quinta-feira, 25 de julho de 2013

O lado obscuro e a vertigem das redes sociais

A Internet e as suas várias dimensões






Isaquiel Cori

É um facto que as redes sociais, actualmente, são o "carro chefe" da Internet, isto é, constituem o motivo principal dos usuários acederem à Web. Antes já o foram os motores de busca com a sua quantidade quase infinita de informação sobre praticamente todos os tópicos e assuntos.
Os internautas, vezes sem conta, perdiam-se [perdem-se] no meio de tanta informação, incapazes de fazer as devidas conexões e dar um rumo a tanto saber. E havia ainda [há] o aspecto da impessoalidade: ao accionar o browser estamos claramente a lidar com a máquina não apenas como meio mas também como fonte de informação.
É o contrário do que acontece com as redes sociais, onde o internauta lida com pessoas [virtuais], interagindo com elas, colocando questões e obtendo respostas a mais das vezes em tempo real. As redes sociais são assim o lado mais humano e humanizante da Internet, na medida em que a principal característica do ser humano é precisamente a socialização.
Mas aqui é pertinente colocar as questões: as pessoas com quem lidamos nas redes sociais são verdadeiramente reais? São mesmo autênticas?
Ou são máscaras, projecções idealizadas de eus solitários diante do computador? De gente que sonha e vive contente, amando, sofrendo, lutando, perdendo, ganhando, caindo, soerguendo-se, gritando, calando, batendo, apanhando, e projecta os seus sonhos, através do teclado do computador, tablet ou smartphone para a rede social de que faz parte?
Para mim, confesso, esse é o lado obscuro das redes sociais e que, não poucas vezes, me provoca vertigem. Gosto de falar com pessoas de carne e osso, olhá-las nos olhos, sentir as palavras a saírem-lhes literalmente da boca, acompanhar os seus gestos ou, pelo menos, se ao telefone, captar as nuances da sua voz.
Quando leio um post no facebook ou noutra rede social é como se estivesse a ler um romance: mais do que o autor, visualizo um narrador, um contador de estórias.  

terça-feira, 16 de abril de 2013

A Opinião do Escritor João Tala

Processo eleitoral na União dos Escritores Angolanos

Isaquiel Cori
 
Três perguntas ao escritor João Tala, a propósito do processo para eleição dos novos corpos sociais da União dos Escritores Angolanos. Tala é um dos inspiradores da candidatura da Lista B, liderada por António Gonçalves.
  
Tem alguma razão de queixa em relação à forma como está a decorrer o processo eleitoral?

Está uma campanha bastante desigual e a imprensa não equilibra a vontade das duas listas do mesmo modo. Por exemplo, determinado semanário, muito conhecido no país e não só, fez campanha a favor da Lista A por três semanas consecutivas. Sabemos como isso se processa com negociatas «debaixo da mesa». Mas isso reflete apenas a atitude de uns quantos escritores sempre envolvidos de pensamentos mercantilistas para benefícios próprios e de alguns jornalistas ávidos da "massa". Estou hoje nada fascinado com a mesquinhice que reina na UEA. Muitos confrades consentem miséria ideológica, desunião, clientelismo, a exclusão etc., para que possam acontecer coisas desse género. A campanha da Lista A começou muito antes da realização da Assembleia que fixaria o início a 01 de Abril e isso já me deixa intrigado. Há também o facto autoconsumista, com dispêndio de fundos da UEA à campanha própria por parte da actual direcção, cedendo apenas valor irrisório à lista oponente.

O que tem a acrescentar ao programa eleitoral da lista B em circulação?

A Lista B parte de uma experiência que é o trabalho com o escritor, é a valorização da escrita literária como contributo ao património cultural. Fóruns como o I Encontro Internacional de Literatura Angolana, realizado em 1987, a instituição de prémios literários como o "Prémio pelo Conjunto da Obra" e outros, a promoção de tertúlias na casa dos escritores estariam acima do mercantilismo aproveitacionista, devolvendo-nos o conforto das Ideias, curtindo a nata do pensamento que faz o escol em Angola.

Tem a convicção de que a vitória da lista B está garantida?

Não me falta a convicção de que a UEA deve mudar uma série de aspectos. Apesar da surpresa que constitui a quebra rotineira das unanimidades, as duas listas estão em condições de ganhar ou não. Não antecipo nada para ninguém porque até ainda estou gratamente em campaha pela Lista B e os outros também estarão a fazer a sua.

