segunda-feira, 18 de novembro de 2024

ESCRITORES MOÇAMBICANOS FACE À CRISE PÓS-ELEITORAL: Uns desceram do muro e outros saíram da torre de marfim

 Isaquiel Cori

A crise pós-eleitoral em Moçambique, marcada pelas manifestações convocadas pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane, que não concorda com os resultados anunciados pelo Conselho Nacional Eleitoral e autoproclamou-se vencedor, tem o condão de não deixar indiferente nenhum cidadão daquele país. As manifestações descambaram para o vandalismo e em muitos casos suscitaram reacção violenta das autoridades policiais. Dezenas de mortes foram confirmadas. Os danos ao património público e privado dificilmente serão devidamente mensurados, mas certamente situam-se na ordem dos milhões de meticais. Venâncio Mondlane, temendo pela sua integridade física, auto-exilou-se na África do Sul e depois algures, de onde, através das redes sociais, emitiu os comandos para as manifestações que obtiveram ampla adesão da população jovem. Essa faixa etária constitui a esmagadora maioria da população de Moçambique e é a que mais sofre com o desemprego e a falta de perspectivas de realização pessoal.

A Frelimo, o partido no poder, tem na sua génese as características de movimento de libertação anti-colonial, tendo nessa condição galvanizado as populações em prol da independência do país. Alcançada a independência transformou-se em partido político movido pela ideologia marxista-leninista. A sua intenção de edificar em Moçambique uma sociedade igualitária, de tendência socialista e pró-comunista, com controlo férreo e monolítico do poder político, esbarrou no contexto adverso da Guerra Fria, com as acirradas contendas ideológicas Leste/Oeste e as invasões do exército da África do Sul sob o apartheid. Este país também servia de rectaguarda segura da rebelião interna personificada na Renamo de Afonso Dhlakama. A queda do Muro de Berlim em 1989 e o consequente desmoronar da União Soviética e da sua influência global levaram a Frelimo a adaptar-se aos novos tempos, a abrir o sistema político ao multipartidarismo e a adoptar a economia de mercado. Fica por conta de um execício de história reversa (ou de “passadologia” em contraponto a futurologia) a questão de saber se, se não fora o contexto mencionado acima, Moçambique alcançaria o desiderato da tal sociedade igualitária, socialista e pró-comunista.  

O que é certo, e no-la diz a realidade dos factos, Moçambique transformou-se numa sociedade profundamente desigual, com a emergência de uma elite privilegiada oriunda dos antigos combatentes pela independência, o alargar da pobreza extrema assente no desemprego maciço e na corrupção generalizada com raízes fincadas nas altas esferas do poder. Ora, a Frelimo, apesar desse cenário, foi sucessivamente ganhando as eleições com maiorias qualificadas. Se essas vitórias se deveram ao mérito próprio, a inépcia dos adversários ou a fraudes, um dia a história vai apurar. O certo é que agora surgiu um candidato que diz que ganhou as eleições, vários observadores internacionais apontaram inúmeras irregularidades ocorridas durante o processo de apuramento dos votos, e a sociedade moçambicana como nunca está fracturada em torno da Frelimo, da oposição e simplesmente da cidadania. Sectores que antes alinhavam-se incondicionalmente com o partido no poder ou escudavam-se na indiferença táctica ou estratégica, ante a actual crise tomam posição, conscientes das implicações existenciais do momento para a história do país e da sua democracia. Num gesto inusitado, a Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO), na voz do seu presidente Filimone Meigos, propôs a criação de um “governo de inclusão” para acabar com a violência pós-eleitoral. O escritor apelou a “um encontro urgente” entre os dois candidatos presidenciais mais votados, Daniel Francisco Chapo e Venâncio António Bila Mondlane tendo em vista discutirem “a realização de um acordo para terminar com o actual clima de instabilidade e violência para evitar mais perda de vidas humanas e destruição de infraestruturas, com o compromisso sério e verdadeiro de que no encontro se devem fazer cedências mútuas e jamais pautar pela arrogância e posições radicais”.

O escritor Ungulani Ba Ka Khosa, autor do romance “Ualalapi”, pronunciou-se num texto que intitulou “Uma vista às eleições de 2024”. O escritor e professor afirma: “(…) A população quer mudanças profundas, está cansada da esperança prometida, quer que a realidade do dia a dia mude radicalmente, em actos e propostas urgentes; mas o poder, anquilosado na cadeira que o sustenta há mais de 49 anos, não quer ver a realidade que está nas ruas. E isso pode ser fatal para um partido que já foi uma Frente de Libertação e que soube, a seu jeito, adaptar-se aos conturbados momentos da luta de libertação. Mas quando se transformou em Partido, a ortodoxia e o conservadorismo tomou as rédeas do que era o movimento de libertação”. Ungulani Ba Ka Khosa afirma que a Frelimo “está à deriva, desconectada da realidade, e muito longe de um ancoradouro sustentável. Mas está mesmo!”, para depois concluir com o apelo quase dramático: “Reencontrem-se e dialoguem com esta juventude que representa o Futuro. O futuro pertence-lhes! E a nós também”.

O premiadíssimo escritor Mia Couto, numa carta dirigida ao bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique, lançou “um grito de apelo” a esta agremiação para ajudar a esclarecer que “pelo simples facto de se anunciarem ‘pacíficas’ as manifestações não se tornam imediatamente legais” e que “por mais que sejam justas as greves precisam de serem organizadas de acordo com o que está estabelecido pela lei”. Mia Couto pediu ainda à OAM que “com a mesma coragem e isenção com que vieram a público condenar as irregularidade eleitorais, compareçam agora e com urgência para ajudar a informar sobre as regras que a lei define”, pois sendo as regras cumpridas, “elas podem prevenir a ocorrência de excessos quer dos manifestantes quer das forças da lei e evitar vítimas humanas e prejuízos materiais elevados”.

Amosse Mucavele, poeta que emergiu na cena literária do pós-independência, insurgiu-se contra a perspectiva legalista do seu confrade Mia Couto, frisando que “pretender negar a influênca política nos últimos acontecimentos [as manifestações] que o país assiste, é como golpear a realidade com metáforas dolorosas”. Acusa-o ainda de querer “outorgar-se o papel decisivo na manipulação da opinião pública”.

Outro reputado escritor, Marcelo Panguana, pronunciou-se nas redes sociais num texto que denominou “Um país doente”: “… Precisamos de reaprender a amar porque é a ausência de amor que nos afasta. Precisamos afastar a arrogância. A safadeza. O egoísmo. A ambição desmedida. Precisamos, sobretudo, de modificar os nossos discursos, pois, como muito bem disse o escritor Ungulani Ba Ka Khosa, ‘quando uma sociedade se corrompe, a primeira coisa que gangrena é a linguagem’. Precisamos, enfim, buscar nos livros dos escritores moçambicanos os elementos afectivos capazes de sossegar a nossa alma, de nos colocar em harmonia e por conseguinte dignos desta Pátria implantada nas margens do Índico”.

