segunda-feira, 11 de junho de 2012

Professora Carmen Tindó: Encantada pela magia das letras africanas


Isaquiel Cori

Carmen Tindó, professora de Literaturas Africanas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), esteve recentemente em Luanda, onde apresentou o novo romance de Manuel Rui, “Travessia por Imagem”, a convite da Editora Kilombelombe, e assistiu ao lançamento do Jornal Cultura. Já de regresso ao Brasil, ela respondeu a algumas questões colocadas por este jornal, enviadas por e-mail.


Jornal Cultura - O que nos pode dizer do estado actual dos estudos universitários no Brasil, em geral, e na UFRJ, em particular, a respeito da literatura dos países africanos de língua portuguesa?
Carmen Tindó - Há, na UFRJ e em muitas outras universidades brasileiras, grande interesse pelos estudos literários e históricos acerca do continente africano, especialmente sobre Angola, Cabo Verde, Moçambique, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe. Creio que por serem os países de África que têm o português como uma de suas línguas. Lecciono há 19 anos as Literaturas Africanas na UFRJ e o interesse veio crescendo a cada ano, tendo aumentado com a Lei 10.639, criada pelo Presidente Lula, que exige a obrigatoriedade do ensino das culturas africanas e afro-brasileiras em todos os níveis de ensino e em todo o território brasileiro. Quando implantei, na UFRJ, o Setor de Literaturas Africanas em 1993, quase nenhum aluno ouvira falar dessas literaturas. Hoje, só na UFRJ, há mais de 30 teses e dissertações sobre as letras africanas, especialmente sobre autores angolanos: Pepetela, Luandino Vieira, Paula Tavares, Ondjaki, Boaventura Cardoso, Manuel Rui, Uanhenga Xitu, Ruy Duarte de Carvalho, João Melo, João Maimona, Agualusa, Arnaldo Santos, entre outros. Nas demais universidades brasileiras, há também diversas teses e dissertações, cujos autores angolanos estudados são, quase sempre, os mesmos que acabei de mencionar.
JC - Que autores e livros de Angola e dos países africanos de língua portuguesa mais têm chamado a atenção da comunidade académica brasileira?
CT - Na maioria, os editados no Brasil e em Portugal. São os autores angolanos que referi na resposta anterior. Também são autores moçambicanos, como Mia Couto, Paulina Chiziane, Craveirinha, entre outros. Os livros de Mia Couto, Pepetela, Ondjaki e Agualusa são muito procurados. Os da Paulina Chiziane também. Alguns textos já são clássicos: Luuanda, do Luandino Vieira; os contos de Jofre Rocha, falando dos musseques; os de Arnaldo Santos, focalizando o Kinaxixi; “A morte do velho Kipacaça”, de Boaventura Cardoso; Quem me dera ser onda, de Manuel Rui; Mayombe, de Pepetela e muitas outras obras. Paula Tavares teve toda a sua poesia publicada, em 2011, no Brasil. Antologias poéticas também saíram, reunindo poemas de José Craveirinha, Rui Knopfli, Luís Carlos Patraquim. As obras inteiras de Mia Couto e Pepetela estão sendo publicadas no Brasil. Isso é importantíssimo, pois são mais lidos os escritores editados no Brasil, em virtude de os livros saírem mais baratos.
JC - As obras de autores africanos de língua portuguesa, no Brasil, circulam apenas nos círculos universitários, por exigência curricular, ou tendem a ganhar também espaços nas livrarias e na imprensa?
CT - Em geral, a maioria dessas obras referidas só circula nos meios universitários. Na imprensa e nas livrarias, costumam aparecer: Mia Couto, Pepetela, Paulina Chiziane, Ondjaki, Agualusa. Paula Tavares começa a ser veiculada, depois de ter a obra poética reunida numa antologia publicada no Brasil pela Editora Pallas. O mesmo ocorre com as antologias dos poetas moçambicanos Craveirinha, Knopfli e Patraquim, editadas em Belo Horizonte. 
JC -    Nas obras de autores angolanos, o que mais interessa aos  leitores brasileiros?
CT - A reinvenção de mitos, tradições e a revisitação da história angolana pela ficção; o papel da mulher angolana nas sociedades tradicionais e na modernidade; o humor como crítica social. Obras como Jaime Bunda, do Pepetela; Filhos da pátria, de João Melo; Quem me dera ser onda, do Manuel Rui, entre outras, agradam muito, pois apresentam um riso que satiriza aspectos da sociedade angolana, alguns dos quais podem ser associados a determinadas situações ocorridas em contextos sociais brasileiros.