Tudo a postos para o pleito eleitoral na UEA


Amélia Dalomba, presidente da Comissão Eleitoral

 
Isaquiel Cori

 
A eleição dos novos corpos sociais da União dos Escritores Angolanos (UEA) acontece a 20 de Abril, na sua sede, em Luanda, com a apresentação de duas listas. A lista A é liderada pelo actual secretário-geral, Carmo Neto, e a B por António Gonçalves.
Até ao dia 18 decorre a campanha eleitoral, com os candidatos a movimentarem-se e a divulgarem os respectivos programas.
Amélia Dalomba, presidente da Comissão Eleitoral, disse que todo o processo está a decorrer “com imensa tranquilidade”.
“O nosso trabalho é estabelecer consensos e equilíbrios e estamos a encontrar bastante colaboração entre os candidatos. Não temos nenhuma situação que lese os estatutos”, referiu.
A escritora garantiu que “os preceitos democráticos e estatutários estão presentes no processo e estarão presentes no pleito eleitoral”.
Disse esperar que a campanha eleitoral continue a decorrer com transparência e civismo e que cada um dos concorrentes “cuide do respeito pelo prestígio e a memória da instituição”.  
Deu a conhecer que está previsto pelo menos um debate entre os cabeça de lista, em data por acertar, na Rádio Nacional.
Fazem igualmente parte da Comissão Eleitoral os poetas António Panguila e Nok Nogueira e um representante de cada uma das listas concorrentes. O resultado da eleição é conhecido no dia 20 e os órgãos eleitos tomam posse no dia 28.
A UEA, fundada a 10 de Dezembro de 1975, congrega a grande maioria dos escritores angolanos. As suas acções estendem-se pelas vertentes associativa e editorial. O incentivo à escrita e a promoção do livro, da literatura e da leitura são as suas principais actividades.