Pelos vistos, acabou o tempo dos escritores estarem comodamente em cima dos muros a ver a corrente do rio passar ou fechados nas suas torres de marfim a cultuar as musas envoltos na fumaça dos seus incensos e com olhares brilhantes pelos sonhos de mundos só possíveis na sua imaginação. Eles desceram dos muros ou saíram das torres de marfim e tomam posições de cidadania a favor ou contra a situação reinante, o que os torna coerentes com as posições defendidas ou combatidas pelos personagens ou pela voz narrativa dos seus contos, romances ou poemas. Aliás, sabe-se que a literatura de Moçambique tem um forte pendor de crítica social e política. Tudo isso reacende, em geral, a questão do papel social do escritor e se ele deve circunscrever-se à escrita literária e ao domínio estrito da cultura ou se deve e pode pronunciar-se a respeito de todos os outros aspectos da vida do país e do mundo.

 

   

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

NÃO FOI DESTA Um dia vamos chegar lá

Como nos tempos actuais -, em todo o mundo -, compete ao futebol, os Palancas Negras fizeram os angolanos sonhar com a possibilidade de ir mais longe no CAN que decorre na Côte D'Ivoire, quem sabe, pelo menos, chegar às meias finais... mas não foi desta.

Isaquiel Cori



Não foi desta, mas valeu a pena. Desde a qualificação para o Mundial de 2006 na Alemanha que não havia tanta sintonia entre os angolanos e a sua selecção nacional de futebol.  A qualificação dos Palancas Negras para os quartos de final do CAN 2024 na Côte D’Ivoire, não sendo um feito inédito (foi a terceira vez) aconteceu depois de um longo período de divórcio com o público, que perdera completamente a fé nos seus rapazes. A jornada para a qualificação nem por isso convenceu, com vitórias magras, muito poucos golos e exibições fracas.

Já os jogos na Côte D’Ivoire convenceram e galvanizaram os adeptos, os golos apareceram com fartura e as exibições foram de encher os olhos. Os Palancas Negras fizeram sonhar a todos, todos começamos a acreditar que era possível ir mais longe e, quem sabe, ganhar mesmo o título de campeão africano. O sonho, que em ocasiões anteriores seria considerado autêntico disparate, pareceu a todos completamente plausível, possível de alcançar aí bem ao dobrar da esquina. Só que teríamos de passar, necessariamente, pela Nigéria.

Era tanta a euforia dos angolanos que muitos de nós esqueceram-se que a nossa selecção nacional tinha diante de si um gigante do futebol, três vezes campeão de África (1980, 1994 e 2013), com seis participações na fase final do Campeonato do Mundo (1994, 1998, 2002, 2010, 2014 e 2018) e dezenas de jogadores a actuarem nos melhores clubes do planeta.

Sonhar não é proibido, é verdade. Tanto é assim que os bravos jogadores fizeram-nos sonhar, tiraram-nos por alguns longos dias da mesmice das nossas vidas, colocaram-nos entre as oito melhores nações do continente e fizeram-nos sentir capazes de ir mais longe. Mas encontramos uma parede chamada Nigéria.

E mesmo assim, em pleno jogo, os nossos jogadores dignificaram o nosso país. Fomos derrotados pela expressão mínima e saímos do campo de ombros e cabeça levantados. O futebol é mesmo assim. Faz-nos sonhar, desilude-nos, mas chega um dia em que concretiza os nossos sonhos mais altos. Um dia, talvez com uma outra geração de futebolistas, certamente com mais organização e mais trabalho, vamos chegar lá, no âmago dos nossos sonhos e despertar vitoriosos. Assim é o futebol. Assim é a vida.

 

domingo, 28 de janeiro de 2024

COMO É SER JOVEM EM ANGOLA HOJE

A Professora Doutora Elisabete Ceita Vera Cruz, autora do livro “Ser Jovem em Angola. Valores e Identidades dos jovens estudantes universitários” (Chá de Caxinde, 2018) é porventura a pioneira dos estudos académicos sobre a juventude em Angola. O Jornal de Angola a entrevistou em busca de um melhor entendimento sobre as dinâmicas actuais da juventude angolana, esse segmento da população com um papel cada vez mais decisivo nos processos políticos, económicos, sociais e culturais

Isaquiel Cori


                                                                                          Elisabete Ceita Vera Cruz

Quais as principais dificuldades com que se depara quem se propõe estudar a situação dos jovens em Angola? E, concretamente, as que pessoalmente enfrentou?

Investigar, em Angola, é tarefa hercúlea... até para escrever um pequeno ensaio, é complicado. As dificuldades são inúmeras, desde logo a inexistência de bibliotecas, o acesso à bibliografia– agora mais facilitado com a internet –, às fontes locais que dificilmente acedem, para além das questões de ordem logística e financeira. E trabalhar sozinha/o, pouco ou nada se trabalha em equipa, é quase um suicídio. Na área das ciências sociais e humanas, é ainda pior. Por conseguinte, qualquer trabalho de investigação sobre a juventude padece desses males. Pessoalmente enfrentei todos, com excepção da bibliografia, porque a pesquisa documental, fi-la fora do país. Mesmo assim, neste quesito, destacaria a dificuldade de acesso a trabalhos sobre o nosso continente, nomeadamente os relativos à juventude.    

 

O seu interesse pelo estudo da juventude angolana não se ficou pelo doutoramento. Pelo seu percurso académico posterior, pode-se dizer que esta temática está no centro da sua actividade profissional?

Os estudos sobre a juventude continuam a ser objecto de interesse, reflexão e preocupação – como não sê-lo, se se trata de uma categoria que numérica e sociologicamente é um indicador do país que temos e que poderemos ter? Mas, neste momento, tenho em mãos um sobre a velhice, que já deveria estar pronto, mas pelas razões já enunciadas está "pendurado”.

 

E porquê agora a velhice?

Por se tratar de uma categoria que, ainda que sem expressão numérica no nosso país, tem uma grande dimensão sociológica. 

 

Pode detalhar a grande dimensão sociológica da velhice, ou dos idosos, na nossa sociedade?

Temos uma pirâmide etária que não abona em nada a pessoa idosa e que revela as profundas assimetrias sociais e económicas. Não indo ao detalhe, mas respondendo à pergunta, o que lhe posso adiantar remete para o lugar que oficialmente os idosos têm no nosso continente e mais propriamente no nosso país, e que é um misto de idade, conhecimento e a reverência e o respeito que daí advêm. Com base no discurso de que é nossa "tradição” e de que somos devedores dos nossos pais e avós e que estes merecem um tratamento cinco estrelas, devemos perguntar-nos se assim acontece. Com uma esperança de vida de 60,29 anos (censo de 2014) que, entretanto, baixou segundo os últimos dados, sendo em número residual, cerca de 2,3 por cento tem 65 e mais anos(ainda segundo o censo de 2014), quero saber se assim é, e compreender os estilos de vida, as dinâmicas desta categoria, no puzzle que é esta nossa Angola. Em boa verdade, esta é também uma abordagem que permite "desvendar” um pouco do nosso país.

 

Regressando à juventude, era seu desejo que a sua pesquisa se constituísse no ponto de partida para os estudos sobre a juventude em Angola. De lá para cá, isso realmente aconteceu?

