segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

CONHECER MOÇAMBIQUE (1)

Isaquiel Cori

Angola e Moçambique, um debruçado sobre o Oceano Atlântico o outro sobre o Índico,   são países com percursos históricos, políticos e culturais muito semelhantes. E é estranho que actualmente as elites de ambos países, tão parecidas nas suas origens, constituição e modos de actuação, pareçam ignorar-se mutuamente.
Mesmo sabendo que em História os “se” não existem, é importante lembrar que os dois territórios estiveram, ao menos nas congeminações coloniais portuguesas, muito perto de se tornarem numa entidade única. Isso ocorreu na segunda metade do século XIX, na fase final de definição dos territórios coloniais em África, com Portugal a pretender unificar Angola e Moçambique. Essa pretensão implicava estender a soberania  sobre os territórios que hoje constituem a Zâmbia, o Zimbabwe e o Malawi. Alguns passos práticos foram dados e chegou-se mesmo a elaborar e apresentar publicamente o célebre “Mapa Cor-de-Rosa”, a ilustração gráfica das intenções de Portugal, que entretanto colidiram com os planos imperiais da Inglaterra de unir territorialmente o Cairo (Egipto) e o Cabo (África do Sul). Daí ao Ultimatum inglês de 1890 e à comoção geral em Portugal pela impossibilidade de concretizar o sonho, foi um passo.
A independência dos dois países em 1975 foi antecedida em cada um deles por anos de organização e de luta armada levada a cabo por nacionalistas que se conheciam, muitos deles desde a Casa dos Estudantes do Império, do exílio e das prisões da PIDE. Vários deles eram poetas e faziam dos seus poemas arma de combate e de consciencialização popular.
A 13 de Junho de 2012 a Fundação Dr. António Agostinho Neto (FAAN) lançou em Maputo, em acto honrado com a presença de Maria Eugénia Neto e do então Presidente Armando Guebuza, o DVD “Moçambicanos Falam de Agostinho Neto”, que traz 13 depoimentos de personalidades destacadas daquele país. Segundo Mariano Matsinha, membro fundador da FRELIMO, “havia troca de informação institucionalizada, organizada e informal sobre o que acontecia em Angola e em Moçambique”. Joaquim Chissano, ex-Presidente de Moçambique, afirma que conheceu pessoalmente Agostinho Neto em Dar-es-Salam (Tanzânia) em 1965, num encontro de movimentos de libertação das então colónias portuguesas, em que “ele (A. Neto) tomou posições muito construtivas”. O escritor Mia Couto, repórter presidencial ao tempo de Samora Machel, centra o seu depoimento na vertente cultural, fala da “dimensão mitológica” de Neto e exalta as suas qualidades de poeta. Para ele, a poesia de Agostinho Neto é de “um africano que bebeu a cultura do mundo e que era um homem universal”. Mia Couto cita particularmente o poema “Depressa”, do livro “Sagrada Esperança”, como exemplo de “poesia pura”, com “uma mensagem intemporal que deve ser ensinada nas escolas, porque ensina os jovens a terem uma atitude”.
Algumas das informações prestadas por Sérgio Vieira, ex-director do gabinete do Presidente Samora Machel e também ex-governador do Banco de Moçambique, entre outros cargos, são autênticas revelações, pérolas de memória histórica. Por exemplo, o facto da FRELIMO ter fornecido armas, incluindo morteiros BM-21, ao MPLA, usadas na crucial batalha de Kifangondo em 1975; a criação, no dia 12 de Novembro de 1975, de um “Banco de Solidariedade” com as contribuições de um dia de salário dos funcionários públicos moçambicanos, que arrecadou mais de um milhão de dólares que foram entregues ao jovem governo angolano. Sérgio Vieira dá igualmente a conhecer que pouco antes da independência de Angola, diante da situação de incerteza que se vivia, o MPLA transferiu “todos os haveres” do Banco de Angola para o Banco de Moçambique. Tais “haveres” foram devolvidos ao Banco de Angola logo depois de proclamada a independência. Outra revelação: Agostinho Neto celebrou o seu último aniversário natalício, em 1978, em Moçambique.
O mesmo Sérgio Vieira fala dos acontecimentos e das consequências do 27 de Maio de 1977 em Angola. “Houve descarrilamentos, à margem dos órgãos próprios. Esses descarrilamentos, em particular, feriram o presidente Neto. Ele ficou extremamente magoado, porque era um homem de grande sensibilidade e humanismo”. O artista Malangatana Ngwenya, essa personalidade irradiante da cultura moçambicana, que faleceu pouco depois de ser entrevistado, fala da poesia de Neto e de como ela enriqueceu a sua visão estética.  Resumindo: Moçambique conhece bem Angola.
(NOTA: As referência aos depoimentos do DVD retomei-as de uma leitura que fiz para o jornal Cultura. Numa produção da FAAN, os depoimentos foram recolhidos pelos jornalistas Horácio Pedro e Altino Matos. 










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