola primária 6.014. “Num desses 1 de Abril, alguém ligou-me a dizer que um amigo morreu. A notícia espalhou-se e até chegou a formar-se óbito, quando na verdade o tal amigo estava bem vivo e a dar as suas voltas. Senti-me muito transtornada e ofendida”, revela.
Gina Lopes acrescenta o fenómeno da mentira aos males que vêem sendo observados e recenseados na sociedade angolana. “Em Angola mente-se muito, tanto a nível das figuras públicas como das outras. Tendem a dizer que podem, quando na verdade não podem. Muitos jovens, quando querem conquistar uma rapariga, fruto da pobreza em que vivem, fazem-se passar por alguém que não são. E agora, com o uso generalizado dos telemóveis, as pessoas tornaram-se muito mais mentirosas”.
Porventura também mente-se por caridade? Por amor?
“Sim”, afirma Leonilda Damião. “Há quem, diante de um defeito do companheiro, para não magoá-lo, prefere mentir”.
Entre homens e mulheres, em Angola, quem mais tende a mentir? À falta de estatísticas, que nos dariam um quadro objectivo do problema, contentamo-nos a colher a opinião dos nossos interlocutores. “Acredito que haja um equilíbrio. Todo o ser humano está sujeito a mentir”, diz Gina Lopes.
Adriano Makuéria é mais contudente: “As mulheres mentem mais. Veja que raramente elas aceitam dizer a sua idade ou, se trabalham, o salário que auferem”.
“Os homens mentem muito mais. Vejo mais seriedade nas mulheres”, defende Casimiro Morais, 40 anos.
Na escala de graduação da mentira há que mencionar aquela que está associada ao maravilhoso, à fábula, ao sonho. Este é o mundo, por excelência, da literatura, da ficção. “O escritor mente para fazer passar a sua mensagem. Ele é um educador, já que tenta criar uma mentalidade nova. O escritor pode recorrer a personagens fictícias para, digamos assim, salvar a sociedade”, refere Timóteo Ulika (pseudónimo literário do historiador Cornélio Caley).
A perspectiva jurídica
Segundo Lazarino Poulson, advogado, não existe mentira legítima. “A mentira é sempre um engano”, afirma. “Eventualmente, a mentira pode ser admissível no âmbito do trato, da cortesia, mas nunca na esfera jurídica. Aliás, há crimes que têm na sua base a mentira. São os casos dos crimes de burla, de peculato, de abuso de confiança e de falsificação”.
Na óptica do advogado, nem mesmo o Dia das Mentiras pode servir de desculpa para mentiras danosas. “Imagine que no dia 1 de Abril alguém desperte um alarme de bomba num aeroporto. Isso pode provocar pânico e daí danos materiais e outros. A esse indivíduo deverão ser imputadas responsabilidades civis e criminais. Quando a mentira provoca danos ou afecta os nossos direitos, ela é muito perniciosa”.
A classe profissional que mais mente, na percepção de Lazarino Poulson, é a das secretárias. Seguem-se-lhe, por esta ordem, a dos políticos, dos advogados e dos jornalistas.
O jurista Noé Filho esclarece que, juridicamente, uma mentira pode redundar num falso testemunho, quando “um indivíduo faz um depoimento contrário à verdade por ele conhecida”. Noé Filho menciona também a figura da simulação, no âmbito do direito civil, “quando alguém pretende realizar um negócio mas age de forma diferente, como se o não quisesse realizar”.
O jurista elucida que, em Direito, a acção consiste em fazer ou em não fazer. “Logo, também pode-se mentir por omissão”.
Ele reconhece que, por razões profissionais, os advogados podem ser obrigados a mentir... por omissão. “Pelo sigilo profissional, os advogados não têm a obrigação de narrar certos factos concernentes à situação dos seus clientes. Eles não podem, no tribunal, dizer algo que possa prejudicar os seus clientes”.
Noé Filho admite que se possa mentir no dia 1 de Abril. “Há mentiras grosseiras, aquelas que, pelo modo como são ditas, não têm a possibilidade de encontrar qualquer crédito. Essas são as mentiras toleráveis no Dia das Mentiras. Já as mentiras mais refinadas, aquelas que são ditas no sentido de produzir um efeito contrário à realidade ou para conseguir um proveito ou para que as pessoas tenham um determinado comportamento, não são, de modo nenhum, toleráveis”.
quinta-feira, 13 de agosto de 2009
Sob o manto do quotidiano nasce uma nova Angola
Isaquiel Cori
Decidida e definitivamente Angola está a mudar. Não será exagero afirmar que o país está a viver um momento revolucionário, de implicações tão profundas em todo o tecido humano e social, que só daqui a uma ou várias gerações se poderá aquilatar da sua verdadeira dimensão.
As mudanças ocorrem aos olhos de todo o mundo, mas estamos tão ocupados a viver o nosso dia a dia que não paramos para reflectir sobre elas. O aspecto mais visível são as grandes obras de reconstrução e construção de infra-estruturas um pouco por todo o país. Grande parte das grandes cidades já estão ligadas entre si por estradas boas, que proporcionam conforto e prazer ao viajante e levam e trazem as mercadorias que dão nova vida aos angolanos.
As nossas cidades estão mais limpas, verdes e organizadas. A miséria, que era tão visível nas localidades do interior aí há pouco menos de dez anos, recuou, já não é tão visível. Os cidadãos (homens, mulheres e crianças) que vemos ao longo das nossas estradas nacionais, já não estendem uma mão faminta aos passantes. Pelo contrário. Ou acenam para as viaturas com produtos para vender, ou as ignoram completamente, de tão ocupados a trabalhar para o seu sustento.
Novos equipamentos sociais, entre os quais avultam as escolas e centros médicos, multiplicaram-se por esta Angola a dentro, aproximaram-se dos beneficiários, conferindo uma melhor qualidade de vida às pessoas.
Não haja dúvidas: de todo este contexto de prosperidade, em primeiro lugar material, está a emergir um novo tipo de cidadão, uma nova sociedade. Com a grande aposta na educação e na saúde há-de haver uma reconfiguração no seio das elites, com a entrada em cena de novos contingentes.
Ora, é sabido que país nenhum no mundo se desenvolveu sem instituições e líderes fortes e competentes. E as instituições e os líderes só são fortes quando a sua autoridade se baseia na moral. Ou melhor, na moralidade.
Decidida e definitivamente Angola está a mudar. Não será exagero afirmar que o país está a viver um momento revolucionário, de implicações tão profundas em todo o tecido humano e social, que só daqui a uma ou várias gerações se poderá aquilatar da sua verdadeira dimensão.
As mudanças ocorrem aos olhos de todo o mundo, mas estamos tão ocupados a viver o nosso dia a dia que não paramos para reflectir sobre elas. O aspecto mais visível são as grandes obras de reconstrução e construção de infra-estruturas um pouco por todo o país. Grande parte das grandes cidades já estão ligadas entre si por estradas boas, que proporcionam conforto e prazer ao viajante e levam e trazem as mercadorias que dão nova vida aos angolanos.
As nossas cidades estão mais limpas, verdes e organizadas. A miséria, que era tão visível nas localidades do interior aí há pouco menos de dez anos, recuou, já não é tão visível. Os cidadãos (homens, mulheres e crianças) que vemos ao longo das nossas estradas nacionais, já não estendem uma mão faminta aos passantes. Pelo contrário. Ou acenam para as viaturas com produtos para vender, ou as ignoram completamente, de tão ocupados a trabalhar para o seu sustento.
