ISAQUIEL CORI
A musicalidade de Vum Vum Kamusasadi, artista angolano de
regresso a Angola 45 depois, está muito bem espelhada no CD "Ode aos meus
amores", já em circulação no
mercado luandense.
Muito presente no imaginário das gerações que atingiram a
maioridade no tempo colonial, Vum Vum é pouco conhecido pelas novas gerações de
músicos, compositores e apreciadores da música angolana.
Com onze faixas seleccionadas com rigor e executadas com
os acordes melódicos ora nostálgicos - "Ah! quando eu era garoto",
"Capricho-morena"; ora arrebatadoramente alegres -
"Kibelebeletanxe", do violão que domina a cena do som, "Ode aos
meus amores" é também um tributo à
poesia, ou não constasse dele a canção "Testamento", com letra do
poema homónimo da poetisa Alda Lara, com a inesquecível estrofe inicial: "À prostituta mais nova / Do bairro mais velho e escuro
/ Deixo os meus brincos lavrados / Em cristal, límpido e puro".
Com o propósito de se dar a conhecer a um público novo,
além de reafirmar o seu valor junto dos da sua geração, Vum Vum, a começar já
pelo título do CD, enfatiza o seu lado de cultor da palavra. A sonoridade é
límpida e nela dominam o violão e a voz que canta e se transmuta em
instrumentos musicais.
A infância é revisitada enquanto tempo e espaço de
inocência e liberdade, em contraposição a um tempo "que não sabe que a
vida é poesia para unificar".
A carreira musical de Manuel Rosário das Neves, vulgo Vum-Vum Kamusasadi (nascido
a 31 de Dezembro de 1943, no Dondo) remonta
aos anos 1960, quando atingiu o auge da fama em Angola. Cabeça de cartaz na
boate Tamar, à Ilha de Luanda, durante quase um ano (feito inédito para um
negro num espaço tão segregado) em 1968 parte para Portugal, contratado para
participar num teatro de revista, à época em voga.
Vum-Vum mal sabia que partia para um exílio de 45 anos,
que o levaria a viver também na Suíça e Espanha e, finalmente, na Alemanha e a
calcorrear meia Europa a divulgar a imagem de Angola em espectáculos em que
quase invariavelmente se apresentava descalço e vestido de panos.
"A Alemanha me deu asas, lá fui recebido de braços
abertos", refere, grato pelo ambiente que lhe permitiu dar livre curso à
sua criatividade.
"Toda a minha criatividade artística assenta nos
valores da minha cultura e tradição", diz Vum-Vum. "Eu não preciso
inventar, a minha arte vem do dia-a-dia".
Empenhado numa cruzada de resgate da sua identidade,
Vum-Vum viaja pelos lugares de e da memória e reconhece no Duo Ouro Negro os
pioneiros da internacionalização da musicalidade popular angolana.
Com mente aberta gosta de mergulhar por outras
sonoridades e confessa o fascínio que sente pelo jazz e a música erudita.
Aliás, vestígios dessas sonoridades estão bem patentes no CD "Ode aos meus
amores". Na mesinha de centro da sala em que recebeu a equipa do jornal
Cultura eram bem visíveis os CD de música clássica e do jazzman Thelonius Monk.
A versatilidade artística de Vum-Vum
estende-se para a literatura: publicou em 2011, com chancela da Chá de Caxinde,
a novela "Simplesmente Maria", e tem pronto para publicação os livros
"Kota Luanda" e "Memórias do meu Salalé". Uma peça
dramática sua, "O processo", vai ser encenada ainda este mês de
Novembro pelo grupo teatral Horizonte Nzinga Mbande.
Mas o sonho da sua vida é levar ao palco a
opereta "Salalé! Luanda misoso". As démarches para tal, junto de
instituições de direito, já vêm de longe e Vum-Vum ainda não perdeu a
esperança.
Enquanto isso continua a compor e aonde quer
que vá está quase invariavelmente acompanhado pela Marikota, o seu violão de
ofício e estimação.
Quanto ao cenário musical actual no país o
velho músico não é nada condescendente. Detesta o Kuduro e não o esconde:
"O kuduro não tem pulsação melódica, são palavras atiradas e um ritmo que
apenas serve para as pessoas bambolearem o corpo". Aposta que daqui a dez
anos esse estilo musical "vai desaparecer ou deixará de ter a expressão
que tem hoje, assente sobretudo numa formidável promoção".
"A minha rota é outra", diz,
reafirmando o seu compromisso com os valores tradicionais da cultura angolana.
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