A inexistência de estudos sobre, leva-me a dizer que sim – seria desejável e fundamental que a juventude fosse objecto de estudos, de produção científica. Dei o pontapé de saída e, de então para cá, que eu saiba, não foi realizado nenhum outro estudo, desta natureza, sobre a juventude. Se me perguntar porquê, dir-lhe-ei que não sei. Avançando com possibilidades de respostas, dir-lhe-ei que poderá ser por desconhecimento, por entenderem não ser importante, enfim...O poder político não pode continuar a falar de, sobre e para os jovens, sem suporte em estudos, não pode ficar-se pela ideologia. Não posso deixar de referir, uma vez mais, que o Observatório da Juventude é um instrumento, entre outros, que faz falta. 

 

Quais as razões que a fizeram escolher a juventude universitária como ponto de partida para os estudos sobre a juventude angolana?

Quis perceber quem eram ou seriam os futuros governantes, líderes, deste país. Quis perceber se estariam enfermados dos mesmos males dos adultos, quais eram os seus valores, se materialistas ou pós-materialistas. Quis compreender os jovens, para assim projectar o futuro do nosso país.

 

E a que conclusões chegou? Concluiu que os jovens universitários angolanos estão preparados para serem futuros governantes e líderes deste país? São materialistas?

Os jovens estudantes universitários inquiridos, sublinho, os inquiridos, são pós-materialistas. O sublinhado pretende chamar à atenção para o facto de não estar em condições de afirmar o mesmo com relação aos jovens estudantes universitários, hoje. Os jovens de há 20 anos não somente não se interessavam por política, como tão-pouco pelo poder, como por exemplo, em serem ministros, o que poderia ser um bom sinal para serem governantes e líderes – sobretudo no concernente ao desinteresse pelo poder.

 

Desde que começou a pesquisar a situação dos jovens em Angola, suponho que por volta de 2011, as coisas evoluíram para melhor ou para pior?

Não sei onde foi buscar o 2011... Comecei muito antes, com os jovens estudantes angolanos em Portugal, ainda antes do novo milénio. Com pequenos inquéritos, junto dos meus alunos, conversas com diferentes actores sociais, para além do que fui observando, é claro... O trabalho entretanto concluído e publicado, teve início no princípio do novo século. Se as coisas evoluíram, sem melhor ou pior, diria que naturalmente evoluíram. Os problemas de ontem, continuam a ser os de hoje, e os jovens estão cada vez mais conscientes da importância da sua acção.

 

É a juventude conflituosa? É a juventude angolana conflituosa?

Os conflitos existiram, existem e existirão em todas as sociedades, sendo não poucas vezes positivos e importantes, e não são um exclusivo dos jovens. Se a juventude é conflituosa? Não estando no seu ADN, aresposta é um rotundo não. Trata-se de mais um estereótipo, uma roupagem,entre muitas.

 

Apesar dos pesares, a Academia e os académicos angolanos têm produzido estudos meritórios sobre a realidade política, social, económica e cultural do país. Muitos desses estudos estão patentes em livros. Porque é que, na sua opinião, esses estudos não têm sido levados em conta pela classe política no sentido de ter uma actuação mais informada sobre a realidade?

Pergunta interessante, pertinente e inteligente. Primeiro, eu advogo que nós não temos academia. Temos alguns académicos, mas academia ainda não temos.Quanto ao desinteresse da classe política, avanço uma primeira possibilidade que é a de porventura os referidos trabalhos não serem considerados pelos políticos, exactamente pela inexistência de academia – se houvesse, teríamos alguma força, e o que hoje acontece é "cada um trabalhar por si e Deus por todos”, havendo mais competição que trabalho de e em equipa. Segundo, as ciências sociais são párias em sociedades, em países em que a liberdade de expressão, a democracia, os direitos humanos não são respeitados. Continuam as ciências sociais a ser o parente pobre e não vislumbro, para já, novos ventos para alterar este quadro. Terceiro, a partidocracia é um elemento mais a considerar, quando falamos de desenvolvimento das ciências sociais. Para além disso, havendo muito mais a dizer, nós vivemos numa sociedade anómica e penso que isto poderá explicar que o que é tido como social, nomeadamente o seu estudo, seja sujeito a escrutíneo ou, simplesmente, ignorado. E, para finalizar, penso que a classe política poderá e saberá responder-lhe a esta pergunta.     

 

Como é que não temos academia se o país tem largas dezenas de universidades, públicas e privadas, e um Ministério do Ensino Superior?

A existência de universidades e de um ministério, não são sinónimos de existência de academia. Há outros indicadores, como por exemplo a produção científica, que é preciso considerar. Ademais, é conhecida a má preparação de alunos e professores, razão porque de há muito advogo que se aposte seriamente na formação de professores do ensino primário. Estes, sim, poderão garantir uma nova geração de angolanos com uma boa formação de base e, consequentemente, uma futura academia que precisamos e merecemos, pujante. 

 

Nota-se, nos seus escritos sobre a juventude, uma grande empatia pelos jovens, diria mesmo uma clara apologia da juventude. Conte-nos, por favor, como e onde nasceu esse impulso de estudar a situação dos jovens em Angola?

Não sei se deverá colocar-se a questão em termos de empatia. E, obviamente, não se tratou de um impulso. É um misto de importância e necessidade. Diria mesmo de urgência. Ontem, como hoje, entendo que a juventude angolana deve ser objecto de estudo. Ainda relativamente ao que chama empatia, o que posso dizer-lhe é que tenho empatia pela juventude e por todos os agentes de mudança. Eu própria, que não integro esta categoria por causa da variável idade – sou uma jovem veterana –, tenho-me como agente de mudança, o que significa que a mudança não é exclusiva dos jovens.

Penso que já respondi, em parte, à pergunta. Mas, para ser mais precisa, diria que surgiu do meu contacto com os estudantes universitários angolanos em Portugal (fui professora de uns poucos), das minhas vindas a Angola enquanto vivia e trabalhava no exterior do país. Tudo isso com o pano de fundo da guerra, da estereotipização (negativa) da juventude, sem esquecer uma reportagem de um canal de TV português que termina com um jovem, adolescente, a dizer que no futuro se vingaria das agruras por que passava – gostaria muito de saber dele... E a questão que me colocava era, e foi, qual seria o futuro de Angola, tendo em atenção o descontentamento relativamente às condições sociais e económicas, já bem patentes na altura – estamos a falar do século passado. Os trabalhos de José Machado Pais, por muitos considerado o pai da juventude em Portugal, também foram inspiradores no decorrer do processo.

 

Gostava que definisse para os nossos leitores o que é ser jovem, não abstractamente, mas em Angola, hoje?

Diria que ser jovem em Angola, hoje, de forma resumida e tendo em atenção as diferentes juventudes, é ser pró-activo e, por conseguinte, agente de mudanças sociais, políticas, culturais, económicas, entre outras. As dinâmicas sociais vêm-no demonstrando. Há um mundo a que vou chamar "subterrâneo”, mas um subterrâneo pejado de luz, a acontecer, diariamente, e que desconhecemos. Há múltiplas associações que actuam em diferentes áreas, há gente jovem interessantíssima que importa conhecer, temos muitos "fazedores”, portentos por revelar. Falei dos jovens, mas também os há nas outras categorias.  