Novos equipamentos sociais, entre os quais avultam as escolas e centros médicos, multiplicaram-se por esta Angola a dentro, aproximaram-se dos beneficiários, conferindo uma melhor qualidade de vida às pessoas.
Não haja dúvidas: de todo este contexto de prosperidade, em primeiro lugar material, está a emergir um novo tipo de cidadão, uma nova sociedade. Com a grande aposta na educação e na saúde há-de haver uma reconfiguração no seio das elites, com a entrada em cena de novos contingentes.
Ora, é sabido que país nenhum no mundo se desenvolveu sem instituições e líderes fortes e competentes. E as instituições e os líderes só são fortes quando a sua autoridade se baseia na moral. Ou melhor, na moralidade.
A crise da literatura angolana
Nem durante a “longa noite colonial” o cenário foi tão péssimo
A literatura angolana anda nas ruas da amargura. Nunca, nem sequer durante a “longa noite colonial”, a literatura angolana viveu momentos tão péssimos. O cenário actual é confrangedor. O movimento literário desapareceu, os grandes escritores, enquanto cidadãos e portadores de opinião, andam remetidos ao silêncio. Há muito que não surge uma obra, um romance ou um poemário de rotura ou que sintetize e ilumine, com a mais elevada qualidade estética, a época em que vivemos.
Isaquiel Cori
Os concursos literários, que são uma das formas de incentivo à criação literária, estão reduzidos aos prémios do INALD, que entretanto pecam por falta de publicidade, e aos da Sonangol, cada vez mais bissextos e virados para a “universalidade”, isto é, tendencialmente menos angolanos.
O suplemento cultural-literário “Vida Cultural” do Jornal de Angola – uma nova denominação, infeliz, para o tradicional e histórico “Vida e Cultura” – desapareceu abruptamente, com o estranho argumento de que não apresentava qualidade e estava eivado de erros.
Para quem não sabe, o “Vida e Cultura” foi um dos principais canais de veiculação da literatura angolana desde os anos 1980. A chamada Geração de Oitenta da literatura angolana deu-se a conhecer e fez a maior parte do seu percurso inicial por via das páginas do “Vida e Cultura” do Jornal de Angola. Todos os seus integrantes (Lopito Feijó, João Maimona, Sílvio Peixoto, António Panguila, Fernando Kafuqueno, Luís Kandjimbo, E. Bonavena, Frederico Ningi, José Luís Mendonça, Paula Tavares, Ana de Santana, Conceição Cristóvão, João Tala, e outros) começaram a publicar naquele suplemento. A Brigada Jovem de Literatura (ou melhor, as brigadas jovens de literatura) teve ( tiveram) no “Vida e Cultura” o espaço privilegiado de divulgação. E não só. O movimento Ohandanji e escritores ou amantes da literatura solitários sempre tiveram no “Vida e Cultura” um território de circulação predilecta.
Mas não é só isso. Um dos índices do estado de crise da literatura angolana está nas fracas tiragens das obras publicadas. Mil ou mil e quinhentos exemplares são a fasquia máxima das tiragens.
Os angolanos (16 milhões, segundo algumas estimativas) serão tão analfabetos (tão pouco amigos da leitura) que jamais possam dar origem a um “best seller”? Os escritores angolanos serão tão “fracos” que são incapazes de interessar os seus concidadãos à leitura das suas obras?
Aqui, chegamos à responsabilidade dos editores. A única e grande responsabilidade do escritor é escrever boas obras. Os editores têm a sua quota de responsabilidade na crise actual da literatura angolana. O livro é uma mercadoria como qualquer outra. É preciso publicitar o livro e o autor. Sobretudo o livro. Isso implica dinheiro, evidentemente. O exemplo mais evidente, e que deve ser seguido, é o da música.
A música angolana, enquanto fenómeno cultural e social, explodiu. Todos os géneros musicais cultivados em Angola são muito bem ouvidos. As tiragens dos discos são determinadas pela procura. Mas essa procura é “procurada”. Isto é, o disco é publicitado através de todos os recursos disponíveis. Os editores musicais são tão agressivos a “vender” o seu produto que não deixam ninguém indiferente. Como nunca aconteceu na história de Angola, os discos chegam a alcançar tiragens de vinte mil cópias, numa primeira edição. Em função da procura, chega-se a partir para uma segunda edição com igual número de cópias. É obra!
A crise actual da literatura angolana é bastante tributária da crise do sistema de ensino. A escola devia ser um dos principais canais de veiculação das obras literárias, através de programas de leitura obrigatória. Mas, convenhamos, como prover as necessidades de milhares de escolas secundárias, institutos médios e universidades, com míseras tiragens de mil e quinhentos exemplares?
Enquanto não surgir uma crítica literária séria e profissional, que faça a destrinça do trigo e do joio, de modo a impedir que o espaço da literatura seja um terreno fértil para cavalgadas políticas de oportunistas que procuram subir na escadaria social a todo o custo, o cenário não vai mudar.
A comunicação social também tem de mudar de postura. Do mesmo modo que nem tudo que brilha é ouro, nem tudo que é livro é literatura. Um manual de direito ou de economia, um livro de receitas culinárias, não é, rigorosamente, uma obra literária. A comunicação social, em parte, à falta de outras instâncias de legitimação e consagração como a crítica profissional e académica, é responsável pela mediocridade e facilitismo que reinam nas letras angolanas.
Há um outro factor responsável pela crise da literatura angolana. Já não existe o activismo literário, exceptuando muito poucas e raríssimas excepções. Os eventos literário-culturais são raros e dificilmente são frequentados por figuras consagradas das letras. Nomes que há relativamente poucos anos eram referência do cenário literário nacional, fossem como autores ou activistas, simplesmente desapareceram e ninguém sabe deles. O que é certo é que fisicamente ainda não morreram.
Reina o espírito do politicamente correcto na literatura angolana. A transgressão, a rotura, seja estética, discursiva ou de atitude, que é próprio da literatura enquanto arte, simplesmente desapareceram. Há como que uma tendência, por parte dos escritores, para a obtenção compulsiva (obsessiva) de um reconhecimento político-institucional que lhes facilite a assimilação, a integração no sistema político-institucional. Assim, a literatura é vista como apenas um caminho, um meio para acomodação política, social e material.
A Universidade também tem a sua quota parte de responsabilidade. A literatura, em todo o mundo, é objecto de elevados estudos académicos, resultando em teses de licenciatura e doutoramento. Em Angola, neste capítulo, estamos numa fase incipiente. Aliás, ainda não se pode dizer que a literatura angolana já tenha conquistado o espaço universitário.
A literatura é imprescindível ao desenvolvimento humano de qualquer país. A literatura fixa a memória colectiva de modo humano e humanizante. A literatura penetra no canto mais profundo da alma da Nação, traduz o sentimento e as esperanças do povo. Há que, urgentemente, acabar com as barreiras que impedem o desenvolvimento da literatura nacional.
A literatura angolana anda nas ruas da amargura. Nunca, nem sequer durante a “longa noite colonial”, a literatura angolana viveu momentos tão péssimos. O cenário actual é confrangedor. O movimento literário desapareceu, os grandes escritores, enquanto cidadãos e portadores de opinião, andam remetidos ao silêncio. Há muito que não surge uma obra, um romance ou um poemário de rotura ou que sintetize e ilumine, com a mais elevada qualidade estética, a época em que vivemos.
Isaquiel Cori
Os concursos literários, que são uma das formas de incentivo à criação literária, estão reduzidos aos prémios do INALD, que entretanto pecam por falta de publicidade, e aos da Sonangol, cada vez mais bissextos e virados para a “universalidade”, isto é, tendencialmente menos angolanos.
