Campanha eleitoral de "quase quase"
Isaquiel Cori
A campanha para as
eleições presidenciais e legislativas de 31 de Agosto, para mim, deixou uma
sensação de “quase quase”, de algo incompleto, inacabado. Nesse período, os
políticos esgrimem os seus mais profundos argumentos para aliciamento do
eleitorado, chegando ao extremar das posições. Em todo o mundo é nas campanhas
eleitorais que se revelam os instintos mais básicos dos políticos e em que os
seus discursos não escondem ao que vêem e põem mais claramente a nu o seu
destino e vocação: a manutenção ou a conquista do poder.
A campanha eleitoral,
se não chegou a ser ruim, foi morna. Num previsível crescendo, vieram ao de
cima algumas questões que, fora desse período, o bom senso convencionou não
abordar, por ferirem a ainda tão frágil reconciliação nacional. A memória da
guerra, que vem sendo fixada, num meritório esforço de exorcismo, através de
livros de vários autores/actores preocupados em fornecer subsídios aos
historiadores, foi lançada na agenda da campanha por várias formações
políticas. Eu, que julgava que a guerra, não devendo jamais ser esquecida,
transformara-se em mero registo da história e reminiscência tênue na memória de
uma ou duas gerações que os tempos acelerados prematuramente envelheceram,
fiquei assustado. É que na boca dos políticos o tema da guerra tem um enorme potencial de deitar por terra o
edifício reconciliatório que a nação conseguiu construir ao longo dos anos de
paz. Tenho dito aos amigos que têm a paciência de me escutar que a temática da
guerra deve ser entregue aos sociólogos, historiadores, antropólogos,
psicólogos, filósofos e outros académicos, para a dissecarem da mesma forma
como os biólogos matam o seu objecto de estudo para descortinarem o seu modo de
funcionamento interno e assim chegarem a verdades mais gerais. Não mencionei os
escritores e os poetas porque estes há muito mergulharam no interior da guerra
e os seus livros estão aí a interpelar as
nossas consciências e a mostrar a dimensão da loucura colectiva.Voltando à vaca fria. Ainda não foi desta que a campanha eleitoral serviu para unir os angolanos. Os partidos políticos, apesar de se dizerem interessados no voto de todos os angolanos, na prática mostraram-se fundamentalmente sectários, quase inteiramente voltados para os seus militantes e apoiantes. Por exemplo, os actos políticos de massas, sendo uma exibição da força interna e organizada do partido, ao mesmo tempo constituem um momento de separação entre o “nós” e os “outros”.
Os tempos de antena na televisão e na rádio foram um maçante desfiar de monólogos, de discursos unidireccionais e arrogantes.
De repente, os serviços noticiosos mais nobres da TPA e da RNA, invadidos com notícias redundantes, tornaram-se intragáveis, obrigando os consumidores mais lúcidos a exercerem o direito de mudar de canal. O MPLA, naturalmente, aproveitando o vazio legal, e estando-se no período do “tudo ou nada”, em que em causa está acima de tudo a continuidade no poder, tirou o maior proveito possível da comunicação social pública. Esse facto traz a tona a necessidade imperiosa de se legislar e regulamentar a respeito de todos os aspectos da campanha eleitoral, ao invés de os deixar à deriva da ética e do bom senso. Traz igualmente à ribalta a questão das relações entre o jornalismo e a política e do quanto entre nós o jornalismo está profundamente inquinado pela política. É ainda sintoma de que o jornalismo angolano hoje ainda não se emancipou para ganhar o estatuto de consciência moral da sociedade e almejar um lugar de respeito na história.
Do lado da UNITA vieram os maiores motivos para calafrios. A bandeira da fraude antecipada, da desconfiança visceral nas instituições, o nacionalismo fundamentalista com alardes racistas, tribalistas e regionalistas, que se julgava superado com o choque cultural e científico da modernidade, revelaram uma UNITA acossada nos seus medos, presa a questões atávicas de identidade.
A CASA-CE, que alguns apontaram como a terceira via, revelou-se uma força política inteiramente tributária do carisma do seu líder, que lhe confere a aparente unidade e capitaliza e canaliza algumas frustrações oriundas do MPLA e da UNITA. Ora, até aonde irá uma formação política essencialmente reactiva, assente em bases tão precárias?
A campanha eleitoral permitiu enxergar melhor aquela franja de jovens que se autodenominam revolucionários e que, há alguns meses, protagonizaram manifestações de rua contra o regime instituído. De tendência confusamente libertária e anarquista, essa franja de jovens viu-se órfã com a exclusão do Bloco Democrático do processo eleitoral. O BD era a formação política que mais se esforçava por enquadrá-los politicamente, juntando-se invariavelmente às suas manifestações de rua.
A campanha eleitoral revelou mais uma vez a força dos partidos políticos e a fragilidade dos movimentos políticos reivindicativos apartidários. Depois das eleições os jovens ditos revolucionários terão de redefinir a sua identidade, os seus propósitos ideológicos, optando por um partido político existente, criando eles próprios um partido político ou fundando uma associação da sociedade civil.. Sob pena da sociedade assimilá-los como meros arruaceiros.
Enfim, na sexta-feira (31 de Agosto) vou votar lá para o final do dia, pois só o poderei fazer depois da jornada de trabalho. Cá estarei para depois debitar umas quantas palavras sobre os resultados eleitorais.