 

Os jovens são mais vistos como um problema, como uma ameaça à ordem social, do que como o motor da solução dos problemas?

Sim, para além da falta de conhecimento, muito por causa da estereotipização, por um lado, por outro por esta categoria, a juventude, poder ser decisiva para a mudança e, por isso, considerada perigosa em sociedades que oferecem grande resistência à mudança, sociedades não abertas, na esteira de Popper e de Bergson. Mas este poder transformador, não é exclusivo da juventude. Qualquer indivíduo, não importa a idade, variável e um dos indicadores da juventude, pode e deve ser capaz de inspirar, impulsionar e transformar a sociedade. No nosso caso e no do nosso continente, porque os jovens são numericamente superiores, é natural que as mudanças provenham mais desta categoria. É claro que há outros factores a considerar para essa maior disponibilidade dos jovens e que terá a ver com o facto de se encontrarem num momento, numa fase das suas vidas em que a sede da descoberta será maior e mais evidente.     

 

Ainda que empiricamente, pôde avaliar o desempenho dos jovens nas últimas eleições gerais? O que tem a dizer sobre a sua participação?

Acompanhei, claro, na medida do possível... Muito interessante. E entusiasmante. Espectaculares! Nota 10!

 

Os seus estudos sobre a juventude praticamente foram alertando para o que finalmente ocorreu nas eleições, na província de Luanda. Nesse sentido, o seu artigo "Angola Jovem: Revisitando os Jovens de Ontem, Interpelando os de Hoje” constante do livro "Angola 45 Anos: O político, o social, o económico e o cultural - Entre balanços e perspectivas” é bastante elucidativo. Na verdade, já esperava o que aconteceu em Luanda?

Outra pergunta interessantíssima. E a resposta é sim. Os sinais eram claros... E isto também prova a importância dos estudos, da investigação, da ciência, da sociologia.

 

Se não se importa, gostaria agora de lhe colocar perguntas, que na verdade são suas, que constam do livro "Ser Jovem em Angola. Valores e Identidades dos jovens estudantes universitários”. Mas peço-lhe encarecidamente que repita ou reformule, resumidamente, aqui as respostas para os leitores do Jornal de Angola. Primeiro: quem são os jovens angolanos?

A sua pergunta é sobre os jovens angolanos, e não exatamente sobre os jovens angolanos estudantes universitários. Os jovens de ontem, de há uma década, não são os de hoje ou, dito de outro modo, a Angola de 2012, não é a mesma de 2022. Mas, para compreendermos o presente, temos que convocar o passado. Assim sendo, e respondendo-lhe, sem rede sobre quem são os jovens angolanos, a que acrescento hoje, somente com base na observação e leitura de alguns trabalhos (ainda que não fossem sobre a juventude), digo-lhe que são cada vez mais instruídos e informados. Mas como a juventude é plural, diria que continuamos a ter jovens sem oportunidades de se revelarem, jovens sem rumo, no espaço urbano, periurbano e rural. Temos a geração Z em crescendo, que se cruza com as outras. Temos cada vez mais gente, particularmente jovens, a quererem emigrar, fenómeno a que se vem assistindo há já alguns anos, e devemos perguntar-nos porquê... E temos os jovens no sector informal e os desempregados, em grande número, que não podem ficar-se pelas auscultações, discursos e promessas. 

 

Segundo: o que pensam e como pensam os jovens angolanos?

Esta acaba por ser a continuação da pergunta anterior e, por conseguinte, vou pelo mesmo diapasão. Falar dos jovens de hoje, supõe um novo trabalho aturado de investigação. De qualquer modo, permito-me adiantar que estamos perante uma juventude com novas dinâmicas e para quem as palavras submissão e inação vêm sendoarredadas da sua práxis. Os jovens também pensam que podem fazer diferente e melhor, o que não é novo, e também não é necessariamente verdadeiro. Quando se diz que são "imediatistas”, um cliché, quem o diz talvez deva antes reflectir em torno do significado da palavra e, claro está, procurar perceber as razões para o que chamam "imediatismo”. O "agora” e "já”, para além de não ser exclusivo dos jovens – quantos adultos não pensam e agem do mesmo modo? –, pode ser prenúncio de falhas do sistema, falhas do aparelho de Estado. A título de exemplo, tomemos a ausência de transportes públicos, combinada com a existência de carros de alta cilindrada que os agentes do poder político ostentam... como é que o cidadão, mais ou menos jovem, se sentirá, o que há-de dizer, se não reclamar, contestar, se não exigir? A insustentabilidade de tal situação, "n” vezes multiplicada, tem respostas, tem repercussões, tem consequências... Assim é que, e só para rematar, acrescentaria que o que pensam e como pensam os jovens angolanos, é boa parte das vezes, se não sempre, ditado pelos adultos e por quem governa, isto é, pela sociedade e pela forma como vivem. Porque estudos sobre a juventude são necessários, perguntemos então, aos jovens, eles próprios, o que e como pensam.    

 

Nas suas obras cita, amiúde, textos literários, de ficção.  A literatura, a ficção, agrega valor à pesquisa em sociologia?

Absolutamente. Ainda que muitas vezes, como se diz, a realidade ultrapasse a ficção. Mas a literatura tem o condão de adentrar e desvendar o mundo, de fazer-nos viajar por diferentes universos, indivíduos, culturas, em que se cruzam diferentes matizes e em que o social – e tudo é social – se manifesta e desvenda livremente e de forma sublime. Para além de me deliciar, do prazer absoluto que daí retiro – a leitura pode ser orgíaca –, eu aprendo muito com a literatura. A arte, no geral, tem o poder de nos "enfeitiçar” e, ao mesmo tempo, de nos despertar, de nos descobrirmos, de (nos) revelarmos o melhor e o pior que há em nós, humanos. A literatura permite, por exemplo, conhecermos as juventudes não somente do presente, como do passado, de outras geografias e é, para mim, uma peça-chave no meu trabalho, e não só os trabalhos relativos à juventude. A escritora do momento, Annie Ernaux, Prémio Nobel da Literatura deste ano, diz numa entrevista que "a literatura deve trabalhar para a justiça e para elevar o pensamento”. Não sei se a literatura "deve trabalhar para”, mas direi que a literatura, como outras artes como a música, a pintura, não somente revelam os indivíduos e as sociedades, como têm o condão e o poder (outra vez o poder) de nos inspirar para sermos melhores connosco e com os outros, o que nos remete para a dimensão da ética, dos valores. E aqui também é necessário referir e sublinhar a estética imanente nas artes, que infelizmente não se ensina e aprende nas escolas – somente quem estuda filosofia ou artes –, que é uma dimensão inerente ao ser humano, que precisa de ser mais explorada, conhecida e valorizada. Falo da estética no geral, como não podia deixar de ser, mas gostaria de destacar a africana, a angolana...         

 

Para quando o próximo trabalho sobre a juventude?