O suplemento cultural-literário “Vida Cultural” do Jornal de Angola – uma nova denominação, infeliz, para o tradicional e histórico “Vida e Cultura” – desapareceu abruptamente, com o estranho argumento de que não apresentava qualidade e estava eivado de erros.
Para quem não sabe, o “Vida e Cultura” foi um dos principais canais de veiculação da literatura angolana desde os anos 1980. A chamada Geração de Oitenta da literatura angolana deu-se a conhecer e fez a maior parte do seu percurso inicial por via das páginas do “Vida e Cultura” do Jornal de Angola. Todos os seus integrantes (Lopito Feijó, João Maimona, Sílvio Peixoto, António Panguila, Fernando Kafuqueno, Luís Kandjimbo, E. Bonavena, Frederico Ningi, José Luís Mendonça, Paula Tavares, Ana de Santana, Conceição Cristóvão, João Tala, e outros) começaram a publicar naquele suplemento. A Brigada Jovem de Literatura (ou melhor, as brigadas jovens de literatura) teve ( tiveram) no “Vida e Cultura” o espaço privilegiado de divulgação. E não só. O movimento Ohandanji e escritores ou amantes da literatura solitários sempre tiveram no “Vida e Cultura” um território de circulação predilecta.
Mas não é só isso. Um dos índices do estado de crise da literatura angolana está nas fracas tiragens das obras publicadas. Mil ou mil e quinhentos exemplares são a fasquia máxima das tiragens.
Os angolanos (16 milhões, segundo algumas estimativas) serão tão analfabetos (tão pouco amigos da leitura) que jamais possam dar origem a um “best seller”? Os escritores angolanos serão tão “fracos” que são incapazes de interessar os seus concidadãos à leitura das suas obras?
Aqui, chegamos à responsabilidade dos editores. A única e grande responsabilidade do escritor é escrever boas obras. Os editores têm a sua quota de responsabilidade na crise actual da literatura angolana. O livro é uma mercadoria como qualquer outra. É preciso publicitar o livro e o autor. Sobretudo o livro. Isso implica dinheiro, evidentemente. O exemplo mais evidente, e que deve ser seguido, é o da música.
A música angolana, enquanto fenómeno cultural e social, explodiu. Todos os géneros musicais cultivados em Angola são muito bem ouvidos. As tiragens dos discos são determinadas pela procura. Mas essa procura é “procurada”. Isto é, o disco é publicitado através de todos os recursos disponíveis. Os editores musicais são tão agressivos a “vender” o seu produto que não deixam ninguém indiferente. Como nunca aconteceu na história de Angola, os discos chegam a alcançar tiragens de vinte mil cópias, numa primeira edição. Em função da procura, chega-se a partir para uma segunda edição com igual número de cópias. É obra!
A crise actual da literatura angolana é bastante tributária da crise do sistema de ensino. A escola devia ser um dos principais canais de veiculação das obras literárias, através de programas de leitura obrigatória. Mas, convenhamos, como prover as necessidades de milhares de escolas secundárias, institutos médios e universidades, com míseras tiragens de mil e quinhentos exemplares?
Enquanto não surgir uma crítica literária séria e profissional, que faça a destrinça do trigo e do joio, de modo a impedir que o espaço da literatura seja um terreno fértil para cavalgadas políticas de oportunistas que procuram subir na escadaria social a todo o custo, o cenário não vai mudar.
A comunicação social também tem de mudar de postura. Do mesmo modo que nem tudo que brilha é ouro, nem tudo que é livro é literatura. Um manual de direito ou de economia, um livro de receitas culinárias, não é, rigorosamente, uma obra literária. A comunicação social, em parte, à falta de outras instâncias de legitimação e consagração como a crítica profissional e académica, é responsável pela mediocridade e facilitismo que reinam nas letras angolanas.
Há um outro factor responsável pela crise da literatura angolana. Já não existe o activismo literário, exceptuando muito poucas e raríssimas excepções. Os eventos literário-culturais são raros e dificilmente são frequentados por figuras consagradas das letras. Nomes que há relativamente poucos anos eram referência do cenário literário nacional, fossem como autores ou activistas, simplesmente desapareceram e ninguém sabe deles. O que é certo é que fisicamente ainda não morreram.
Reina o espírito do politicamente correcto na literatura angolana. A transgressão, a rotura, seja estética, discursiva ou de atitude, que é próprio da literatura enquanto arte, simplesmente desapareceram. Há como que uma tendência, por parte dos escritores, para a obtenção compulsiva (obsessiva) de um reconhecimento político-institucional que lhes facilite a assimilação, a integração no sistema político-institucional. Assim, a literatura é vista como apenas um caminho, um meio para acomodação política, social e material.
A Universidade também tem a sua quota parte de responsabilidade. A literatura, em todo o mundo, é objecto de elevados estudos académicos, resultando em teses de licenciatura e doutoramento. Em Angola, neste capítulo, estamos numa fase incipiente. Aliás, ainda não se pode dizer que a literatura angolana já tenha conquistado o espaço universitário.
A literatura é imprescindível ao desenvolvimento humano de qualquer país. A literatura fixa a memória colectiva de modo humano e humanizante. A literatura penetra no canto mais profundo da alma da Nação, traduz o sentimento e as esperanças do povo. Há que, urgentemente, acabar com as barreiras que impedem o desenvolvimento da literatura nacional.
Adriano Mixinge, historiador e crítico de arte: "A crítica de arte é um exercício de rigor que começa no atelier do artista"
Adriano Mixinge (nascido em Luanda, em 1968), historiador e crítico de arte, lançou em Luanda o seu mais recente livro, “Made in Angola: Arte Contemporânea, Artistas e Debates”, com chancela da editora francesa L’Harmattan. Como o título indica, a obra é um conjunto de ensaios sobre a arte e os artistas angolanos, residentes no país ou na diáspora. É o seu segundo livro depois do romance “Tanda” (Chá de Caxinde, 2007). Aproveitamos a oportunidade do lançamento da nova obra de Adriano Mixinge, actualmente conselheiro cultural da embaixada angolana em França, para o abordar a respeito de questões atinentes à arte contemporânea angolana. Aproveitamos igualmente o ensejo para “mergulharmos” um pouco nas origens do próprio autor, na raiz do seu interesse pela arte.
Por: Isaquiel Cori
Sabemos que formou-se em Cuba, para onde foi muito novo. Que idade tinha na altura? Pode dizer-nos das circunstâncias em que foi parar a Cuba, em 1979?
Adriano Mixinge (AM) - Eu tinha onze anos quando fui acompanhar a minha irmã São a uma das sedes da Organização dos Pioneiros Angolanos (O.P.A.), ali no bairro Miramar, porque ela tinha sido seleccionada para ir estudar a Cuba.
A minha irmã tinha na altura treze anos e tinha um certo ascendente sobre mim. Fomos entregar as suas fichas de inscrição e a Camarada Vivi – Vicência de Brito - ao ver-me todo atento àquela démarche da minha irmã perguntou-me se eu, todo pequeno, não estava interessado em ir, também. Eu aceitei logo, mas a Camarada Vivi disse que eu tinha que ter o consentimento dos meus pais, coisa que veio a acontecer pouco depois.
A minha mãe diz que no dia da viagem, era tanta a minha ansiedade em ir que saí de casa com parte da roupa, que entretanto ela tinha lavado na véspera, ainda húmida. Acompanhar a minha irmã naquele dia provocou a primeira grande viagem da minha vida.
Como era o ambiente na Ilha da Juventude? As preocupações dos estudantes resumiam-se aos estudos? Acompanhavam o desenrolar da vida em Angola, nomeadamente o curso da guerra?
