Isaquiel Cori
Angola
e Moçambique, um debruçado sobre o Oceano Atlântico o outro sobre o Índico, são
países com percursos históricos, políticos e culturais muito semelhantes. E é
estranho que actualmente as elites de ambos países, tão parecidas nas suas
origens, constituição e modos de actuação, pareçam ignorar-se mutuamente.
Mesmo
sabendo que em História os “se” não existem, é importante lembrar que os dois territórios
estiveram, ao menos nas congeminações coloniais portuguesas, muito perto de se
tornarem numa entidade única. Isso ocorreu na segunda metade do século XIX, na
fase final de definição dos territórios coloniais em África, com Portugal a
pretender unificar Angola e Moçambique. Essa pretensão implicava estender a
soberania sobre os territórios que hoje
constituem a Zâmbia, o Zimbabwe e o Malawi. Alguns passos práticos foram dados
e chegou-se mesmo a elaborar e apresentar publicamente o célebre “Mapa
Cor-de-Rosa”, a ilustração gráfica das intenções de Portugal, que entretanto
colidiram com os planos imperiais da Inglaterra de unir territorialmente o
Cairo (Egipto) e o Cabo (África do Sul). Daí ao Ultimatum inglês de 1890 e à comoção geral em Portugal pela
impossibilidade de concretizar o sonho, foi um passo.
A
independência dos dois países em 1975 foi antecedida em cada um deles por anos
de organização e de luta armada levada a cabo por nacionalistas que se
conheciam, muitos deles desde a Casa dos Estudantes do Império, do exílio e das
prisões da PIDE. Vários deles eram poetas e faziam dos seus poemas arma de combate
e de consciencialização popular.
A
13 de Junho de 2012 a Fundação Dr. António Agostinho Neto (FAAN) lançou em
Maputo, em acto honrado com a presença de Maria Eugénia Neto e do então
Presidente Armando Guebuza, o DVD “Moçambicanos Falam de Agostinho Neto”, que
traz 13 depoimentos de personalidades destacadas daquele país. Segundo Mariano
Matsinha, membro fundador da FRELIMO, “havia troca de informação
institucionalizada, organizada e informal sobre o que acontecia em Angola e em
Moçambique”. Joaquim Chissano, ex-Presidente de Moçambique, afirma que conheceu
pessoalmente Agostinho Neto em Dar-es-Salam (Tanzânia) em 1965, num encontro de
movimentos de libertação das então colónias portuguesas, em que “ele (A. Neto)
tomou posições muito construtivas”. O escritor Mia Couto, repórter presidencial
ao tempo de Samora Machel, centra o seu depoimento na vertente cultural, fala
da “dimensão mitológica” de Neto e exalta as suas qualidades de poeta. Para
ele, a poesia de Agostinho Neto é de “um africano que bebeu a cultura do mundo
e que era um homem universal”. Mia Couto cita particularmente o poema
“Depressa”, do livro “Sagrada Esperança”, como exemplo de “poesia pura”, com
“uma mensagem intemporal que deve ser ensinada nas escolas, porque ensina os
jovens a terem uma atitude”.
Algumas
das informações prestadas por Sérgio Vieira, ex-director do gabinete do Presidente
Samora Machel e também ex-governador do Banco de Moçambique, entre outros
cargos, são autênticas revelações, pérolas de memória histórica. Por exemplo, o
facto da FRELIMO ter fornecido armas, incluindo morteiros BM-21, ao MPLA,
usadas na crucial batalha de Kifangondo em 1975; a criação, no dia 12 de
Novembro de 1975, de um “Banco de Solidariedade” com as contribuições de um dia
de salário dos funcionários públicos moçambicanos, que arrecadou mais de um
milhão de dólares que foram entregues ao jovem governo angolano. Sérgio Vieira
dá igualmente a conhecer que pouco antes da independência de Angola, diante da
situação de incerteza que se vivia, o MPLA transferiu “todos os haveres” do
Banco de Angola para o Banco de Moçambique. Tais “haveres” foram devolvidos ao
Banco de Angola logo depois de proclamada a independência. Outra revelação:
Agostinho Neto celebrou o seu último aniversário natalício, em 1978, em
Moçambique.
O
mesmo Sérgio Vieira fala dos acontecimentos e das consequências do 27 de Maio
de 1977 em Angola. “Houve descarrilamentos, à margem dos órgãos próprios. Esses
descarrilamentos, em particular, feriram o presidente Neto. Ele ficou extremamente
magoado, porque era um homem de grande sensibilidade e humanismo”. O artista Malangatana
Ngwenya, essa personalidade irradiante da cultura moçambicana, que faleceu
pouco depois de ser entrevistado, fala da poesia de Neto e de como ela
enriqueceu a sua visão estética. Resumindo:
Moçambique conhece bem Angola.
(NOTA:
As referência aos depoimentos do DVD retomei-as de uma leitura que fiz para o
jornal Cultura. Numa produção da FAAN, os depoimentos foram recolhidos pelos
jornalistas Horácio Pedro e Altino Matos.
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