sexta-feira, 22 de agosto de 2014

As letras das canções da nossa memória

Isaquiel Cori

                                                                                                                       

Carlos Ferreira, o Cassé, jornalista e escritor, entregou ao mercado (18/04, na União 
dos Escritores Angolanos) o seu mais recente livro, “Memórias de Nós”, cerca de centena e meia de poemas-letras para canções escritos ao longo de trinta anos, sendo mais de metade criados ao longo da década de 1980.
Como já se pode inferir do título, “Memórias de Nós”, editado pela União dos Escritores Angolanos, tem um enfoque geracional, é uma entrega do autor, sobretudo, mas não só, para aquela geração de angolanos que, no contexto estrito da literatura, o crítico literário Luís Kandjimbo cunhou como sendo Das Incertezas, e que Paulo Flores, num contexto mais geral, cantou como tendo sido feliz sem o saber. É a geração convencionalmente referida como a dos anos ‘80 e princípios dos ’90 e cujos integrantes estão hoje na faixa etária dos 40/50.
Ao lermos os poemas vocalizados em disco, ao longo dos anos, por artistas como Mamborrô, Eduardo Paim, Paulo Flores, Don Kikas, Ângelo Boss, Joseca e outros, a melodia das canções, como num passe de mágica, enche-nos imediatamente os ouvidos, provinda dos recônditos do cérebro que guardam as memórias mais gratas das nossas vidas.
Eis um excerto de “Traço de união””, musicalmente trabalhado por Mamborrô em 1987: “Era um traço de união / era o cantar da canção / era a força da vontade / era a verdade da nossa idade // era a loucura do tempo / era a vida no momento / era a fase da alegria / era o que a vida sera” (…)
Ainda por Mamborrô, de 1987, “Era miúdo”: “Era miúdo sabia cantar / brincava como um jogo de criança / agora que sinto tempo passar / continuo a saltar ao pé da esperança (…)”
E de “Dizer adeus”, composto por Eduardo Paim e interpretado pelo grupo “S.O.S.”, em 1988: “Dizer adeus aos poucos mais ou menos / sem ter as palavras para falar / dizer que já não há nem movimento / e que parado continuo a andar (…)”
O livro de Cassé, que faz uma singela homenagem ao músico Beto Gourgel, não é propriamente um repositório ou um compêndio de memórias. Estas ganham corpo a partir das palavras-evocações que suscitam todo um clima psicológico de saudade, nostalgia e de recordações difusas, tristes, alegres ou indefiníveis, de situações, vultos e rostos de pessoas queridas, muitas das quais desaparecidas para sempre. Neste sentido, “Memórias de Nós” é uma tentativa de salvar da morte, aqui entendida como o tempo irremediavelmente transcorrido, o mundo difuso dos afectos e das lembranças juvenis de toda uma geração. Lembranças gratas ou ingratas. Lembranças.
No seu livro, como descreve Ladislau Silva, no prefácio, “Cassé fala dele também. Das suas raízes. Da miscigenação. Das influências. Das realidades vividas. Dos ídolos e dos lugares de memória da sua (nossa) terra”. E diz-nos tudo isso, acrescenta, “de uma forma directa, incisiva mas ao mesmo tempo doce, como a brisa que não deixa a chama queimar a magra refeição dos carentes. Antes pelo contrário. Dá-lhe cor, calor e sabor.”
O espólio criativo de Cassé - de letras para canções - agora reunido em livro, foi pesquisado e recolhido por Irene Guerra Marques. Sugestão: “Memórias de Nós” deve ser lido ao som do CD “Cacimbos”, editado em 2006 pela Nzila e que reúne canções  de Paulo Flores, Don Kikas, Ana Maria de Mascarenhas, e outros, suportadas precisamente por letras de Cassé.



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