AM - Para um menino da minha idade, o ambiente da Ilha da Juventude era paradisíaco: viver, estudar e trabalhar naqueles internatos, em que os dormitórios, as salas de aulas e a biblioteca, bem como os campos de cultivos - cítricos, fundamentalmente, mas também mandioca ou mamão, por exemplo - estão num perímetro restrito e bem delimitado, deu-me a maior segurança que podia ter para conjugar o estudo e o trabalho, algo que sabíamos Che Guevara defendeu que estaria na base da formação do Homem Novo.
Unido aos estudos e ao trabalho, sempre estiveram também o desporto e a cultura. Nos primeiros anos, a dança popular e a literatura, ou mais concretamente, a poesia engagé. As danças populares a que me referido são mesmo as de salão, já que aos fins de semana podíamos organizá-las, no “Passeio Central”, que era a vitrina em que os melhores bailarinos exibiam-se prazenteiramente e onde surgiram casais, muitos dos quais ainda continuam juntos.
Em 1979, a Internet ainda não existia e/ou a era digital era uma invenção militar muito longe de massificar-se. Assim acompanhávamos pouco o desenrolar da vida em Angola e aos onze anos, e certamente pela distância, eu via a guerra como se fosse um fantasma igualzinho ao cambungú.
Acredito que para os adolescentes que ali estavam a percepção era diferente, mas para o menino de onze anos que eu era, a guerra era um assunto que não entrava dentro das preocupações imediatas: os meus amigos e eu, o que queríamos mesmo era ir procurar frutas das montanhas, para melhorar a nossa dieta alimentar que era quase franciscana.
Depois da Ilha da Juventude ingressou na Universidade de Havana, onde se formou em História da Arte. Mas o seu interesse pela arte é certamente anterior à sua ida para a Universidade. Chegou a praticar antes algum género artístico?
AM - O meu interesse pela Arte não foi anterior a universidade. Eu nem queria estudar Arte: eu fiz os meus estudos pré-universitarios a pensar que iria estudar engenharia, mas vários incidentes na altura do encaminhamento provocaram que tal não acontecesse. Mas os Dários, o Dário Olavo e o Dário Van-Dunem, dois dos meus melhores amigos na época, eram leitores viciados e, então, com eles, comecei o meu primeiro ciclo de leituras, muito básicas – de Corín Tellado a Mário Puzo - como alguns meninos, eu também começaria a coleccionar selos.
Se antes mesmo de entrar da universidade, desinteressei-me por enriquecer aquele embrião de colecção filatélica, o mesmo não aconteceu com a leitura, esse é um hobby que viria a converter-se em profissão e acompanhar-me sempre: Thomas Mann, Marcel Proust, Milan Kundera, Vicente Huidobro, William Faulkner e Umberto Eco, entre outros, foram alimentando o fim da minha adolescência .
Excepto por um certo cuidado com a caligrafia, algo que vem do meu pai, não pratiquei nenhum género artístico até ter passado as provas de aptidão para a Faculdade de Educação Artística, do Instituto Superior Pedagógico “Enrique José Varona”, no bairro de Marianao, em Havana: os professores disseram-me que eu tinha possibilidade de desenvolverem-me, mas desenhar e pintar vieram a revelar que não eram mesmo o meu forte.
Qual é o panorama artístico que encontrou em Angola, após o seu regresso? Nessa altura quais foram os artistas que mais o impressionaram, tanto pela sua obra como pelo contacto pessoal?
AM - Depois de terminar a Licenciatura, eu regressei a Luanda, a 8 de Maio de 1993. Dois dias depois, no dia 10 de Maio, o Viteix morreria. Mesmo sem o conhecer pessoalmente a sua morte abalou-me profundamente.
Mas, o panorama artístico era e em parte ainda continua a ser muito confuso, porque pelas reminiscências da ideologia totalitária dos anos em que travestimos à nossa maneira a ideologia marxista e fizemos fragmentários ensaios de socialismo. De uma maneira muito estendida, no país, as artes e a literatura costumam ser meios para atingir fins políticos e não o lugar em que a curiosidade e a inquietação criativa e intelectual se auto-satisfaz, produzindo uma ordem vital, comportamentos e uma moral tendencialmente elevada dos criadores e dos que interagem com as obras artísticas e literárias.
Datam daqueles anos os meus primeiros encontros pessoais com alguns escritores escritores já consagrados, Uanhenga Xitu e Pepetela, por exemplo. Outros na “bela flor da idade” como o Sílvio Peixoto, o José Luís Mendonça e o João Melo. Ou ainda aqueles que depois descolariam como o Fernando Kafukeno e a Amélia Dalomba.
Mas, naqueles anos, tiveram um efeito muito estimulante em mim a releitura de “Apuros de Vigília” de Luís Kandjimbo, a leitura de “Ana Manda, os filhos da rede”, o ensaio e tese de doutoramento de Ruy Duarte de Carvalho, e pouco depois, “O feitiço da Rama de Abóbora” de Tchikakata Mbalundu e o início da minha amizade com a Ana Maria Faria, que poria o tom inconformista e crítico, no embrião de sociedade civil, tudo isso no panorama literário e das ideias.
Especificamente, no âmbito das artes, e porque fui mostrar-lhe o capítulo da minha tese de licenciatura dedicado a obra dele dos anos 80, o António Ole ia preparando a sua exposição “Margem da Zona Limite”, que viria a acontecer em finais de 1994 e, apesar dessa coisa de (re)apropriar-se (ou imitar) modus de fazer de Jean-Michel Basquiat, o artista plástico Fernando Alvim ia animando os meios artísticos e foi por estes anos que tivemos o nosso primeiro contacto frente a galeria Humbihumbi, do Tirso de Amaral.
Já agora, quais são os traços identitários das artes plásticas angolanas?
AM - As artes plásticas angolanas são um compêndio de múltiplos cânones estéticos que, falando de uma forma muito esquemática, situar-se-iam, por exemplo, nas pinturas rupestres de Tchitundo Hulo, Virei e noutras estações arqueológicas do Sudoeste de Angola, na estatuária e na escultura, na cerâmica ou no têxtil Kongo, Cokwé e Umbundu, entre outras culturas tradicionais de Angola. Estas seriam as bases constituintes de um cânone milenário, ancestral e pré-colonial.
A estética da arquitectura das fortalezas e das igrejas cristãs de Angola, construídas entre os séculos XVI/XIX, o urbanismo e a arquitectura das cidades, bem como as produções artísticas e literárias, incluindo a pintura paisagista, o desenho etnográfico e o artesanato surgido da implantação da herança ocidental, judaica e cristã em Angola e o seu imaginário, no período colonial, seriam segmentos do cânone colonial.
Enquanto que, por exemplo, a re-apropriação nas artes plásticas da história e das iconografias tradicionais, tanto a ancestral como a colonial, estariam na base do cânone moderno e contemporâneo pós-colonial, que ao contrário dos outros e pelas transformações tecnológicas dos últimos anos, tem uma componente universalista e global bem mais marcada e pode manifestar-se das mais múltiplas formas.
É na dinâmica entre estes diferentes tipos de cânone, nas suas condições de preservação, nos questionamentos a que foram e são constantemente submetidos, bem como nas estratégias de implosão e redefinição de uns e outros que situar-se-iam ou podem surgir, então, alguns dos elementos configuradores do particularismo transcendental da nova estética da Angolanidade.
Tem podido acompanhar a dinâmica actual das artes plásticas angolanas? O que nos pode dizer a respeito dessa dinâmica?
