Já em 1858, um eminente pensador, M. De Ponsan, no seu livro “História
Filosófica e Médica da Mulher”, escrevia: a mulher “é um ser multiforme;
autêntica Proteia, muda de aspecto sob os nossos olhos, segundo as paixões que
nos animam: é o céu, é o inferno, é um anjo, um demónio, o dia, a noite, a paz,
a guerra, o amor, o ódio, a beleza, a feieza, uma graça, uma fúria; é sempre
ela, sempre a mesma, sempre una e sempre múltipla: una em relação a ela,
múltipla em relação a nós, cujas paixões são várias. E como é feita para as
nossas paixões, se a quisermos julgar sem paixão escapa-nos, nunca mais a
encontramos”.
Trata-se evidentemente de um olhar e de um discurso masculino sobre a
mulher.
Hoje, em pleno século XXI, a mulher continua a concitar a admiração dos
homens, ao mesmo tempo que continua por eles incompreendida. Ela é um mistério
nunca desvendado, uma fruta saborosa de que se desfruta mas que nunca é
verdadeiramente possuída…
… Cá estamos nós, também, a incorrer nos estereótipos do discurso masculino
sobre a mulher...
Décadas de luta e de conquista dos seus direitos cívicos, políticos,
económicos e sociais, transformaram a mulher hoje num ser dotado de uma visão e
de um discurso próprios.
Cantada na música e na poesia, exaltada nas artes, ela hoje não só canta-se
e exalta-se a si própria, mas também estende o seu olhar em redor e dá corpo a
uma visão própria do mundo, da vida, e até mesmo do homem, a partir de uma
sensibilidade ‘diferente’.
De tal modo que alguns estudiosos da cultura chegam a falar numa música,
numa poesia e numa arte, em geral, ‘feminina’.
A noção de ‘sexo fraco’ há muito deixou de fazer sentido, tal como a noção
implícita de ‘sexo forte’: descobertas científicas atestam realmente a
existência de algumas diferenças fisiológicas e ao nível do funcionamento do
cérebro, entre homens e mulheres, mas nada que aponte para uma pretensa
superioridade de um sexo sobre outro. No fundo essas diferenças resultam tão
somente em sensibilidades e percepções específicas, que definem, afinal, o
homem e a mulher.
Entretanto, a afirmação integral da mulher, em todo o mundo, ainda é uma
meta por alcançar. Apesar de já existir uma numerosa élite de mulheres
competentes, bem formadas técnica e academicamente, elas continuam
essencialmente à margem dos centros de poder e de decisão.
Aqui não se trata já, tão somente, de uma questão de discriminação das
mulheres, mas de uma questão mais global de défice dos direitos humanos, pois
as mulheres constituem mais de 50 por cento da população mundial. E em se
tratando de desenvolvimento humano, nas suas componentes política, económica,
social e cultural, a marginalização das mulheres revela-se absurda e um factor
de entrave para esse mesmo desenvolvimento.
À medida em que mais e mais contingentes de mulheres acederem a níveis de
educação cada vez mais elevados e livrarem-se da pobreza, e à medida, também,
em que mais e mais homens libertarem-se das amarras do preconceito, estamos
certos, a igualdade de género, que será sempre uma meta e nunca um fim em si
mesmo, uma igualdade baseada no justo reconhecimento do mérito e não obtida à
força de discriminação, positiva ou negativa, será uma realidade.
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