***
Programa da Lista A 
Trazer a público novos talentos literários
O programa da Lista A, onde pontificam Carmo Neto, candidato a secretário-geral, e Adriano Botelho de Vasconcelos, presidente da mesa da Assembleia Geral, manifesta a intenção de promover e divulgar cada vez mais a literatura angolana e trazer a público novos talentos no quadro do princípio da continuidade. Segundo os seus mentores, está voltado para a elevação da imagem dos escritores angolanos, o aumento das publicações e o reforço do papel da instituição como uma referência nacional e internacional na literatura, contribuindo na promoção, divulgação, construção e conservação da história de Angola no domínio cultural.
O programa prevê fortalecer as capacidades internas, para melhor responder e servir os seus membros e a sociedade.  Estabelece como linhas estratégicas para os próximos três anos o reforço da capacidade, imagem e relações institucionais; a promoção e divulgação da literatura angolana e a identificação e promoção de novos talentos.
O secretariado executivo, refere o documento, levará a cabo acções de capacitação dos quadros internos sobre estratégias de realização e produção de programas culturais e estabelecimento de protocolos de parceria com diversas instituições (internas e externas).  
É garantido que a comissão directiva procurará mobilizar e proporcionar espaços e meios para divulgação das obras dos membros dentro e fora do país e trabalhar-se-á na descoberta de novos talentos, tornando-os públicos com vista a incentivar a juventude ao gosto pela escrita e leitura.
A Lista A impõe-se como missão assegurar a promoção e divulgação da literatura angolana dentro e fora do país; defender os interesses dos membros da UEA e trazer a público os novos talentos da literatura angolana.
A meta é tornar cada vez mais a UEA uma referência incontornável na literatura angolana, contribuindo na promoção, divulgação e conservação da história angolana, sobretudo no domínio cultural. É igualmente fazer da UEA um espaço de partilha entre escritores, baseados nos princípios da solidariedade, transparência, unidade e responsabilidade social.
De modo específico, os candidatos da Lista A pretendem aumentar os níveis de produção e venda de títulos (livros) durante os próximos três anos; proporcionar  mais espaços de debate, troca de experiências e divulgação das obras dos membros da UEA dentro e fora do país; e reforçar e criar novas parcerias com instituições nacionais e internacionais, estabelecendo protocolos de parceria nos vários domínios da promoção e divulgação da literatura angolana.
Pretendem também incentivar o gosto pela leitura e a escrita no seio dos jovens e melhorar a capacidade de prestação de contas e as condições da UEA para prestar  serviços públicos.
O documento refere que, a ser eleita, a Lista A vai bater-se pela mobilização de meios para a produção de mais de 60 títulos dos membros da UEA a nível interno e externo, o estabelecimento de protocolos de parceria com Universidades e livrarias e por uma maior tradução da literatura angolana nas línguas estrangeiras mais influentes (inglês, francês, espanhol, italiano e alemão).
Vai realizar a Feira Internacional do Livro da UEA, com periodicidade anual, o Grande Prémio de Literatura da UEA, com carácter bianual, lançar o  Prémio António de Assis Júnior, revitalizar o Prémio Quem Me Dera Ser Onda e institucionalizar os prémios Alda Lara e Eugénio Ferreira, este especificamente no campo da crítica literária.
Com a Lista A, é prometido no seu programa, a literatura angolana passará a estar representada nos eventos literários internacionais, serão levadas “biblioteca e leitura” às principais unidades prisionais do país e publicitadas as obras literárias nos meios de transportes públicos e privados.
Serão feitas parcerias com a comunicação social para a promoção e divulgação da literatura angolana, realizados eventos culturais tais como a comemoração dos 50 anos de lançamento do livro “Luuanda”, do escritor Luandino Vieira, e a Semana Africana na Universidade de Coimbra, em Portugal.
Do programa consta igualmente a realização de um Seminário Internacional de Literatura sobre Guerra e Paz, um encontro nacional de escritores, a participação em feiras internacionais do livro e encontros de confraternização durante os aniversários da UEA.
O projecto de liderança de Carmo Neto para os próximos três anos inclui a recolha e selecção de novos potenciais parceiros para apoiar a promoção e divulgação da literatura angolana, a promoção de bibliotecas junto dos estabelecimentos escolares, formação e debate sobre crítica literária e o estabelecimento de protocolos com o Ministério da Educação para que nas escolas, a todos os níveis, seja obrigatório o estudo da literatura angolana e a divulgação dos escritores angolanos.
É prometida a avaliação interna e externa das contas da UEA e garantido o apoio à assistência médica e medicamentosa dos membros da UEA e pessoal administrativo.
O lema da campanha da Lista A é: “Unidos na União”.
 
***


Programa da Lista B
Influenciar linhas de pesquisa universitárias


O programa da Lista B, segundo os seus mentores liderados pelo escritor António Gonçalves, é “inspirado nos grandes ideais que nortearam o surgimento da Geração da Mensagem (1948) e dos intelectuais precedentes, imortalizados no livro ‘Voz de Angola clamando no deserto’ (1801), primeiros pensadores angolanos e fundadores da nossa Literatura nacional”. 

