domingo, 23 de agosto de 2009

Onça ataca agente da Polícia Nacional


Uma história real, vivida no Golungo Alto

ISAQUIEL CORI

António Jacinto, poeta de fina verve e dono de uma prosa de estilo intenso e arrebatador, em alguns momentos da sua obra narrou, com a imaginação que lhe era própria, aspectos da rica tradição oral da sua região natal, Golungo Alto. Lembram-se das fábulas de Sange? Ou ainda de marcos geográficos e toponímicos, presentes na sua obra, como Kiaposse e Cambondo?
Terra de agricultores e também de caçadores, Golungo Alto, para lá da realidade do dia a dia, também possui uma dimensão mítica que repousa na memória dos seus filhos (leia-se “Mário Pinto de Andrade – Uma Entrevista”, de Michel Laban) e no imaginário literário de escritores como o referido António Jacinto ou Manuel Pedro Pacavira.
Foi a partir do centro do quotidiano golunguense, num animado almoço em casa do administrador municipal “Toy Nené”, que de repente tivemos a percepção aguda e vivida da dimensão mítica de Golungo Alto e do quanto o mito na verdade pode traduzir e até mesmo confundir-se com a realidade, e vice-versa. Simpático e afável, “Toy Nené” contou a história real do agente Diogo Kimbango, que foi atacado por uma onça no dia 10 de Novembro de 2004.
Narrada pelo administrador municipal do Golungo Alto, a história reza assim: “Uma onça caiu numa armadilha montada pelo caçador Manuel Kimbango, pai do agente da Polícia Nacional Diogo Kimbango. O caçador depara-se com a inusitada presa e vai a correr chamar o filho. Este pega numa arma e, na companhia de outros familiares, dirige-se ao local da armadilha. A onça, entretanto, safara-se da armadilha e como que propositadamente monta uma emboscada aos caçadores. Deixa passar (atente-se ao verbo) todos os que iam desarmados e ataca precisamente Diogo Kimbango, o único armado. Atira o agente e a sua arma para bem longe e logo a seguir investe contra o pai, Manuel Kimbango. Corajosamente, Diogo, bastante ferido, arrasta-se até à arma e dispara três vezes contra o animal, que morre”.
Para dar mais realce à história e como que para acabar com quaisquer restos de dúvida, “Toy Nené” providencialmente saca de um conjunto de fotos onde aparecem Manuel e Diogo Kimbango, cheios de ferimentos e ligaduras, triunfalmente a guarnecerem o corpo sem vida da onça.
Curiosos, constatamos que na verdade essa história correra e dominara Golungo Alto inteiro, da Cêrca a Kilombo Kiaputo, e de Sange a Cambondo. E ainda da Cacanga a Cabinda do Golungo. Era evidente que tínhamos de conhecer os heróis da história. Infelizmente o agente Diogo Kimbango ausentara-se de Sange, a capital do município, mas conseguimos chegar à fala com o pai.
Manuel Kimbango é um homem franzino que logo à primeira vista chocou-nos por contrariar a imagem agigantada que dele idealizáramos. Na cabeça e no pescoço apresentava grosseiras cicatrizes, a prova do quão perto estivera da morte. Com mal escondido orgulho e de modo muito “saboroso” contou-nos a sua versão da história.
“Quando fui ver a armadilha encontrei lá o “homem”. Saí a correr e fui buscar o meu filho Diogo. O Diogo disse que ia buscar mais polícias no Comando. Eu regressei para o sítio da armadilha e vi que o “homem” continuava lá sentado. Voltei a sair ao encontro do meu filho, até que ele chegou, já armado. Fomos ter com o “homem” mas ele já não estava no mesmo sítio. Tinha se escondido debaixo de uma palmeira. O “homem” atacou o Diogo, lhe arrumou no chão, lhe recebeu e deitou fora a arma. Os dois começaram a lutar no chão e o Diogo gritou: “Pai, vem me ajudar, eu assim mesmo já morri”. Eu fui a correr com a catana e lhe dei (ao “homem”, entenda-se, a onça) duas catanadas. Ao lhe dar a terceira catanada me recebeu e deitou fora a catana. Então começamos a lutar mão a mão. Ele me engatou na cabeça e eu disse: “Pronto, já morri!”. O Diogo afinal tinha se arrastado até junto da arma e disparou contra o “homem”: “Pum, pum, pum!”. O “homem” morreu e pronto, largou a minha cabeça. Lhe levamos até ao Comando Municipal da Polícia e daí nós fomos levados para o hospital.”
Quanto ao resto da história, os bravos golunguenses, pai e filho, viriam a saber já no leito hospitalar. Os sobas da região, ante o insólito facto, oficiaram um ritual tradicional e o administrador municipal fez uma exortação à população. A onça transformou-se em comida, depois de algumas providências especiais: o bigode, considerado veneno letal, foi queimado; os dentes foram oferecidos como relíquias ao comandante municipal da polícia e ao administrador municipal; a pele está a ser conservada.
Manuel e Diogo Kimbango, protagonistas de uma história bem real, correm o risco de se tornarem personagens lendários...

 

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