Tão logo tenha as condições para o fazer, e refiro-me a um trabalho de fôlego. Enquanto isso, vou cruzar alguns dados que penso merecerem melhor tratamento e poderem ser interessantes aprofundar e dar a conhecer.

 

Que temas, sobre a juventude, pensa serem candentes?

Candente e urgente é conhecermos as nossas juventudes. Mas destacaria temas e estudos sobre a jovem mulher, a violência no namoro, a criminalidade, os gangues, conhecer os chamados roboteiros (entre os heróis que temos, eles integram essa lista; penso que eles são uns heróis porque aliam força, agilidade e perigo, quando se trata de driblar o trânsito, são uns autênticos resistentes), sobre a geração Z, os adolescentes, os jovens adultos... Para além da juventude, mormente da sociologia da juventude, temos a sociologia urbana e rural e uma panóplia de outras áreas (que não somente da sociologia), e aqui destacaria a problemática do género, da mulher, da família, do (des)emprego, da educação, da saúde, da pobreza, do ambiente, da religião, do racismo (esta questão do cabelo tem muito que se lhe diga), sobre a escola (veja-se o caso da manifestação dos alunos e do professor que clamavam por carteiras, e que terão sido "protegidos” com disparos), a universidade, enfim, um mundo por desbravar de forma sistemática, estruturada e contínua.   

 

E o trabalho sobre a velhice, é para quando?

É um pequeno trabalho que espero conseguir terminar no próximo ano.

 

Mas também escreve ficção...

Este já é outro capítulo que sei não caber nesta entrevista.

 

Enfim... Quem sabe numa próxima... 

Muito fica por dizer... Entretanto, gostaria de terminar dizendo que como vivemos num país cujo poder político é omnipresente, omnipotente e não sei se omnisciente, e não gosta de ouvir vozes discordantes, que não necessariamente dissonantes, não posso deixar de manifestar estranheza por me quererem ouvir. Não sei se será bom, ou mau sinal. Estranho, muito estranho é, seguramente...

 

 

PERFIL

Elisabete Ceita Vera Cruz  docente universitária, investigadora e consultora.

Doutora em Sociologia, Mestre em Antropologia Cultural e Social e Licenciada em Filosofia, tem colaboração dispersa em livros e revistas científicas.

Entre os livros publicados, destacamos "O Estatuto do Indigenato. A legalização da discriminação na colonização portuguesa” (Chá de Caxinde), "Ser Jovem em Angola.

Valores e Identidades dos jovens estudantes universitários” (Chá de Caxinde) e, em co-autoria "Angola 45 Anos: O político, o social, o económico e o cultural - Entre balanços e perspectivas” (Mayamba)

 


Para (tentar) perceber o fenómeno Nagrelha: O QUE EXPLICA A EXPLOSÃO DE MULTIDÃO NO FUNERAL DO CANTOR?

Isaquiel Cori



Nagrelha, o cantor de Kuduro, foi a enterrar na última terça-feira (22/11/2022) bem Luanda,  com o cortejo a ser seguido por multidões tão grandes como raramente se viu em Angola. A comoção e os ajuntamentos começaram a notar-se logo após a notícia da morte, dada em comunicado oficial, num outro acto inédito, pela instituição hospitalar onde o cantor estava internado - aliás, o “nunca antes ocorrido” já acontecera quando, no dia 25 de Junho, Nagrelha fora evacuado de urgência para o exterior acompanhado pelo director clínico da mesma instituição hospitalar. As multidões aos choros foram crescendo no Sambizanga, bairro onde o cantor nasceu e cresceu, e noutros bairros anteriormente chamados musseques e hoje commumente designados “periféricos” (serão periféricos não tanto pela localização geográfica, mas pela marginalização social). A noite do velório no estádio da Cidadela, com as bancadas abarrotadas de gente, lembrava o cenário de um jogo da selecção nacional de futebol nos seus tempos áureos. E, finalmente, no dia do funeral foi o que se viu. Vídeos e fotos que circularam amplamente nas redes sociais, e as imagens exibidas na TV, mostraram multidões em transe a acompanhar o cortejo fúnebre e grupos de oportunistas a vandalizarem património alheio.

Membros da elite bem pensante, quando não se mostraram perplexos e paralisados diante do fenómeno que se desenrolava a seus olhos, invectivaram a horda de anónimos que se levantou dos bairros periféricos, mas não só, para chorar e acompanhar à última morada o cidadão-cantor Nagrelha, cultor de um género musical considerado, por essa elite,  “tão menor” como o Kuduro. Agora que as emoções parecem serenar, é tempo de pôr racionalidade na análise do fenómeno Nagrelha. Para tal o Jornal de Angola interpelou, por escrito, os sociólogos Elisabete Ceita Vera Cruz e Cláudio Tomás e o crítico musical Jomo Fortunato. E do Facebook trouxemos o texto da jornalista Maria Luísa Rogério, um dos mais brilhantes produzidos naqueles dias, naquela rede social. A ver se nos ajudam a perceber os acontecimentos desencadeados pela morte e o funeral do maior ícone do estilo musical Kuduro.




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ELISABETE CEITA VERA CRUZ*

“A sua morte representa o fim de uma era”

                                                                 Elisabete Ceita Vera Cruz

 O que explica uma comoção tão generalizada nos bairros da periferia pela morte do cantor Nagrelha?

Bem, as manifestações de comoção também são organizáveis... Poderia dizer-lhe também que se terá tratado de um espaço-tempo para alguns oportunistas, mas sobretudo que permitiu o extravasar de frustações de milhares de jovens desesperados e sem voz. Terá sido um misto de emoção, dor e força. E diz bem, da periferia. Mas, respondendo directamente à pergunta, Nagrelha representa uma juventude, a da periferia, dos chamados bairros, juventude desvalida que entretanto consegue driblar o “destino”. E se por um lado se torna um jovem de sucesso, por outro ele não enjeita o seu bairro, o seu passado... Para quem é que Nagrelha é um ícone? Pensar-se-ia que seriam milhares, mas parece serem milhões os jovens fãs de Nagrelha, sobretudo os que trabalham no sector informal, para aqueles que são considerados marginais por usarem estupefacientes, para aqueles que vivem à margem da lei. Mas também para os do espaço urbano porque, afinal, “não é só no bairro”, como cantam Yannick e Nagrelha. E, de repente, o Nagrelha torna-se um “case study” que faz com que se pergunte como é que um “ninguém” – pergunta feita por aqueles que desconhecem a Angola real – consegue fazer com que dele se faça um “case study”? Quer dizer que o fenómeno Nagrelha estava aí, conhecido por muitos, e penso também que a morte de Nagrelha representa, também, o fim de um ciclo, de uma era em Angola – na verdade é o próprio Nagrelha quem diz que “não existe depois de mim”. Porquê o fim de um ciclo, de uma era? O que é que isso significa? Para além de outras possíveis leituras, destacaria o fim do ciclo da indiferença, da cultura vista somente como entretenimento e pouco ou nada como conhecimento, e a emergência de um novo olhar e abordagem para com as pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade, para com a  pobreza... O facto de Nagrelha ter sido o único que, sem pejo, terá defendido o ex-presidente José Eduardo dos Santos (a entrevista que acabou por não acontecer porque começou e terminou com Nagrelha a perguntar ao entrevistador o que poderia ele dizer sobre JES, é elucidativa e por isso muito interessante), porventura pelo que este último lhe terá agraciado, uma mensagem do género “não cuspas no prato em que comeste”, fará dele um indivíduo honrado, com princípios, com valores, independentemente dos juízos que se possa fazer da governação de José Eduardo dos Santos. Sem esquecer, é claro, a generosidade e a solidariedade que dizem ter sido uma das suas grandes marcas.   