AM - As manifestações da dinâmica actual das artes plásticas angolanas podem ser vistas, ao menos, em quatro contextos fundamentais: em Luanda, lugar em que as iniciativas privada, pública e estatal têm maior peso. Quanto ao que ocorre no interior do país sabemos muito pouco. Há o contexto das diferentes diásporas angolanas e, finalmente, das expressões da ubiquidade da Angolanidade, que podem manifestar-se ali e onde quer que haja um criador que trabalhe com base num substrato cultural colectivo e ou individual que identificaríamos como angolano.
Cada um destes contextos têm especificidades próprias que exigiriam uma análise detalhada, mas eu diria que em Luanda e apesar tanto dos meios financeiros disponíveis - que não são poucos - e do ruído mediático que provocam, as principais iniciativas artísticas privadas, nomeadamente as associadas à chamada Trienal de Arte de Luanda ou em redor do Etona são imaturas e têm sintomas de uma certa “elefantíase”, com toda a certeza por causa do autodidactismo dos primeiros e pela malformação artística dos segundos.
No sector público, refiro-me à intervenção e estímulo das empresas públicas e bancos às artes plásticas, com honrosas excepções e com as limitações que conhecemos, o trabalho de Jorge Gumbe e da ENSA-Seguros de Angola, é um bom exemplo. O que acontece é que não têm uma “política de aquisições” devidamente elaborada que permitiria estarem seguros da qualidade das obras que adquirem e padecem de uma certa tendência a um decorativismo básico e emocional.
Relativamente ao Estado e enquanto não houver um Museu de Arte Contemporânea, é ao Salão Internacional de Exposições que deveria recair a responsabilidade da promoção dos artistas plásticos e outros criadores em Angola e no estrangeiro, mas para tal haveria que independentizá-lo de uma vez por todas do Museu de História Natural, não só porque é assim como funcionava no tempo colonial, mas e sobretudo porque as implicações ideológicas e conceituais disso são melindrosas.
Do interior não falarei, mas da diáspora e dos actores e expressões da ubiquidade da Angolanidade sim, porque devemos reconhecer que pela qualidade do ensino artístico que muitos artistas angolanos adquiriram e adquirem fora do país, no geral, a qualidade formal tende a ser maioritariamente superior, mesmo que as reelaborações conceituais não tanto assim, pelo menos até agora.
Actualmente o movimento artístico, no que a exposições diz respeito, apresenta-se bastante fraco. Qual a causa disso?
AM - Actualmente, o nosso calcanhar de Aquiles é a formação, no geral, e a formação artística em particular, e não é por acaso que o Ministério da Cultura estabeleceu a formação artística como uma das suas prioridades fundamentais. Sem deixar de apoiar e estimular a formação não-formal ou informal, uma educação artística formal, ultra-moderna e adaptada às realidades culturais angolanas é o segredo para que possamos reverter o actual estado das coisas.
Nos programas de estudo, uma atenção especial deve ser dada aos lugares dos discursos e às perspectivas de estudo e análise da história universal das artes, da história da arte africana, tradicional, moderna e contemporânea, de maneira a propiciar a subversão do eurocentrismo e estimular a legimitação das nossas visões endógena e universal, sempre dinâmicas e autocríticas, que obviamente deverão estar ancoradas no particularismo transcendental da Angolanidade.
As artes plásticas em Angola são apreciadas maioritariamente por estrangeiros e uma pequena, muito pequena, elite de angolanos. O que fazer para mudar este quadro?
AM - Acho que aceitar a ideia de que os apreciadores da arte angolana são maioritariamente estrangeiros e uma muita pequena elite de angolanos reflecte uma visão reducionista das dinâmicas de recepção artística, já que uma coisa é apreciar e outra comprar.
Se estivermos a falar só de comprar obras de arte, aí concordo completamente consigo. Mas, no que à apreciação se refere, a questão é muito mais complexa e a experiência me diz que não devemos subestimar a capacidade que têm todos os seres humanos de lidar naturalmente com o belo.
No entanto, criação e a apreciação artística são, passe a expressão, reversos de uma mesma moeda. Para uma coisa e para outra, a educação artística tem um papel relevante a desempenhar e, por exemplo, ao contrário do que muitos pensam, a longo prazo, a disciplina de “Apreciação da arte e da cultura” pode e deve ser ministrada em todos os níveis de ensino.
É verdade que, neste momento, esta é uma sugestão que nem o Estado, nem ninguém estaria em condições de aplicar, mas a experiência cubana neste sentido é pioneira e, em três gerações, poder-se-iam formar formadores e ir sentando as bases do surgimento de gente artística e culturalmente mais cultivada.
Nos anos 80 e em parte dos 90 houve um grande entusiasmo à volta das artes plásticas, que então terão estado muito próximo da massificação, no sentido em que era praticada e apreciada por um grande número de pessoas. Hoje isso já não se verifica. O tempo terá finalmente acabado por fazer a depuração, fazendo permanecer no activo apenas os melhores?
AM - Em parte podes ter razão, mas penso que não podemos analisar o lugar das artes plásticas fora do contexto geral das transformações sociais, políticas, económicas e, no geral, simbólico-expressivas verificadas em Angola.
A diferença com os anos 80/90, certamente, tem a ver com a incorporação dos circuitos e actores da artes plásticas na lógica da economia de mercado, como nunca antes se tinha verificado. Hoje a depuração é ditada pela capacidade de influência e adaptação dos criadores ao mercado angolano e isso, como sabemos, obedece a uma lógica que é completamente extra-artística.
O que é certo é que os melhores tenderão com certeza a sobreviver e mesmo a desenvolver-se e aí, então, poderão viver exclusivamente da arte e propiciarão o surgimento do artista próspero e não do “aparente pobre” como aconteceu, em Angola, em todo o século XX.
Quais são as grandes referências actuais, em termos de nomes e tendências, das artes plásticas angolanas?
AM - Como fiz questão de sublinhar no livro de ensaios que acabo de publicar, um ambiente trepidante e libertário parece ter-se apoderado do melhor e do mais polémico da arte contemporânea angolana: António Ole, Miguel Petchosky, Franck Lundangi, Yonamine Miguel, Helga Gambôa, Van, Chikukuango Cuxima Zwa, Osvaldo da Fonseca, Álvaro Macieira, Nelson Costa e Nástio Mosquito, nas artes visuais e plásticas, estão na vanguarda de algumas das mais interessantes propostas estéticas e experimentações do momento.
O que esteve na génese do livro “Made in Angola: Arte Contemporânea, Artistas e Debates”?
AM - Dois quadros, o “Animal Ferido” (1985) de António Ole e “Paz” (2005) de Franck Lundangi, marcam diferentes etapas do meu interesse pela arte contemporânea angolana, seus artistas e debates. Por isso, decidi reunir trinta e cinco ensaios, incluindo análises críticas da obra de mais de quinze artistas plásticos angolanos e uma dezena de artistas africanos, sem deixar de fazer uma abordagem interdisciplinar a propósito das relações entre a arte e a economia, a arte e a literatura e a arte e a ecologia, só para citar três exemplos e, também, incluindo um capítulo sobre cinema angolano, ressaltando essas novas imagens da Angolanidade.
Portanto, este livro espelha essa etapa do meu trabalho como historiador de arte e tento explicar em pormenor que as manifestações do particularismo transcendental da Angolanidade, nas artes plásticas, são o resultado de permanentes disputas e transfigurações simbólicas, iconográficas e expressivas com uma importância crucial na construção da nossa identidade e imagem colectiva.