JC  - Tem uma ideia,  nem que seja aproximada, de quantas teses de licenciatura (graduação) e doutoramento, tendo como tema a literatura dos países africanos de língua portuguesa, foram produzidas, nos últimos anos, nas universidades brasileiras e, particularmente, na  UFRJ?
CT - Como respondi na primeira pergunta, na UFRJ, temos cerca de 30 teses e dissertações. A UFF deve ter também umas 30; a USP deve ter mais de 50; em todo o Brasil deve haver já umas 200. No portal da CAPES, órgão brasileiro de fomento e apoio à pesquisa universitária, as teses e dissertações de todo o Brasil são digitalizadas na íntegra para serem consultadas pelo público brasileiro e internacional. O endereço desse site é: http://capes.gov.br/avaliacao/cadastro-de-discentes/teses-e-dissertacoes
JC - Particularizando: o que a levou a dedicar-se profissionalmente ao estudo e ensino da literatura angolana, em particular, e africana, em geral?
CT - Eu sempre gostei de literatura, mas leccionava língua portuguesa e literatura brasileira. Quando soube que a UFRJ abriria concurso para Professor das Literaturas Africanas, resolvi estudar e fazer as provas. Eu tinha muitos livros, pois, quando fora a Cuba, comprara. Uma colega, casada com um engenheiro português que trabalhava em Luanda, sempre que voltava de Angola, me trazia variados livros; muitas obras eu também tinha adquirido quando viajara a Lisboa. Autores como Luandino Vieira, Mia Couto, Pepetela, Manuel Rui, Paula Tavares e Boaventura Cardoso me mostraram as múltiplas possibilidades de diálogos com a literatura brasileira. Decidi, então, mergulhar no estudo dessas obras. A qualidade dessas me fez optar por essas letras, cuja magia literária me encantou e me fez abraçar o ensino das literaturas africanas de língua portuguesa, na UFRJ, onde lecciono há 19 anos.
JC - Considera a literatura angolana suficientemente autónoma e adulta?
CT -
Embora a literatura angolana seja ainda recente, considero-a autónoma e adulta, uma vez que já se pode falar em um sistema literário angolano. Sistema no sentido empregado pelo crítico brasileiro António Cândido, quando aborda a formação da literatura brasileira. Nas letras angolanas, depreendem-se movimentos literários, cujas propostas dialogam, algumas vezes se opondo e se ultrapassando, de modo que fundam “gerações”, cuja trajectória delineia o corpo da literatura angolana, um corpo sistêmico que lhe dá um estatuto de maioridade e autonomia. Na minha opinião, nada é suficiente e definitivo. Assim, a literatura angolana está aberta a mudanças, transformações, como as demais  literaturas. Gosto muito da produção literária angolana. Penso que esta, aos poucos, se afirmará, cada vez mais, no Brasil e no mundo.
JC - Na sua última estadia em Luanda, o que mais lhe chamou a atenção?
CT -
O que mais me chamou a atenção foi ver uma preocupação com a cultura. Parabenizo a iniciativa do lançamento do “Jornal Cultura”, que pretende retomar alguns aspectos da antiga Revista Cultura, da qual participaram Luandino Vieira e outros. As muitas obras na cidade de Luanda podem ser, por muitos, consideradas como ícones da paz e da reconstrução nacional na sociedade angolana. Contudo, o desenvolvimento de Angola, a meu ver, tem de priorizar a cultura, as letras, a educação, a saúde e o transporte. Por isso, ao estar presente ao lançamento do “Jornal Cultura” e ao ouvir as propostas deste, fiquei muito bem impressionada, acreditando que será um veículo importante de desenvolvimento cultural em Angola. Também me despertou a atenção a alegria do povo comemorando dez anos de paz; ficou patente que nenhum angolano deseja mais guerras. Outro aspecto que me sensibilizou foi ver a quantidade de amigos que, nestes 19 anos de estudo das literaturas africanas, fiz em Angola.


Carmen Lúcia Tindó R. Secco é doutorada em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e foi responsável pela implantação da disciplina de Literaturas Africanas no
Departamento de Letras Clássicas da mesma universidade.

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