FORTUNA CRÍTICA DO ROMANCE “DIAS DA
NOSSA VIDA”, DE ISAQUIEL CORI (1)
A TEIMOSIA DA ESPERANÇA
Por: Adriano Mixinge
Historiador e Crítico de Arte
A primeira década e meia de paz e prosperidade em Angola
(2002-2015) coincide, também, com anos de relações sociais, económicas e políticas
tensas e conflituosas, próprias de um país que é, ainda, a emanação de uma forte
tradição monopartidária: sem nunca perder a confiança, tenta reerguer-se sobre
as cinzas e a pólvora dos anos de sucessivas e prolongadas guerras, aspira a reestruturar
o seu tecido social, melhorar a sua economia e a educar o cidadão como seu
património mais valioso, preparando-o para enfrentar os desafios do presente e
do futuro.
Com a pacificação e o
crescimento económico notório do país surgiram inúmeras perspectivas de
desenvolvimento, umas prestes a consumar-se, outras somente esboçadas, mas
todas elas estão matizadas pelo optimismo e, também, pelos medos provocados
pelo surgimento da classe média e da burguesia nacional (novos ricos) refém da
corrupção, a emergência de uma sociedade civil consciente, activa e engagée preocupada com a liberdade de expressão,
a distribuição justa da riqueza, a transparência na governação e a consolidação
da democracia.
É neste contexto histórico
amplo e complexo, herdeiro da mais pura tradição literária à volta da esperança assumida como um valor sagrado
que serviu para resistir face ao colonialismo e que, actualmente, é sinal de
rebeldia construtiva e teimosia constante, que transcorre a história do último
romance de Isaquiel Cori: Andrezinho, o menino que, repetindo o destino familiar,
sonha com ser "bufo" e um velho que, enquanto agoniza, vai escrevendo
o diário que lhe faz desejar um mundo melhor são os dois protagonistas que, em "Dias da nossa vida", nos chamam
imediatamente a atenção e nos incitam a ler uma história contada de uma forma cuidada, com
uma escrita contida e eficaz.
Duas
histórias entrelaçadas, uma patética e alucinante, sem deixar de ser real, e a
outra intimista e testemunhal, com uma voz marcadamente transcendente, ambas
narradas através de pequenos episódios ou reflexões que se vão concatenando de
maneira fluída, independentemente da diferença do perfil dos narradores, articulam
este que, a meu ver, é já o romance mais maduro e conseguido de Isaquiel Cori.
"Dias da nossa vida" é um
romance que, pelas histórias que conta, pela maneira e oportunidade dos temas
que aborda e, também, pelo alcance e desfecho que propõe, faz jus ao seu
próprio título. Mas, que história é essa que "Dias da nossa vida" conta? Quais são as personagens que
desfilam no romance? Qual é a principal mensagem do livro?
Uma história
patética e alucinante preocupa Reinaldo:
Andrezinho, o filho, herdeiro de uma
"dinastia de bufos", parece estar a ser influenciado por alguma força
desconhecida, que lhe estaria a induzir a ser agente do serviço de informação.
Mas dois conflitos
permitem contar a história. O primeiro conflito é o que acontece entre Reinaldo
Bartolomeu, o pai de Andrezinho, agente dos Serviços de Informação da República
(SIR), discípulo de Admirável Redondo, e que é homem de campo do Governador
Arlindo Seteko "Não Se Mete", novo rico, "mestre em misturar tudo", que gere a província à sua maneira e
através de expedientes diversos, sempre com recurso ao uso abusivo dos poderes de
que dispõe: eles fariam tudo para abafar
(ou desbaratar) qualquer manifestação de estudantes contestatários liderados
por Armindo Gasolina.
O conflito
secundário, mas não por isso menos importante, é aquele em que se mostra a história de amor e
desafecto que vive Reinaldo Bartolomeu com Rebeca, a esposa, e Ana Flor, a irmã desta, numa tensão sexual
inconclusa e que serve para fazer um
retrato de alguns dos vícios, hábitos, posturas e inclinações de certas famílias
de classe média e da burguesia nacional emergente.
A história
intimista e testemunhal do livro é a do diário de um indivíduo - Lento o chamavam no tempo em que foi
soldado - face ao patetismo e ao compêndio de situações surrealistas vividas,
uma série de histórias que cimentam um desencanto incapaz de asfixiar a
esperança, uma mensagem que, pelo desfecho
das histórias, fica bem patente numa série de interrogações:
"Mas
será a morte, necessariamente, escuridão? Não será um vasto túnel de luz em que
a esperança, teimosa, é um ponto escuro, lá bem no fundo?".
Enfim, o “Não Se Mete”, o “Gasolina”, o “Lento” e as outras personagens
são diferentes protótipos sociais que ajudam a articular as histórias do
romance “Dias da nossa vida”, de Isaquiel Cori, que é, no seu conjunto, um
retrato colectivo da sociedade angolana e coloca o cidadão e a República face
ao espelho das suas vivências e da complexidade da actual situação política,
social e económica.
Madrid, 26/09/2016
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