Nota-se que este livro, para além da abordagem objectiva que procura fazer dos artistas e suas obras, está mesclado com episódios autobiográficos, relacionados precisamente com a sua interacção pessoal com os artistas. Em que medida o juízo de valor que faz da obra deste ou aquele artista não estará determinado pela qualidade do relacionamento pessoal com os mesmos?
AM - A crítica de arte tal e qual como a entendo é um exercício de rigor, que começa no atelier do artista, antes mesmo que a obra que esteja a ser realizada, terminada ou do dia da vernissage da exposição. Interessa-me essa fruição primária com o criador, com o contexto que o envolve, porque creio que este tem componentes que, de uma forma ou de outra, ajudam-me a decifrar as obras que realizam. A maior parte dos artistas de cujas exposições eu fui comissário sabem que há níveis de exigências impostos por mim à partida. E como disse a Ana Maria Faria no dia da apresentação do livro, gosto mesmo – a expressão é dela - do “underground luandense”.
Numa comunicação que apresentou em Luanda no ano passado, disse que em Angola existem “certas capelinhas de legitimação que tendem a construir um espaço hegemónico”. Pode ser mais expansivo a respeito disso?
AM - Naquela comunicação, que aparece como conclusão no livro, eu fiz uma radiografia da arte contemporânea angolana actual e fazia alusão às consequências nefastas da posição hegemónica do promotor artístico Fernando Alvim ( e de quem inadvertidamente o apoia) para o meio artístico caluanda e para a imagem internacional das artes plásticas angolanas, como de resto, assim o foi também há quando da anterior Bienal de Veneza.. É evidente que a Trienal de Arte de Luanda deve existir, mas como defendemos desde o primeiro momento, não de qualquer maneira, porque senão ela terá um efeito culturalmente reaccionário e contrário aos objectivos que os seus organizadores apregoam.
Qual o efeito da globalização nas artes plásticas africanas, em geral, e angolanas, em particular? Ganha-se ou perde-se com a maior inserção das nossas artes e artistas no contexto universal?
AM - Se pudermos estar inseridos na dinâmica dos circuitos internacionais de arte mas atentos às armadilhas da globalização, especificamente do seu efeito homogeneizador, e também às manifestações do universalismo eurocêntrico, então, só poderemos ganhar. É verdade que actualmente há uma forte pressão dos meios universitários em favor do surgimento de circuitos alternativos aos existentes, uma vez que estes revelaram-se exclusivistas, artisticamente seguidista e alguns até mesmo corruptos e carentes de honestidade e consistência intelectual.
Portanto, creio que o segredo estaria em não cairmos na tentação do efémero, da fama oca e insubstancial e apostarmos mesmo pela formação, promover exposições e debates sem preconceitos de nenhum tipo, consolidarmos os mecanismos de auto-referencialização artística através de estudos monográficos – e revistas de arte - bem como preocuparmo-nos mais pelo fortalecimento tanto das instituições do Estado, no domínio específico da educação artística e da crítica de arte, como do incipiente circuito de arte, melhorando ou criando mesmo uma legislação que seja vantajosa para todos e cada um dos intervenientes do circuito. E, claro, só assim é que poderemos reivindicar, em Luanda ou em qualquer parte do mundo, o particularismo transcendental da Angolanidade e dialogar, em pé de igualdade, com os outros.
Sabemos que formou-se em Cuba, para onde foi muito novo. Que idade tinha na altura? Pode dizer-nos das circunstâncias em que foi parar a Cuba, em 1979?
Adriano Mixinge (AM) - Eu tinha onze anos quando fui acompanhar a minha irmã São a uma das sedes da Organização dos Pioneiros Angolanos (O.P.A.), ali no bairro Miramar, porque ela tinha sido seleccionada para ir estudar a Cuba.
A minha irmã tinha na altura treze anos e tinha um certo ascendente sobre mim. Fomos entregar as suas fichas de inscrição e a Camarada Vivi – Vicência de Brito - ao ver-me todo atento àquela démarche da minha irmã perguntou-me se eu, todo pequeno, não estava interessado em ir, também. Eu aceitei logo, mas a Camarada Vivi disse que eu tinha que ter o consentimento dos meus pais, coisa que veio a acontecer pouco depois.
A minha mãe diz que no dia da viagem, era tanta a minha ansiedade em ir que saí de casa com parte da roupa, que entretanto ela tinha lavado na véspera, ainda húmida. Acompanhar a minha irmã naquele dia provocou a primeira grande viagem da minha vida.
Como era o ambiente na Ilha da Juventude? As preocupações dos estudantes resumiam-se aos estudos? Acompanhavam o desenrolar da vida em Angola, nomeadamente o curso da guerra?
AM - Para um menino da minha idade, o ambiente da Ilha da Juventude era paradisíaco: viver, estudar e trabalhar naqueles internatos, em que os dormitórios, as salas de aulas e a biblioteca, bem como os campos de cultivos - cítricos, fundamentalmente, mas também mandioca ou mamão, por exemplo - estão num perímetro restrito e bem delimitado, deu-me a maior segurança que podia ter para conjugar o estudo e o trabalho, algo que sabíamos Che Guevara defendeu que estaria na base da formação do Homem Novo.
Unido aos estudos e ao trabalho, sempre estiveram também o desporto e a cultura. Nos primeiros anos, a dança popular e a literatura, ou mais concretamente, a poesia engagé. As danças populares a que me referido são mesmo as de salão, já que aos fins de semana podíamos organizá-las, no “Passeio Central”, que era a vitrina em que os melhores bailarinos exibiam-se prazenteiramente e onde surgiram casais, muitos dos quais ainda continuam juntos.
Em 1979, a Internet ainda não existia e/ou a era digital era uma invenção militar muito longe de massificar-se. Assim acompanhávamos pouco o desenrolar da vida em Angola e aos onze anos, e certamente pela distância, eu via a guerra como se fosse um fantasma igualzinho ao cambungú.
Acredito que para os adolescentes que ali estavam a percepção era diferente, mas para o menino de onze anos que eu era, a guerra era um assunto que não entrava dentro das preocupações imediatas: os meus amigos e eu, o que queríamos mesmo era ir procurar frutas das montanhas, para melhorar a nossa dieta alimentar que era quase franciscana.
Depois da Ilha da Juventude ingressou na Universidade de Havana, onde se formou em História da Arte. Mas o seu interesse pela arte é certamente anterior à sua ida para a Universidade. Chegou a praticar antes algum género artístico?
AM - O meu interesse pela Arte não foi anterior a universidade. Eu nem queria estudar Arte: eu fiz os meus estudos pré-universitarios a pensar que iria estudar engenharia, mas vários incidentes na altura do encaminhamento provocaram que tal não acontecesse. Mas os Dários, o Dário Olavo e o Dário Van-Dunem, dois dos meus melhores amigos na época, eram leitores viciados e, então, com eles, comecei o meu primeiro ciclo de leituras, muito básicas – de Corín Tellado a Mário Puzo - como alguns meninos, eu também começaria a coleccionar selos.
Se antes mesmo de entrar da universidade, desinteressei-me por enriquecer aquele embrião de colecção filatélica, o mesmo não aconteceu com a leitura, esse é um hobby que viria a converter-se em profissão e acompanhar-me sempre: Thomas Mann, Marcel Proust, Milan Kundera, Vicente Huidobro, William Faulkner e Umberto Eco, entre outros, foram alimentando o fim da minha adolescência .
Excepto por um certo cuidado com a caligrafia, algo que vem do meu pai, não pratiquei nenhum género artístico até ter passado as provas de aptidão para a Faculdade de Educação Artística, do Instituto Superior Pedagógico “Enrique José Varona”, no bairro de Marianao, em Havana: os professores disseram-me que eu tinha possibilidade de desenvolverem-me, mas desenhar e pintar vieram a revelar que não eram mesmo o meu forte.
