Isaquiel
Cori
O
novo livro de Lopito Feijó, “Desejos de Aminata”, editado pela Nóssomos, em
Portugal, é uma incursão poética e exploratória, com detalhes, pela topografia e
a toponímia do corpo feminino, do desejo carnal, do amor físico, tão profunda e
ousada que chega a ultrapassar os limites convencionais do erótico para ganhar
contornos quase, quase pornográficos.
É
claramente, uma declaração de amor, de devoção total à amada, que passa pela
posse e o desfrute do seu corpo. A intensidade da posse e do desfrute roça o
canibalismo. Em “Voo rasante”:
“No
triângulo viperino / então / este anjo de asas esferovíticas // de mansinho
voando / retorna mítico / à lavoura carnal…”
E
confunde-se com a loucura. No poema “Loucura ou Sinecura”:
“… sonho / impregnado / incondicional / mente
demente”.
Há
toda uma “onda fálica” que atravessa e paira sobre o poemário, com o poeta “digitando
versos / entre as coxas” da amada. Como resultado, o criador acaba por
“(ou)vir-se / na circunscrita extensão / dos secretos territórios!”
Em
“Onda bronzeada” o poeta faz o retrato fotográfico e circunspecto da diva:
Negra
quase encaracolada
semblante
misterioso
pescoço
naturalmente cheiroso
um
único braço
com
mão de mil dedos
peito
com dois seios
e
três mamilos em cada qual
abdómen
boquiaberto
com
sereno botão no umbigo
circundante
malandra cintura circunstante
dois
pares de pernas completas
o
resto logo se vê…
eis
a mulher da minha vida!
Num
mundo em que, com a generalizada estigmatização do machismo e a relativização
acentuada do ser masculino, as sensações, as percepções, são cada vez mais
femininas - como disse o outro, em tom de fatalidade, “a mulher é o futuro do
homem” – e, ainda, em que todo o homem que se preze faz questão de realçar o
seu “lado feminino”, Lopito Feijó traz-nos, com este livro, uma mão cheia de
poemas de um erotismo assumidamente másculo, um olhar sexual do homem sobre a mulher.
Um
olhar de um homem cheio de desejo de possuir a mulher amada, de perder-se nas
curvas, cantos, contracurvas e orifícios da intimidade do seu corpo e de desejo
épico e incontido de sorver os seus fluídos e de fundir-se fisiologicamente com
ela. Em “Conjunção carnal”:
“A
prática das carnes envolve / alguma espiritual ferocidade // sempre que as
minhas carnes penetram / os sagrados orifícios do teu corpo // preenchem o
tempo / em razão de consumistas orgias / e promiscuimos carnes com as nossas
carnes. // Conjugando o verbo renascer / faço-te criatura criadora”.
Os
seus instrumentos do desejo são os dedos tacteantes, o olhar microscópico, a
língua sorvedora e, sobretudo, o falo.
“Fecundos
/ acabamos na húmida tijoleira / quando gemidos entoas ao falo. // Falo do falo
do fogo das falas da fonte do divino / do sémen morninho e do próprio
canibal.” In “Para uma noite feliz”.
Símbolo
da agressividade e da arrogância masculina, o falo, ou o pénis em riste, ao
mesmo tempo que concentra o poder do macho – a capacidade de dar prazer físico
à mulher e de expelir a semente da procriação – é igualmente a sua fraqueza, ou
não fossem cada vez mais numerosos os casos de disfunção eréctil e ejaculação
precoce.
“Desejos
de Aminata” são os cantos de um homem detentor, em pleno, dos seus instrumentos
do desejo e feliz com a sua mulher, a mulher que lhe coube no universo em que
vivemos.
Efectivamente,
a mulher cantada neste poemário não é uma mulher qualquer, simbólica e
impalpável. Os poemas de “Desejos de Aminata” não evocam um amor platónico, com
imagens envoltas em nuvens de fumaça.
A
mulher cantada neste poemário, nada mais, nada menos, é a pessoa física que
atende pelo nome de Aminata Goubel, a companheira e esposa do poeta Lopito
Feijó. Ao escancarar a sua intimidade como o faz, com o melhor da sua
capacidade de criação poética, Lopito Feijó transforma Aminata numa das mais brilhantes
musas das letras angolanas e universais e oferece uma obra em que os leitores
podem espelhar o sentimento, devoção, paixão, amor, que nutrem pela esposa,
namorada, amiga ou companheira.
“Desejos
de Aminata” conta com uma magnífica edição da Nóssomos e inclui ilustrações
ágeis, escorreitas, elas próprias poéticas e sensuais, da autoria de Luandino
Vieira.
João
André da Silva Feijó, o Lopito Feijó, nasceu em Malanje aos 29 de Setembro de
1963. Deputado reformado da Assembleia Nacional, é actualmente poeta a tempo
inteiro. Publicou, entre outros, os livros:
“Doutrina” (poesia, 1987),
“cartas de Amor” (poesia, 1990), “Marcas da Guerra, Percepção Íntima &
Outros Fonemas Doutrinários” (poesia, 2011), “Lex & Cal Doutrina” (poesia,
2012), “Andarilho & Doutrinário” (poesia, 2013).
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