O Kuduro às tantas vai muito além de um estilo musical? O kuduro acaba por expressar as frustrações e os sentimentos mais profundos dos grupos sociais dos bairros periféricos?

Sei que existem artigos, ensaios, trabalhos sobre o kuduro - estou desejosa de ler todos... Importa saber e compreender não somente quando surge, e isto sabemos, mas sobretudo a sua evolução e da sociedade angolana. Mais uma vez a arte a mapear a nossa sociedade, desta vez, a música, mas poderia ser a literatura, as artes cénicas, enfim...

Diria que mais do que um género musical ou uma dança, o kuduro é um estilo e um modo de vida. E uma forma de protesto. Terá começado como dança e música, mas rapidamente foi apropriado e metamorfoseando-se para ser o que é hoje. Porque o kuduro é também, hoje, sinónimo de passe para a ansiada mobilidade social, para a inclusão. O/as kuduristas para além do dinheiro que ganham e, como consequência, verem melhoradas as suas vidas, vêem mudar o seu status social, passam a ter visibilidade, a ser respeitados, alguns passam a ter e a ser uma janela aberta para o mundo...  Hoje temos kuduristas licenciados ou na universidade, o que revela bem a evolução do género musical e as mudanças em Angola, nomeadamente em Luanda.

 

Nagrelha pode ser considerado um herói?

Um herói acidental. Diria antes que Nagrelha personifica o anti-herói. Podemos encontrá-los, os anti-heróis, em todas as geografias, e não são tão poucos assim. E o que é ou quem é o anti-herói? Tendo como referência o Nagrelha, é o indivíduo com uma infância – adolescência e juventude - difícil, complicada, com pouca escolaridade, que passou pela prisão, terá consumido droga, terá sido o que alguns chamarão arruaceiro, mas que deu a volta à sua vida e se tornou um ícone. Não sendo o melhor cantor nem dançarino, com um passado conturbado, como é que se torna um ícone? Pelas razões enunciadas e porque o anti-herói não é aquele que congrega opiniões positivas sobre ele; bem pelo contrário, é precisamente por a opinião que se tem dele não ser unânime, por ser imperfeito, pelos seus excessos, com alguns comportamentos que poderão ser condenáveis, causar alguma repulsa, mas com outros admiráveis como a humildade, o  facto de quebrar estereótipos -  imagens do Nagrelha com o filho nas costas, a limpar o chão com todo o à vontade - fazem com que inconsciente e rapidamente passe de vilão a herói. Aqueles que, como ele, vivem ou viveram situações adversas, se encontram no limbo, acabam por vê-lo e tê-lo como uma referência, como líder. Um jovem vendedor de sonhos, de pequena estatura, de aspecto frágil (fazendo jus ao adágio “os homens não se medem aos palmos”), mas que se apresenta carismático, sem medo de se mostrar, de ser quem é, de cair no ridículo (e não cai!)... E assim nascem os mitos, com a carga de controvérsia e romantismo que lhes estão associados. E as sociedades, os jovens, precisam de se ver representados, precisam de ídolos. E o facto de ter morrido cedo, com 36 anos, é um elemento mais que não pode ser descurado.

 

O que se pode ou deve fazer para que fenómenos como Nagrelha deixem de ser considerados periféricos ou marginais, independentemente de onde tenham surgido, para serem assimilados ou integrados como parte legítima do todo nacional?

A emergência de sub-culturas, nas suas diferentes roupagens, não é sinónimo de exclusão; poderá, sim, ser sinónimo de criatividade. E o importante é saber reconhecer e abrir espaço a essa criatividade, desde logo com a construção de escolas regulares, mas também de artes, para todos.   

A arte, as culturas, têm muito de marginal; de tal forma que se fala da existência de culturas marginais. E têm poder, o poder de o deixarem de ser. O kuduro enquadra-se no fenómeno geral da street dance, break dance e afins e o Tony Amado, considerado pai deste género, dá o mote, segue-se-lhe o Sebem com nova roupagem (entre tantos outros) e o Nagrelha, Naná, Estado-Maior e outros tantos nomes que teve e com que se terá auto-denominado, que faz a ruptura com os citados pioneiros. Ele diz, numa entrevista, que antes dele - Tony Amado e o Sebem - não havia narrativa, não havia letra, o mesmo que dizer que não havia kuduro. Logo, o kuduro, tal como o conhecemos hoje, terá começado com ele... O fenómeno Nagrelha é criado pelo próprio e, claro, pelo seu grupo, Os Lambas - atente-se no simbólico nome “Estado-Maior do Kuduro”, na indumentária do Nagrelha que nos remete para o papel e lugar das forças armadas, dos generais em Angola -, pela comunidade do Sambizanga, por Luanda, e pelos fãs que se foram multiplicando um pouco por todo o país.

Durante muito tempo disse-se que o kuduro cedo desapareceria, mas ele está bem presente... vai-se reinventado, novas batidas, sonoridades, novos intérpretes, e o kuduro continua. Hoje, pode até ser considerada música de intervenção. A sua importância está aí e o sistema que o diga, porque foram destinados lotes de construção para os kuduristas, o funeral do Nagrelha penso ter ficado a expensas do Estado... Claro que se tratará do reconhecimento artístico, cultural, social e sociológico do artista, mas não se pode ignorar os possíveis aproveitamentos políticos, muito frequentes nestes casos.

Até quando o kuduro se manterá, não sei, mas muito provavelmente enquanto se for reinventado (parece que os “bifes” estão a cair em desuso), continuaremos a ter kuduro, que entretanto já atravessa gerações.

 

E como explicar o sucedido no funeral do Nagrelha?

A “Nação Kuduro” esteve em peso. Foi a periferia, a força dos bairros, do gueto, dos desempregados, dos trabalhadores informais, dos gangues, dos jovens, a ocuparem o espaço urbano (sem esquecer os curiosos). E que força! O poder do kuduro, da periferia e da juventude desvalida, como já referi. Sem grandes lucubrações, diria que Nagrelha morreu (o seu funeral) como viveu, ou terá sido parte da sua vida: entre o caos e a ordem.

*PhD em Sociologia. Especialista em estudos sobre a juventude em Angola

 

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CLÁUDIO TOMÁS*

“Uma forma de vida ou um amplo

movimento popular artístico”

 

                                                                         Cláudio Tomás

“Penso que a compreensão sobre o que está a ocorrer com a comoção generalizada pela morte do Nagrelha deve passar pela relação de vários elementos. O primeiro deles é, sem sombra de duvidas, o sentimento de comoção pela morte prematura. Ninguém está preparado para ver partir pessoas tão jovens. Principalmente quando estas possuem recursos suficientes para acederem a cuidados de saúde adequados.