Qual é o panorama artístico que encontrou em Angola, após o seu regresso? Nessa altura quais foram os artistas que mais o impressionaram, tanto pela sua obra como pelo contacto pessoal?
AM - Depois de terminar a Licenciatura, eu regressei a Luanda, a 8 de Maio de 1993. Dois dias depois, no dia 10 de Maio, o Viteix morreria. Mesmo sem o conhecer pessoalmente a sua morte abalou-me profundamente.
Mas, o panorama artístico era e em parte ainda continua a ser muito confuso, porque pelas reminiscências da ideologia totalitária dos anos em que travestimos à nossa maneira a ideologia marxista e fizemos fragmentários ensaios de socialismo. De uma maneira muito estendida, no país, as artes e a literatura costumam ser meios para atingir fins políticos e não o lugar em que a curiosidade e a inquietação criativa e intelectual se auto-satisfaz, produzindo uma ordem vital, comportamentos e uma moral tendencialmente elevada dos criadores e dos que interagem com as obras artísticas e literárias.
Datam daqueles anos os meus primeiros encontros pessoais com alguns escritores escritores já consagrados, Uanhenga Xitu e Pepetela, por exemplo. Outros na “bela flor da idade” como o Sílvio Peixoto, o José Luís Mendonça e o João Melo. Ou ainda aqueles que depois descolariam como o Fernando Kafukeno e a Amélia Dalomba.
Mas, naqueles anos, tiveram um efeito muito estimulante em mim a releitura de “Apuros de Vigília” de Luís Kandjimbo, a leitura de “Ana Manda, os filhos da rede”, o ensaio e tese de doutoramento de Ruy Duarte de Carvalho, e pouco depois, “O feitiço da Rama de Abóbora” de Tchikakata Mbalundu e o início da minha amizade com a Ana Maria Faria, que poria o tom inconformista e crítico, no embrião de sociedade civil, tudo isso no panorama literário e das ideias.
Especificamente, no âmbito das artes, e porque fui mostrar-lhe o capítulo da minha tese de licenciatura dedicado a obra dele dos anos 80, o António Ole ia preparando a sua exposição “Margem da Zona Limite”, que viria a acontecer em finais de 1994 e, apesar dessa coisa de (re)apropriar-se (ou imitar) modus de fazer de Jean-Michel Basquiat, o artista plástico Fernando Alvim ia animando os meios artísticos e foi por estes anos que tivemos o nosso primeiro contacto frente a galeria Humbihumbi, do Tirso de Amaral.
Já agora, quais são os traços identitários das artes plásticas angolanas?
AM - As artes plásticas angolanas são um compêndio de múltiplos cânones estéticos que, falando de uma forma muito esquemática, situar-se-iam, por exemplo, nas pinturas rupestres de Tchitundo Hulo, Virei e noutras estações arqueológicas do Sudoeste de Angola, na estatuária e na escultura, na cerâmica ou no têxtil Kongo, Cokwé e Umbundu, entre outras culturas tradicionais de Angola. Estas seriam as bases constituintes de um cânone milenário, ancestral e pré-colonial.
A estética da arquitectura das fortalezas e das igrejas cristãs de Angola, construídas entre os séculos XVI/XIX, o urbanismo e a arquitectura das cidades, bem como as produções artísticas e literárias, incluindo a pintura paisagista, o desenho etnográfico e o artesanato surgido da implantação da herança ocidental, judaica e cristã em Angola e o seu imaginário, no período colonial, seriam segmentos do cânone colonial.
Enquanto que, por exemplo, a re-apropriação nas artes plásticas da história e das iconografias tradicionais, tanto a ancestral como a colonial, estariam na base do cânone moderno e contemporâneo pós-colonial, que ao contrário dos outros e pelas transformações tecnológicas dos últimos anos, tem uma componente universalista e global bem mais marcada e pode manifestar-se das mais múltiplas formas.
É na dinâmica entre estes diferentes tipos de cânone, nas suas condições de preservação, nos questionamentos a que foram e são constantemente submetidos, bem como nas estratégias de implosão e redefinição de uns e outros que situar-se-iam ou podem surgir, então, alguns dos elementos configuradores do particularismo transcendental da nova estética da Angolanidade.
Tem podido acompanhar a dinâmica actual das artes plásticas angolanas? O que nos pode dizer a respeito dessa dinâmica?
AM - As manifestações da dinâmica actual das artes plásticas angolanas podem ser vistas, ao menos, em quatro contextos fundamentais: em Luanda, lugar em que as iniciativas privada, pública e estatal têm maior peso. Quanto ao que ocorre no interior do país sabemos muito pouco. Há o contexto das diferentes diásporas angolanas e, finalmente, das expressões da ubiquidade da Angolanidade, que podem manifestar-se ali e onde quer que haja um criador que trabalhe com base num substrato cultural colectivo e ou individual que identificaríamos como angolano.
Cada um destes contextos têm especificidades próprias que exigiriam uma análise detalhada, mas eu diria que em Luanda e apesar tanto dos meios financeiros disponíveis - que não são poucos - e do ruído mediático que provocam, as principais iniciativas artísticas privadas, nomeadamente as associadas à chamada Trienal de Arte de Luanda ou em redor do Etona são imaturas e têm sintomas de uma certa “elefantíase”, com toda a certeza por causa do autodidactismo dos primeiros e pela malformação artística dos segundos.
No sector público, refiro-me à intervenção e estímulo das empresas públicas e bancos às artes plásticas, com honrosas excepções e com as limitações que conhecemos, o trabalho de Jorge Gumbe e da ENSA-Seguros de Angola, é um bom exemplo. O que acontece é que não têm uma “política de aquisições” devidamente elaborada que permitiria estarem seguros da qualidade das obras que adquirem e padecem de uma certa tendência a um decorativismo básico e emocional.
Relativamente ao Estado e enquanto não houver um Museu de Arte Contemporânea, é ao Salão Internacional de Exposições que deveria recair a responsabilidade da promoção dos artistas plásticos e outros criadores em Angola e no estrangeiro, mas para tal haveria que independentizá-lo de uma vez por todas do Museu de História Natural, não só porque é assim como funcionava no tempo colonial, mas e sobretudo porque as implicações ideológicas e conceituais disso são melindrosas.
Do interior não falarei, mas da diáspora e dos actores e expressões da ubiquidade da Angolanidade sim, porque devemos reconhecer que pela qualidade do ensino artístico que muitos artistas angolanos adquiriram e adquirem fora do país, no geral, a qualidade formal tende a ser maioritariamente superior, mesmo que as reelaborações conceituais não tanto assim, pelo menos até agora.
Actualmente o movimento artístico, no que a exposições diz respeito, apresenta-se bastante fraco. Qual a causa disso?
AM - Actualmente, o nosso calcanhar de Aquiles é a formação, no geral, e a formação artística em particular, e não é por acaso que o Ministério da Cultura estabeleceu a formação artística como uma das suas prioridades fundamentais. Sem deixar de apoiar e estimular a formação não-formal ou informal, uma educação artística formal, ultra-moderna e adaptada às realidades culturais angolanas é o segredo para que possamos reverter o actual estado das coisas.
Nos programas de estudo, uma atenção especial deve ser dada aos lugares dos discursos e às perspectivas de estudo e análise da história universal das artes, da história da arte africana, tradicional, moderna e contemporânea, de maneira a propiciar a subversão do eurocentrismo e estimular a legimitação das nossas visões endógena e universal, sempre dinâmicas e autocríticas, que obviamente deverão estar ancoradas no particularismo transcendental da Angolanidade.