A intenção da Lista B, segundo o preâmbulo do seu programa, é “colmatar inúmeras lacunas existentes no funcionamento actual da maior e mais antiga associação de escritores em Angola”.
Noutra vertente, é referido que se pretende “reclamar a maior adaptação da UEA aos novos tempos, projectar um futuro rico em inovações, mas sem esquecer a história do Povo Angolano e dos seus Heróis”. É igualmente projectado “recuperar o protagonismo perdido pela UEA como elemento ‘chave’ da sociedade civil e restaurar o orgulho de ser escritor-membro desta prestigiada associação”.
Concretamente, o programa da Lista B consiste em negociar um seguro para todos os escritores necessitados, organizar, em 2014, um colóquio em homenagem ao 90º aniversário natalício de António Jacinto (28 de setembro de 1924 — 23 de Junho de 1991), membro fundador da UEA e um dos grandes da literatura nacional e apoiar, em 2014, a segunda Edição da Bienal Internacional de Poesia de Luanda.
É pleiteada a organização, em 2015, da segunda edição do Encontro Internacional sobre Literatura Angolana, a consolidação do projecto editorial da UEA e o fortalecimento, de forma contínua, da publicação e divulgação de livros.
É referida a intenção de retomar a divulgação do Concurso Primeiro Livro, para os novos autores em todo o território nacional, a criação do Prémio UEA para o conjunto da obra de um escritor angolano, a ser entregue no dia 10 de Dezembro, em conjunto com o Prémio Primeiro Livro.  
É proposta a criação de uma comissão para pesquisar e sugerir a instituição do Dia do Escritor Angolano, a publicação da gazeta Lavra & Oficina, com periodicidade mensal, e a promoção de encontros nacionais de escritores, com cada edição numa província e o apoio do executivo local.
A liderança de António Gonçalves propõe-se a organizar, em cada dois anos ou sempre que as condições permitirem, um festival internacional de poesia de Angola com a presença de poetas do mundo, “com destaque aos nossos irmãos africanos”,  revitalizar os acordos já assinados pela UEA e reforçar os laços privilegiados com as diferentes associações de escritores da CPLP e de países como África do Sul, Congos, Zâmbia, Namíbia e da América Latina.
A Lista B promete criar programas de Oficinas de Escrita Criativa dirigidos especialmente a jovens, com a colaboração de especialistas de Angola, Cuba, Portugal e Brasil, proporcionar condições para a construção da Casa do Escritor, que, com os devidos apetrechamentos, servirá também para albergar personalidades estrangeiras convidadas pela UEA.
No seu projecto de gestão António Gonçalves, que se faz acompanhar pelo poeta João Maimona, proposto a presidente da mesa da Assembleia Geral, inscreve a produção de um programa, em formato televisivo e adequado ao radiofónico, para a divulgação e discussão da literatura e suas implicações na sociedade e o desenvolvimento de um projecto que permita manter convénios com instituições do ensino superior vocacionadas para o ensino de literatura, estimulando e influenciando as suas linhas de pesquisa.
É também referida a ideia de revitalizar os concursos infanto-juvenis e a sua extensão a escolas em todas as províncias.
Nas províncias onde as condições o permitam deverão ser criados  núcleos provinciais da UEA, com o apoio do Executivo local através da direcção provincial da Cultura.
Serão organizados encontros de confraternização entre escritores, para estimular as tertúlias, tendo como convidadas personalidades de destaque da vida sócio-cultural do país, bem como visitas turísticas a locais históricos e culturais espalhados pelo país, em companhia de personalidades nacionais e estrangeiras.
Finalmente, o programa da Lista B promete redefinir os critérios de atribuição da bolsa de criação literária, estabelecer um acordo com a coordenação das Mediatecas, de modo a ter-se em conta a divulgação e promoção dos livros dos escritores angolanos e estabelecer acordos com instituições culturais sediadas no país e no exterior.
“Competência, Responsabilidade e Solidariedade. Por uma União ao Serviço dos Escritores, da Cultura e da Nação” é o lema adoptado pela campanha de António Gonçalves.
 
 
 

 

domingo, 31 de março de 2013

As nuances do 1 de Abril, o Dia das Mentiras

Onde se fala de mentiras “inocentes” e “sérias
 
 
Isaquiel Cori


Sim e não. Branco e preto. Grande e pequeno. Bom e mau. Alto e baixo. Verdade e mentira... É assim que, na generalidade, o senso comum tende a pintar o mundo, como se a vida fosse uma pobre moeda de duas faces. Pepetela, no seu celebrado romance, “Mayombe”, introduz, entre o sim e o não, a questão do talvez. E entre a verdade e a mentira?

