Isaquiel Cori
O
DVD produzido pela Fundação Agostinho Neto, com depoimentos de 13
personalidades moçambicanas sobre Agostinho Neto, o primeiro presidente da
República de Angola, é digno de merecer a maior divulgação possível. Lançado em
Janeiro na província do Bié, no quadro
dos festejos do Dia da Cultura Nacional, a obra, até aqui, teve escassa
repercussão em Angola, ao contrário do que aconteceu em Moçambique, onde foi posta
a público no dia 25 de Maio num acto bastante mediatizado que contou com a
presença do Presidente Armando Guebuza.
Os
depoimentos abarcam um longo lapso de tempo da vida de Neto, desde os tempos de
estudante em Portugal, nos anos 1940/50, até 1979, o ano da sua morte. A
trajectória de Agostinho Neto é narrada, através das memórias das
personalidades moçambicanas, na sua dimensão de estudante consciente da
importância da libertação do país do jugo colonial, de líder do Movimento
Popular de Libertação de Angola (MPLA), de homem de cultura e de estadista. A
permear todas essas dimensões ressalta sempre uma constante: a do homem
simples, humilde e camarada, não obstante a sua enorme estatura intelectual e
simbólica. “Era um indivíduo que falava pouco mas pensava muito. E quando
falava só dizia as coisas muito acertadas” (Joaquim Chissano). “Ele tinha uma
conversa para todos” (Mariano Matsinha).As relações estreitas entre o MPLA e a FRELIMO, o contexto em que as mesmas se desenrolaram, as amizades – cumplicidades - entre os dirigentes de ambos os países, alicerçadas e edificadas ao longo da luta de libertação nacional, são evocadas pelos depoentes, cada um, naturalmente, à sua maneira.
Segundo Mariano Matsinha, fundador da FRELIMO, “havia troca de informação institucionalizada, organizada e informal sobre o que acontecia em Angola e em Moçambique”.
Joaquim Chissano, ex-presidente de Moçambique, e ao longo de muitos anos ministro dos Negócios Estrangeiros, afirma que conheceu pessoalmente Agostinho Neto em Dar-es-Salam (Tanzânia) em 1965, num encontro de movimentos de libertação das então colónias portuguesas, em que “ele (Neto) tomou posições muito construtivas”.
O escritor Mia Couto, que foi repórter presidencial ao tempo de Samora Machel, e nessa qualidade esteve muito próximo de Agostinho Neto, centra o seu depoimento na vertente cultural, fala da “dimensão mitológica” e exalta as qualidades do poeta. Para ele, a poesia de Agostinho Neto é de “um africano que bebeu a cultura do mundo e que era um homem universal”: na sua poesia não há “uma proposta de um nacionalismo estreito, que nega as contribuições dos outros”. Mia Couto cita particularmente o poema “Depressa”, contido no livro “Sagrada Esperança”, como um exemplo de “poesia pura”, com “uma mensagem intemporal que deve ser ensinada nas escolas, porque ensina os jovens a terem uma atitude”.
Outro depoimento de grande impacto, sem desprimor para os outros, é o de Sérgio Vieira, que foi director do gabinete do presidente Samora Machel. Algumas das suas informações são autênticas revelações, verdadeiras pérolas de memória histórica. Por exemplo, o facto da FRELIMO ter fornecido armas, incluindo morteiros BM-21, ao MPLA, usadas na crucial batalha de Kifangondo, em 1975; a criação, no dia 12 de Novembro de 1975, de um “banco de solidariedade” com as contribuições de um dia de salário dos funcionários moçambicanos, que arrecadou mais de um milhão de dólares que foram entregues ao jovem governo angolano.
Sérgio Vieira dá igualmente a conhecer que pouco antes da independência de Angola, diante da situação de incerteza que se vivia, o MPLA transferiu “todos os haveres” do Banco de Angola para o Banco de Moçambique. Tais “haveres” foram devolvidos ao Banco de Angola logo depois de proclamada a independência. Outra revelação: Agostinho Neto celebrou o seu último aniversário natalício, em 1978, em Moçambique.
Um dos momentos de maior tensão dramática, do conjunto de depoimentos, é aquele em que o mesmo Sérgio Vieira fala dos acontecimentos e das consequências do 27 de Maio de 1977 em Angola. “Houve descarrilamentos, à margem dos órgãos próprios. Esses descarrilamentos, em particular, feriram o presidente Neto. Ele ficou extremamente magoado, porque era um homem de grande sensibilidade e humanismo”.
Malangatana Ngwenya, essa personalidade irradiante da cultura moçambicana, que faleceu pouco depois de ser entrevistado, fala da poesia de Neto e de como ela terá enriquecido a sua visão estética. Outros depoentes são Marcelino dos Santos, Raimundo Pachinuapa, Bonifácio Massamba, Alberto Chipande, Roque Félix, Abdul Bulamusein, Aiuba Cuereneia e Frederico Alberto.
Os depoimentos do DVD “Moçambicanos Falam de Agostinho Neto” foram recolhidos pelos jornalistas Altino Matos e Horácio Pedro, sob coordenação de Amarildo da Conceição. As filmagens foram feitas pela Dread Locks. A Fundação Agostinho Neto, que concebeu, produziu e realizou o projecto, teve o apoio dos bancos BAI e BPC.
Lançamento
concorrido
O lançamento do DVD em Maputo aconteceu a 13 de
Junho, no Centro Cultural Joaquim Chissano, na presença do chefe de Estado
moçambicano, Armando Guebuza, da presidente da Fundação António Agostinho Neto
(FAAN), Maria Eugénia Neto, de centenas de personalidades influentes da
sociedade daquele país e do corpo diplomático.
O Presidente da República de Moçambique, a quem foi
outorgado o título de membro honorário
da FAAN, considerou Agostinho Neto um “intelectual de primeira água”, com alta
perspicácia política e uma personalidade humanística contagiante. Sublinhou que
a voz de Agostinho Neto não era apenas ouvida, mas sobretudo respeitada
internacionalmente.
Armando Guebuza referiu que Neto colocou toda a sua
estatura ao serviço do povo angolano e do alcance da independência nacional.
Maria Eugénia Neto afirmou que o DVD foi produzido
para que não se percam as memórias dos camaradas moçambicanos que conviveram
com Agostinho Neto, antes e depois da independência, e para que também “não se
adultere a verdadeira história de Angola e do MPLA”.
Na mesma cerimónia a FAAN fez a doação de valores
monetários, um total de dez mil dólares, a duas escolas primárias, uma da
cidade da Beira, província de Sofala, e outra do bairro Kumbeza, no distrito de
Marracuene, na província de Maputo.
Maria Eugénia Neto entregou, igualmente, ao Presidente da República de
Moçambique, um poema seu, emoldurado, em homenagem ao primeiro presidente
daquele país, Samora Machel.
Amarildo da Conceição, alto funcionário da FAAN,
disse ao jornal Cultura que ainda este ano vai ser lançado o DVD com
depoimentos de personalidades de Cabo Verde que conviveram com Agostinho Neto.
Referiu que a Fundação já procedeu à recolha de depoimentos do mesmo cariz em
Angola, Argélia, Cuba, Namíbia, Congo Brazzavile, RDC e Tanzânia, que em devido
tempo também serão publicados.