As artes plásticas em Angola são apreciadas maioritariamente por estrangeiros e uma pequena, muito pequena, elite de angolanos. O que fazer para mudar este quadro?
AM - Acho que aceitar a ideia de que os apreciadores da arte angolana são maioritariamente estrangeiros e uma muita pequena elite de angolanos reflecte uma visão reducionista das dinâmicas de recepção artística, já que uma coisa é apreciar e outra comprar.
Se estivermos a falar só de comprar obras de arte, aí concordo completamente consigo. Mas, no que à apreciação se refere, a questão é muito mais complexa e a experiência me diz que não devemos subestimar a capacidade que têm todos os seres humanos de lidar naturalmente com o belo.
No entanto, criação e a apreciação artística são, passe a expressão, reversos de uma mesma moeda. Para uma coisa e para outra, a educação artística tem um papel relevante a desempenhar e, por exemplo, ao contrário do que muitos pensam, a longo prazo, a disciplina de “Apreciação da arte e da cultura” pode e deve ser ministrada em todos os níveis de ensino.
É verdade que, neste momento, esta é uma sugestão que nem o Estado, nem ninguém estaria em condições de aplicar, mas a experiência cubana neste sentido é pioneira e, em três gerações, poder-se-iam formar formadores e ir sentando as bases do surgimento de gente artística e culturalmente mais cultivada.
Nos anos 80 e em parte dos 90 houve um grande entusiasmo à volta das artes plásticas, que então terão estado muito próximo da massificação, no sentido em que era praticada e apreciada por um grande número de pessoas. Hoje isso já não se verifica. O tempo terá finalmente acabado por fazer a depuração, fazendo permanecer no activo apenas os melhores?
AM - Em parte podes ter razão, mas penso que não podemos analisar o lugar das artes plásticas fora do contexto geral das transformações sociais, políticas, económicas e, no geral, simbólico-expressivas verificadas em Angola.
A diferença com os anos 80/90, certamente, tem a ver com a incorporação dos circuitos e actores da artes plásticas na lógica da economia de mercado, como nunca antes se tinha verificado. Hoje a depuração é ditada pela capacidade de influência e adaptação dos criadores ao mercado angolano e isso, como sabemos, obedece a uma lógica que é completamente extra-artística.
O que é certo é que os melhores tenderão com certeza a sobreviver e mesmo a desenvolver-se e aí, então, poderão viver exclusivamente da arte e propiciarão o surgimento do artista próspero e não do “aparente pobre” como aconteceu, em Angola, em todo o século XX.
Quais são as grandes referências actuais, em termos de nomes e tendências, das artes plásticas angolanas?
AM - Como fiz questão de sublinhar no livro de ensaios que acabo de publicar, um ambiente trepidante e libertário parece ter-se apoderado do melhor e do mais polémico da arte contemporânea angolana: António Ole, Miguel Petchosky, Franck Lundangi, Yonamine Miguel, Helga Gambôa, Van, Chikukuango Cuxima Zwa, Osvaldo da Fonseca, Álvaro Macieira, Nelson Costa e Nástio Mosquito, nas artes visuais e plásticas, estão na vanguarda de algumas das mais interessantes propostas estéticas e experimentações do momento.
O que esteve na génese do livro “Made in Angola: Arte Contemporânea, Artistas e Debates”?
AM - Dois quadros, o “Animal Ferido” (1985) de António Ole e “Paz” (2005) de Franck Lundangi, marcam diferentes etapas do meu interesse pela arte contemporânea angolana, seus artistas e debates. Por isso, decidi reunir trinta e cinco ensaios, incluindo análises críticas da obra de mais de quinze artistas plásticos angolanos e uma dezena de artistas africanos, sem deixar de fazer uma abordagem interdisciplinar a propósito das relações entre a arte e a economia, a arte e a literatura e a arte e a ecologia, só para citar três exemplos e, também, incluindo um capítulo sobre cinema angolano, ressaltando essas novas imagens da Angolanidade.
Portanto, este livro espelha essa etapa do meu trabalho como historiador de arte e tento explicar em pormenor que as manifestações do particularismo transcendental da Angolanidade, nas artes plásticas, são o resultado de permanentes disputas e transfigurações simbólicas, iconográficas e expressivas com uma importância crucial na construção da nossa identidade e imagem colectiva.
Nota-se que este livro, para além da abordagem objectiva que procura fazer dos artistas e suas obras, está mesclado com episódios autobiográficos, relacionados precisamente com a sua interacção pessoal com os artistas. Em que medida o juízo de valor que faz da obra deste ou aquele artista não estará determinado pela qualidade do relacionamento pessoal com os mesmos?
AM - A crítica de arte tal e qual como a entendo é um exercício de rigor, que começa no atelier do artista, antes mesmo que a obra que esteja a ser realizada, terminada ou do dia da vernissage da exposição. Interessa-me essa fruição primária com o criador, com o contexto que o envolve, porque creio que este tem componentes que, de uma forma ou de outra, ajudam-me a decifrar as obras que realizam. A maior parte dos artistas de cujas exposições eu fui comissário sabem que há níveis de exigências impostos por mim à partida. E como disse a Ana Maria Faria no dia da apresentação do livro, gosto mesmo – a expressão é dela - do “underground luandense”.
Numa comunicação que apresentou em Luanda no ano passado, disse que em Angola existem “certas capelinhas de legitimação que tendem a construir um espaço hegemónico”. Pode ser mais expansivo a respeito disso?
AM - Naquela comunicação, que aparece como conclusão no livro, eu fiz uma radiografia da arte contemporânea angolana actual e fazia alusão às consequências nefastas da posição hegemónica do promotor artístico Fernando Alvim ( e de quem inadvertidamente o apoia) para o meio artístico caluanda e para a imagem internacional das artes plásticas angolanas, como de resto, assim o foi também há quando da anterior Bienal de Veneza.. É evidente que a Trienal de Arte de Luanda deve existir, mas como defendemos desde o primeiro momento, não de qualquer maneira, porque senão ela terá um efeito culturalmente reaccionário e contrário aos objectivos que os seus organizadores apregoam.
Qual o efeito da globalização nas artes plásticas africanas, em geral, e angolanas, em particular? Ganha-se ou perde-se com a maior inserção das nossas artes e artistas no contexto universal?
AM - Se pudermos estar inseridos na dinâmica dos circuitos internacionais de arte mas atentos às armadilhas da globalização, especificamente do seu efeito homogeneizador, e também às manifestações do universalismo eurocêntrico, então, só poderemos ganhar. É verdade que actualmente há uma forte pressão dos meios universitários em favor do surgimento de circuitos alternativos aos existentes, uma vez que estes revelaram-se exclusivistas, artisticamente seguidista e alguns até mesmo corruptos e carentes de honestidade e consistência intelectual.
Portanto, creio que o segredo estaria em não cairmos na tentação do efémero, da fama oca e insubstancial e apostarmos mesmo pela formação, promover exposições e debates sem preconceitos de nenhum tipo, consolidarmos os mecanismos de auto-referencialização artística através de estudos monográficos – e revistas de arte - bem como preocuparmo-nos mais pelo fortalecimento tanto das instituições do Estado, no domínio específico da educação artística e da crítica de arte, como do incipiente circuito de arte, melhorando ou criando mesmo uma legislação que seja vantajosa para todos e cada um dos intervenientes do circuito. E, claro, só assim é que poderemos reivindicar, em Luanda ou em qualquer parte do mundo, o particularismo transcendental da Angolanidade e dialogar, em pé de igualdade, com os outros.
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