Isaquiel Cori
O júri deste ano do concurso literário "Quem me dera ser onda",
ao analisar e discutir as dezasseis obras concorrentes, segundo a acta pelo
mesmo lavrada, constatou a existência de "sinais de plágio em alguns
textos", bem como a "pobreza estética de outros textos". Se a
última constatação não é inteiramente de espantar, dada a faixa etária a que o
concurso é destinado (dos 13 aos 17 anos) já a primeira, pela mesma e outras
razões, deveria suscitar generalizadas preocupações.
O objectivo do concurso, segundo o respectivo regulamento, é
"estimular a criatividade literária das crianças e jovens no domínio da
prosa de ficção". Os participantes são estudantes de escolas públicas e
privadas. Pretende-se, por outras palavras, descobrir e revelar novos valores
para a literatura angolana no género prosa de ficção.
O
plágio, segundo a académica brasileira Sónia M.R. Vasconcelos, é a
"apropriação ou imitação da linguagem, ideias ou pensamentos de outro
autor e a representação das mesmas como se fossem daquele que as utiliza".
A detecção de "sinais de plágio" em textos de crianças levanta
as seguintes questões: terão sido realmente elas as autoras de tal delito ou
por trás delas terão actuado adultos com a ganância de arrebatarem os valores
pecuniários dos prémios? Independentemente da forma perfeita ou não como a
possam verter por escrito, o que é feito da natural capacidade de imaginação e
efabulação das nossas crianças? Estará a acontecer algo, no quesito
socialização das nossas crianças, que estará a amputar a sua propensão para o
maravilhoso e a percepção de que o mundo é seu e está nas suas mãos o poder de
o transformar? Estará a sociedade urbana angolana, definitivamente, rendida ao
materialismo "globalista" e à noção fatalista de que tudo o que havia
para inventar já o foi, restando-nos apenas consumir ou imitar os produtos
culturais que nos chegam maioritariamente pela televisão e a Internet?
Talvez possa parecer exagerado, mas cremos que se faz urgente e
necessário analisar em profundidade a mentalidade desta geração que emerge no
pós-guerra, que não vivenciou, em consciência, a guerra, mas foi e está a ser
educada por pais que, tendo acumulado impossibilidades, carências e
frustrações, hoje relativamente desafogados, estão dispostos, literalmente, a
dar tudo aos filhos. Esquecem-se, esses pais, apressados em dar aos filhos o
que eles próprios jamais tiveram ou sonharam, que o mundo não se dá,
conquista-se.
Essa nova geração está igualmente a ser moldada por uma cultura instalada
na media que glamouriza o resultado
da criação artística, ou pseudo-artística, mas nada diz do processo de criação,
do necessário trabalho de oficina que exige estudo e se materializa na obra por
mil e uma tentativas, imensas horas de esforço, noites não dormidas e muito
suor. A mais das vezes, esses jovens chegam à arte pela ideia de obterem
sucesso e reconhecimento a todo o custo e não por força de uma genuína necessidade
interior de expressão ou de uma inquietude profunda face ao mundo e à vida. E
como a Internet "tem tudo" e está mesmo ao alcance dos dedos, daí a
passar à operação "Copy" e "Past" é um pequeno gesto...
Voltando ao concurso "Quem me dera ser onda", talvez se deva
dar mais a conhecer aos potenciais candidatos o processo criativo, o trabalho
de lavra e oficina do patrono Manuel Rui, a começar pela novela que dá nome ao
concurso, um retrato ao mesmo tempo fantástico e realista de uma época de
transição em que muitos cidadãos pela primeira vez passaram a habitar edifícios
urbanos, carregando consigo muito dos seus hábitos e práticas rurais e
suburbanas. Aliás, o universo narrado por Manuel Rui, com animais a morarem em
apartamentos e comissões de moradores inoperantes, devia ser encarado pelos
gestores das actuais novas centralidades como um catálogo de coisas a evitar. "Quem
me dera ser onda", 32 anos depois da sua primeira edição, com toda a sua
linguagem vívida, remete para a ideia da extrema importância da literatura como
repositório de memórias e auxiliar do conhecimento histórico e sociológico.
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