O segundo deles, e aqui começo a introduzir as minhas hipóteses, é o de Nagrelha ser aquilo que a Sociologia designa como um carismático. Encontramos na pessoa a mística própria de alguém que apela ao sentido de identificação de uma imensa multidão de jovens espalhados pelo País. Muito se deve, certamente,  ao  que ele sugere como ideal de realização social: um jovem nascido pobre, com poucas oportunidades, sem possibilidades de frequentar a escola, com uma experiência de vida marcada pela exclusão social, violência e criminalidade, e mesmo assim, e apesar disso, conseguir atingir os palcos da fama mundial através da música.

E há ainda outro aspecto importante a considerar (ainda como hipótese) na personagem carismática do Nagrelha: mesmo depois da consagração, da fama, e de tudo o que isso poderia trazer-lhe como benefícios, nunca o vimos em viagens a Miami, Portugal, ou a Dubai, a exibir sinais de riqueza. Nagrelha continuou igual a si mesmo. Não se deixou corromper pelo dinheiro e se transfigurar pela fama. Continuou próximo do seus, continuou a ser do Sambizanga, o Naná. E essa ideia de pureza e de fidelidade aos seus e às suas origens é uma marca distintiva que apela à simpatia, ao apreço e à identificação de muitos.

E, por fim, um último elemento: o Kuduro. A morte do Nagrelha é aquele evento que nos vem mostrar que o Kuduro não é apenas um estilo musical. De algum tempo a esta parte, o Kuduro vem sendo qualquer coisa que se pode situar entre uma forma de vida, um amplo movimento popular artístico, e um estado de espírito. A morte do Nagrelha, para além de ser o momento de expressão da comoção pelos seus fãs, é também um momento de celebração da afirmação do Kuduro como o produto final de todos aqueles elementos. O Kuduro é hoje representado como um veículo de promoção social por uma imensidão de jovens que vive na marginalidade, exclusão, no desemprego, e sem esperanças de realização pessoal através dos meios socialmente convencionais. Estes jovens têm todo interesse em que o Kuduro, com todos os seus defeitos, se afirme e seja reconhecido como veículo alternativo de realização social. Portanto, o que vimos no funeral do Nagrelha pode também ter sido, por um lado, uma vigorosa declaração de intenções de afirmação do Kuduro como a pátria dos excluídos e, por outro, pode também ter sido aquilo que os americanos designariam por “backlash”, traduzindo, a “desforra”. Ou seja, e no final das contas, o Kuduro como um sentimento de “desforra” conduzido por estes jovens contra uma elite política e económica que os abandonou e os deixou entregues à sua sorte. Daí também, como movimento artístico, o Kuduro trazer sub-repticiamente uma proposta de transgressão dos códigos sociais convencionais. Não apenas em termos da linguagem, mas até na resignificacão dos sentidos que se atribuem aos lugares de exclusão e de marginalização. É aqui que  nos poderá também dizer alguma coisas sobre a sinalização da existência cada vez mais notória do drama actual do País: a separação entre a ‘elite’ e o ‘povo’”. 

*Ph.D em Sociologia. Professor Auxiliar do Departamento de Sociologia da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto

 

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JOMO FORTUNATO *

Quem sabe surja no futuro o Kuduro sinfónico?

                                                                             Jomo Fortunato

 

O que explica o surgimento e a ascensão do kuduro?

Um aspecto a reter: as manifestações culturais e artísticas, acompanham sempre as transformações sociais e políticas em qualquer sociedade.  Há uma tipologia musical característica do tempo colonial e outra do pós-independência. O kuduro, tal como o conhecemos nas suas variantes, seria impensável nos anos quarenta, data dos primórdios da formação da Música Popular Angolana. Liceu Vieira Dias fala em meados dos anos quarenta, no filme “Ritmo do Ngola Ritmos” do realizador António Ole, como sendo a data da formação do “Ngola Ritmos”.

O kuduro, enquanto género musical, é resultado do aumento exponencial da pobreza e da desestruturação do sistema de ensino, o que resultou em arte, uma performance artística que inclui a dança e suas coreografias acrobáticas.

O cantor e compositor, Nagrelha, se estudasse os clássicos da literatura angolana e portuguesa, estamos certos que produziria outra génese de textos, a menos que a ruptura com o português europeu, fosse intencional como ocorre nos textos literários de Luandino Vieira. 

A sociologia da arte  poderá explicar a ascensão do Nagrelha, contextualizada por factores de índole geracional. Nagrelha comunica, fundamentalmente, com os seus. Estamos em presença de um artista que dialoga com o seu público, através de um sistema semiótico muito próprio, consubstanciado no calão e numa visão do mundo muito própria das periferias.   

A pesquisa sobre a origem, formação e contextualização social do Kuduro, passa pela investigação da sua pré-história, ou seja, o conjunto  de eventos anteriores à sua formação, enquanto género musical estruturado. 

No período que vai de 1982 a 1983,  houve um conjunto de ocorrências no domínio da dança, protagonizado pelos dançarinos de “break dance”, Paulo Kumba, Elvis, João Dikson e Pataca no terraço do prédio Hitachi, Bairro Alvalade, Cine Atlântico, campo de jogos dos Leões de Luanda, e nos ginásios das escolas, Mutu ya Kevela, Ngola Kanini e Ngola Kiluanji.  

Teve igualmente influência na configuração actual do Kuduro, enquanto dança, o movimento da cabetula, com os “Originais da Cabelula”, Beto Kiala e Pedruce, e o movimento da vaiola com Cifoxi e Zé Vaiola.  Estamos numa época em que os concursos de dança nas escolas eram apresentados pelo radialistas Adão Filipe e Octávio Kapapa, da Rádio Nacional de Angola, Balduíno Carlos, Ernesto Bartolomeu e Cláudia Marília da Televisão Pública de Angola, sendo justo incluir na análise da pré-história, os programas,  “Explosão” e “Horizonte”,  da Televisão Pública de Angola.

À época, a dança era mais importante que a música, e as primeiras batidas de Kuduro não tinham letra, fenómeno que surgiu depois com o surgimento do Tony Amado. Nagrelha distanciou-se da pré-história do kuduro, criando  um estilo e uma linguagem muito próprios.  

 

O que estará por detrás do kuduro e que justificará a sua força entre os jovens das periferias?

A força é geracional de uma juventude sem rumo, crescida num contexto de corrupção e de desvalorização dos quadros angolanos, que poderiam dar continuidade ou substituir a fuga de cérebros na época colonial. Estamos perante uma juventude brutalizada, distante da academia, mas que possui uma arte, à medida das circunstâncias sociais das periferias, com todas as assimetrias adjacentes e sobejamente conhecidas.

 

Por que será que o kuduro e os kuduristas atraem tanta hostilidade, ao mesmo tempo que (o kuduro), paradoxalmente, atrai muita gente às rodas de dança nas festas?

A hostilidade advém dos sectores que fazem uma leitura aparente, ou melhor, superficial e  impressionista das origens sociais e estéticas do kuduro.  As propostas do kuduro, só muito dificilmente são absorvidas pela visão do belo da velha geração.