Crescemos a ouvir, e agora dizemos aos nossos filhos, que mentir é muito feio. E que mais vale dizer a verdade, seja em que circunstância for. Mas, como na história bíblica, por analogia, diante da pecadora, quem nunca mentiu, que atire a primeira pedra.
“De quando em vez, uso umas mentirinhas. Por exemplo, às vezes digo aos meus filhos que vamos passear a um determinado lugar e acabamos por não ir”. Tratam-se de mentiras “inocentes”, “sem consequências de maior”, na óptica de Rosa Gracieth, 39 anos. Para lá desse tipo de mentira, ela distingue outro, “mais sério”: “Há aquela mentira que chega a ser um roubo. Por exemplo, alguém vende-te um produto por dois mil kwanzas, quando o seu preço verdadeiro é mil. Mais do que mentira, isso é um roubo”.
Leonilda Damião, 32 anos, é igualmente de opinião que existem mentiras “inocentes”, “toleráveis”: “De quando em vez, quando quero uma coisa do meu esposo, minto, e, ao fim e ao cabo, descubro certas verdades. Quando a mentira não é destrutiva mas saudável, ela contribui para uma boa relação”.
Mentiras afectivas?, interrogamo-nos nós.
Definitivamente, há gradações no mentir. Mentiras “inocentes”. Mentiras “sérias”. Se aquelas são parte íntima do jogo saudável das relações humanas (nesta acepção, podem ser expressas pelos verbos “estigar”, reinar, caçoar, brincar) já estas podem ter efeitos danosos. “Quando alguém me mente sinto-me muito zangada. É triste e frustrante. Perco logo a confiança nessa pessoa”, exclama Leonilda Damião.
“Sinto-me decepcionado, sobretudo se o mentiroso for alguém que convive comigo. Encaro essa mentira como um acto de traição”, acrescenta Adriano Makuéria, 38 anos.
“A mentira, para ser saudável, tem de ter limite. A pessoa que mente tem de saber que não vai prejudicar ninguém”, opina Gina Lopes (não quis dizer a idade), sub-directora pedagógica da escola primária 6.014. “Num desses 1 de Abril, alguém ligou-me a dizer que um amigo morreu. A notícia espalhou-se e até chegou a formar-se óbito, quando na verdade o tal amigo estava bem vivo e a dar as suas voltas. Senti-me muito transtornada e ofendida”, revela.
Gina Lopes acrescenta o fenómeno da mentira aos males que vêem sendo observados e recenseados na sociedade angolana. “Em Angola mente-se muito, tanto a nível das figuras públicas como das outras. Tendem a dizer que podem, quando na verdade não podem. Muitos jovens, quando querem conquistar uma rapariga, fruto da pobreza em que vivem, fazem-se passar por alguém que não são. E agora, com o uso generalizado dos telemóveis, as pessoas tornaram-se muito mais mentirosas”.
Porventura também mente-se por caridade? Por amor?
“Sim”, afirma Leonilda Damião. “Há quem, diante de um defeito do companheiro, para não magoá-lo, prefere mentir”.
Entre homens e mulheres, em Angola, quem mais tende a mentir? À falta de estatísticas, que nos dariam um quadro objectivo do problema, contentamo-nos a colher a opinião dos nossos interlocutores. “Acredito que haja um equilíbrio. Todo o ser humano está sujeito a mentir”, diz Gina Lopes.
Adriano Makuéria é mais contudente: “As mulheres mentem mais. Veja que raramente elas aceitam dizer a sua idade ou, se trabalham, o salário que auferem”.
“Os homens mentem muito mais. Vejo mais seriedade nas mulheres”, defende Casimiro Morais, 40 anos.
Na escala de graduação da mentira há que mencionar aquela que está associada ao maravilhoso, à fábula, ao sonho. Este é o mundo, por excelência, da literatura, da ficção. “O escritor mente para fazer passar a sua mensagem. Ele é um educador, já que tenta criar uma mentalidade nova. O escritor pode recorrer a personagens fictícias para, digamos assim, salvar a sociedade”, refere Timóteo Ulika (pseudónimo literário do historiador Cornélio Caley).

A perspectiva jurídica

Segundo Lazarino Poulson, advogado, não existe mentira legítima. “A mentira é sempre um engano”, afirma. “Eventualmente, a mentira pode ser admissível no âmbito do trato, da cortesia, mas nunca na esfera jurídica. Aliás, há crimes que têm na sua base a mentira. São os casos dos crimes de burla, de peculato, de abuso de confiança e de falsificação”.
Na óptica do advogado, nem mesmo o Dia das Mentiras pode servir de desculpa para mentiras danosas. “Imagine que no dia 1 de Abril alguém desperte um alarme de bomba num aeroporto. Isso pode provocar pânico e daí danos materiais e outros. A esse indivíduo deverão ser imputadas responsabilidades civis e criminais. Quando a mentira provoca danos ou afecta os nossos direitos, ela é muito perniciosa”.
A classe profissional que mais mente, na percepção de Lazarino Poulson, é a das secretárias. Seguem-se-lhe, por esta ordem, a dos políticos, dos advogados e dos jornalistas.
O jurista Noé Filho esclarece que, juridicamente, uma mentira pode redundar num falso testemunho, quando “um indivíduo faz um depoimento contrário à verdade por ele conhecida”. Noé Filho menciona também a figura da simulação, no âmbito do direito civil, “quando alguém pretende realizar um negócio mas age de forma diferente, como se o não quisesse realizar”.
O jurista elucida que, em Direito, a acção consiste em fazer ou em não fazer. “Logo, também pode-se mentir por omissão”.
Ele reconhece que, por razões profissionais, os advogados podem ser obrigados a mentir... por omissão. “Pelo sigilo profissional, os advogados não têm a obrigação de narrar certos factos concernentes à situação dos seus clientes. Eles não podem, no tribunal, dizer algo que possa prejudicar os seus clientes”.
Noé Filho admite que se possa mentir no dia 1 de Abril. “Há mentiras grosseiras, aquelas que, pelo modo como são ditas, não têm a possibilidade de encontrar qualquer crédito. Essas são as mentiras toleráveis no Dia das Mentiras. Já as mentiras mais refinadas, aquelas que são ditas no sentido de produzir um efeito contrário à realidade ou para conseguir um proveito ou para que as pessoas tenham um determinado comportamento, não são, de modo nenhum, toleráveis”.

 

NA – Este texto foi originariamente publicado aqui em 23 de Agosto de 2009. Republico-o por achá-lo perfeitamente actual.

 

domingo, 24 de março de 2013

MULHERES: ESSAS DESCONHECIDAS...

Isaquiel Cori
 
 
Já em 1858, um eminente pensador, M. De Ponsan, no seu livro “História Filosófica e Médica da Mulher”, escrevia: a mulher “é um ser multiforme; autêntica Proteia, muda de aspecto sob os nossos olhos, segundo as paixões que nos animam: é o céu, é o inferno, é um anjo, um demónio, o dia, a noite, a paz, a guerra, o amor, o ódio, a beleza, a feieza, uma graça, uma fúria; é sempre ela, sempre a mesma, sempre una e sempre múltipla: una em relação a ela, múltipla em relação a nós, cujas paixões são várias. E como é feita para as nossas paixões, se a quisermos julgar sem paixão escapa-nos, nunca mais a encontramos”.

Trata-se evidentemente de um olhar e de um discurso masculino sobre a mulher.

Hoje, em pleno século XXI, a mulher continua a concitar a admiração dos homens, ao mesmo tempo que continua por eles incompreendida. Ela é um mistério nunca desvendado, uma fruta saborosa de que se desfruta mas que nunca é verdadeiramente possuída…

… Cá estamos nós, também, a incorrer nos estereótipos do discurso masculino sobre a mulher...

Décadas de luta e de conquista dos seus direitos cívicos, políticos, económicos e sociais, transformaram a mulher hoje num ser dotado de uma visão e de um discurso próprios.

Cantada na música e na poesia, exaltada nas artes, ela hoje não só canta-se e exalta-se a si própria, mas também estende o seu olhar em redor e dá corpo a uma visão própria do mundo, da vida, e até mesmo do homem, a partir de uma sensibilidade ‘diferente’.

De tal modo que alguns estudiosos da cultura chegam a falar numa música, numa poesia e numa arte, em geral, ‘feminina’.

A noção de ‘sexo fraco’ há muito deixou de fazer sentido, tal como a noção implícita de ‘sexo forte’: descobertas científicas atestam realmente a existência de algumas diferenças fisiológicas e ao nível do funcionamento do cérebro, entre homens e mulheres, mas nada que aponte para uma pretensa superioridade de um sexo sobre outro. No fundo essas diferenças resultam tão somente em sensibilidades e percepções específicas, que definem, afinal, o homem e a mulher.

Entretanto, a afirmação integral da mulher, em todo o mundo, ainda é uma meta por alcançar. Apesar de já existir uma numerosa élite de mulheres competentes, bem formadas técnica e academicamente, elas continuam essencialmente à margem dos centros de poder e de decisão.

Aqui não se trata já, tão somente, de uma questão de discriminação das mulheres, mas de uma questão mais global de défice dos direitos humanos, pois as mulheres constituem mais de 50 por cento da população mundial. E em se tratando de desenvolvimento humano, nas suas componentes política, económica, social e cultural, a marginalização das mulheres revela-se absurda e um factor de entrave para esse mesmo desenvolvimento.