Os gostos são subjectivos mas importa lembrar que a música ocorre quando há harmonia, ritmo e melodia. No entanto, há músicas mais harmoniosas, melodiosas e ritmadas que outras. O kuduro investe, tão-somente,  no ritmo.  Importa reter,  sem desvalorizar, os esquemas rimáticos e a dimensão satírica dos textos do kuduro.

 

É o kuduro o género musical dos sofredores?

Repare que o Nagrelha comunica com o seu público, ele não dialoga com as elites. Pergunta se é uma música dos sofredores? Talvez… o certo é que é uma vertente musical que se popularizou nas camadas sociais mais desfavorecidas, embora a sua origem do ponto de vista da estratificação social, seja híbrida.  Neste capítulo,  importa estudar com a acuidade recomendável a pré-história do kuduro. 

 

Além de estilo musical e cultural o kuduro é também um fenómeno político?

Enquanto fenómeno de massas, o kuduro é matéria-prima apetecível a qualquer político. Neste aspecto, interessa analisar os textos satíricos do kuduro. Um exemplo, dentre outros não menores, é o tema “Arroz com feijão” do “Elenco da Paz”, reparemos na letra: Só mexeram no meu prato / só picaram no meu prato / afinal é só feijão / pensaram que tinha carne / o bocado que era meu / afinal é só feijão / Meu prato do dia a dia (...), um tema interessante para uma reflexão profunda sobre a fome e a miséria.

 

O que é que Nagrelha tinha de especial e que justifica tamanha legião de seguidores e/ou admiradores?

Nagrelha é um fenómeno explosivo da cultura popular não académica. Na verdade, sempre valorizei a cultura de emanação popular, distante dos circuitos formais da academia, aliás como parte substancial das origens da Música Popular Angolana, quer a nível do canto como ao nível instrumental.

O carisma era resultado de uma conjugação de vários factores: a linguagem e a mística da comunicação do Nagrelha com o seu público, a propensão para a liderança, a assimilação de comportamentos pouco recomendáveis e a integração dos seus seguidores nas franjas marginais do Sambizanga e da periferia em geral.

 

Acredita que vai surgir um “novo” nagrelha?

Na história da arte e das sociedades, existem ocorrências previsíveis e outras não. O surgimento de uma personalidade carismática, igual ao Nagrelha, é naturalmente impossível, por uma simples razão, não existem pessoas repetíveis.

Pode ser que surja um ícone com as mesmas características, caso permaneçam as causas que estão na origem da formação do kuduro, ou seja,  as assimetrias sociais e a ausência de um sistema de ensino estruturado.  Contudo, o kuduro, enquanto género, pode evoluir para outras vertentes. Pode ser que surja no futuro, o kuduro sinfónico, quem sabe?

Sempre pensando na evolução e na refundação do género, seria interessante integrar a história do kuduro nos estudos culturais universitários, tal como já existe no Brasil com os estudos da Adriana Fancina e Hermano Vianna, em relação ao funk brasileiro, um género vizinho ao kuduro.

Julgamos ser possível estabelecer nexos periodológicos, sem preconceitos, e elevar à categoria de ensino superior, conteúdos sobre o kuduro, género musical contemporâneo de expressão internacional.

Os estudiosos da contemporaneidade musical angolana estão em condições de reunir material disperso, incluindo depoimentos de artistas e protagonistas de reconhecido mérito, sobre a história e discografia do kuduro, visando a sua sistematização e integração no âmbito dos Estudos Culturais Angolanos, de nível universitário.

A proposta de sistematização da história do Kuduro, que pressupõe um debate alargado entre investigadores e artistas, poderá analisar e dar a conhecer o estado actual deste género musical com o objectivo de encontrar consensos possíveis para a sua estabilidade periodológica, conhecer as diferentes fases do Kuduro no feminino, reflectir sobre a génese das letras das canções, aconselhar a reutilização das conquistas de Angola, ao nível da educação, saúde, construção de infra-estruturas, educação cívica, e preservação dos bens públicos nas composições musicais, numa perspectiva de associar a arte à educação patriótica.

Atenção: pelas características estéticas, rítmico peculiar e propósitos textuais,   a análise comparativa do Kuduro deve ser empreendida no interior deste género musical, pelo que se nos afigura descabido aproximar o kuduro às correntes musicais mais preocupadas com arranjos e construções elaboradas, do ponto de vista  harmónico e melódico. É urgente acabar com os preconceitos da investigação universitária no domínio da “Cultura popular”, na sua relação com as indústrias culturais.

*Investigador especializado em música popular urbana angolana

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MARIA LUÍSA ROGÉRIO*

“A voz que emergiu dos ghetos”

                                                                           Luísa Rogério

Compreendo que Nagrelha signifique pouco ou nada para algumas pessoas. Eu própria, talvez influenciada por um pseudo-elitismo barroco como diria o Raimundo Salvador, também tinha um certo olhar preconceituoso sobre o Kuduro até ao dia em que entrevistei Euclides da Lomba, salvo erro no ano de 2000.

A minha ignorância não me impediu de perceber que tinha duas opções: gostar ou ignorar! Paradoxalmente, gostava de dar uns valentes toques na roda, lá onde a intelectualidade se esvai, as estéticas etc. e tal perdem rede. Kuduro não é o tipo de música que eu coloque para ouvir em casa ou no carro, mas é o tipo de música que não me deixa indiferente.

Quando danço ao som do Kuduro, esqueço as malambas, as dores do corpo e da alma. Kuduro, como ensinou Da Lomba naquela entrevista, é mais do que ritmo dançante para o qual correntes elitistas olham com preconceito, quase com desdém. Kuduro é um fenómeno social. Por detrás da forte batida, das rimas irreverentes e muitas vezes ofensivas, do “baixo calão” e dos movimentos insinuantes, encontramos uma cultura popular. Não a cultura das definições acadêmicas nem a que nos coloca bem na fotografia do politicamente correcto. Falo da cultura que manifesta razões, formas de ser e de estar na vida.

Nagrelha é a voz que emergiu dos ghetos, rompendo a “fronteira do asfalto”, como tão bem descreveu Luandino Vieira. Obviamente, isso incomoda! Um “mussequeiro” sem maneiras a invadir-nos a casa adentro com o seu “pretuguês”? Onde é que já se viu “liambeiros delinquentes” do musseque armados em gente só porque já aparecem na televisão? Pois, é esse mesmo! Nagrelha é a voz do povo.

Se quiserem entender o que isso significa, nem que seja para criticarem com mais fundamentos, visitem o Sambizanga, o Rangel, o Cazenga e todas periferias. Depois, podem estender o caso de estudo ao asfalto. Talvez descubram a dimensão do “Comboio”. Ninguém é obrigado a gostar de Kuduro. Ou do Nagrelha. Mantenham-se à vontade na redoma do etnocentrismo cultural euro-ocidental. Isso não me incomoda, cada um com a sua identidade. Exercitar a liberdade de expressão é um direito. Respeitar a dor alheia é sinal de civilidade. Isso também é democracia!

Descansa em paz Nagrelha”

*Jornalista