À medida em que mais e mais contingentes de mulheres acederem a níveis de educação cada vez mais elevados e livrarem-se da pobreza, e à medida, também, em que mais e mais homens libertarem-se das amarras do preconceito, estamos certos, a igualdade de género, que será sempre uma meta e nunca um fim em si mesmo, uma igualdade baseada no justo reconhecimento do mérito e não obtida à força de discriminação, positiva ou negativa, será uma realidade.

 

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

A força e o poder da fé erguem um novo templo

- Igreja Metodista Unida de António Rocha

Isaquiel Cori      Google+
 
A convite de Joca da Costa, presidente da junta administrativa, estive, num domingo recente, no culto da Igreja Metodista de António Rocha, no bairro Golfe 1. Foi a segunda vez que lá estive.
A primeira foi há cerca de dez anos e encontrei então uma igreja a funcionar numas instalações precárias de pau-a-pique. Algumas paredes pareciam ir cair a qualquer momento. Os crentes amontoavam-se num espaço pequeno com pouca circulação de ar e ao longo de todo o culto jamais largavam os lenços com que tentavam enxugar o calor do rosto.
A igreja de António Rocha serve uma comunidade que se estende do Golfe ao bairro Popular, maioritariamente de origem camponesa. Como em todas as igrejas angolanas, as mulheres são o motor da igreja, são elas que dinamizam as principais actividades. Ao longo da semana, pude informar-me então, elas iam às suas lavras nos arredores de Luanda, para regressarem à sexta-feira e então irem ao domingo assistir ao culto. Os seus filhos compunham a sociedade de jovens e davam as suas vozes ao grupo coral da igreja. Muitos desses jovens acabavam por namorar e casar com companheiros da igreja.
No domingo recente em que estive na Igreja de António Rocha constatei, diria incrédulo se não estivesse no interior da igreja, que a junta administrativa da igreja, agora composta em grande parte pelos filhos das mamãs camponesas, muitos dos quais  adquiriram a formação universitária, liderados pelo pastor Calenji, deitou abaixo o “edifício” de pau-a-pique e ergueu uma igreja digna desse nome, toda ela em cimento armado, com assentos no rés do chão e no primeiro andar. A arte decorativa no interior, ainda inacabado, em nada fica a dever aos lugares de culto situados em comunidades mais abastadas.
Há dez anos a igreja, em termos arquitectónicos, estava perfeitamente inserida no seu meio: a maioria das casas em redor era de pau-a-pique ou madeira, com quintais de chapas de zinco. Com o tempo as casas em redor passaram a ser de blocos de cimento, tal como os quintais: nesse cenário, a igreja de pau-a-pique parecia uma relíquia. Hoje, com o seu magnificente edifício, a Igreja de António Rocha sobressai no bairro, onde é o seu “farol” arquitectónico, a referência das referências.
Ao longo do culto pude aperceber-me que o mosaico  sociológico da comunidade de António Rocha é basicamente o mesmo de há dez anos, mas com uma franja mais alargada e activa de jovens conscientes do seu papel de baluartes da igreja. As mamãs e os papás camponeses estão cansados e muitos deles desiludidos com as desapropriações das suas lavras que deram lugar à construção de bairros residenciais, fábricas, o novo aeroporto e outros empreendimentos. Alguns dos papás e mamãs que eu há dez anos vira cheios de vigor e saúde a cantar e a dançar hoje ainda cantam e dançam mas estão visivelmente velhos, cansados e até mesmo doentes. Todavia, é visível nos seus olhos o brilho aceso pela fé  e o orgulho de terem participado da obra de construção do novo templo. E pelo facto de verem os filhos a erguer o testemunho da igreja.
Durante muito tempo reflecti sobre a força da fé e da igreja e do quanto as pessoas podem ser levadas a fazer boas obras em prol da comunidade, independentemente da sua condição social. A obra monumental da nova igreja de António Rocha foi feita com dinheiro arrecadado nos cultos. Tostão a tostão, kwanza a kwanza, as contribuições de cada um dos crentes e eventuais visitantes permitiram a concretização do sonho: uma igreja nova, moderna, digna dos crentes mas, sobretudo, do próprio Deus que eles adoram.
Ao sair daquele culto dominical renovei a minha fé em Deus e na capacidade que Ele tem de inspirar os homens a juntos fazerem coisas boas.