Isaquiel Cori
A
leitura é das coisas mais prazerosas que existem. E aqui refiro-me mais
especificamente à leitura de contos, romances e poemas. Isto é, à literatura
propriamente dita. A oferta de livros é grande e variada, se considerarmos também
a Internet e o livro digital. Um utilizador mais criterioso da Web sabe da
existência de bibliotecas digitais que disponibilizam publicações periódicas ou
não periódicas (livros ou revistas) gratuitamente. Cá, no mundo do impresso, os
livros são cada vez mais caros (na verdade é o dinheiro que nos vai faltando
cada vez mais), tornando a leitura algo irrelevante perante outras necessidades
mais imediatas. Mas há hábitos bons que devemos procurar manter. A intenção não
é já alcançar determinados patamares de sabedoria mas preservar a sanidade
espiritual e mental. E a literatura angolana tem coisas muito boas,
interessantes. Pena é que nessas coisas de leitura de livros angolanos o
neófito tenha de navegar praticamente às cegas, por tentativas, sem referências
consistentes na imprensa. Pasme-se: autores de primeiro plano publicam o seu
livro e não se escreve absolutamente nada, nem uma linha sequer, sobre a obra;
livros que tratam, com polémica ou não, de aspectos fundamentais da vida do
país vêm a público e também não suscitam o mínimo comentário… Se notícia do
lançamento houver, há-de limitar-se ao evento, às palavras circunstanciais, com
grande destaque para os auto-elogios do autor. Este, temerariamente, sozinho,
passa a ditar assim a narrativa pública sobre o seu próprio livro. E lá está
mais um passaporte para o mundo das estrelas, das celebridades. Mas afinal de
que trata o seu livro? Qual é a sua substância? O seu mérito? O que traz de
novo ao nosso mundo de experiências e emoções? De que modo enriquece mais a
nossa subjectividade? É mais um tijolo consistente no edificar da nossa memória
colectiva? Ou pessoal?
A
todo esse perguntar o novo leitor não encontra nenhum responder. É só silêncio.
Resta-lhe então avançar para a compra e a leitura do livro. Se o resultado for
desatroso e repetir-se, é mais um leitor que a literatura angolana perde. Pior:
um leitor com preconceito firmado.
Lembro-me
que há alguns anos os editores livreiros reservavam uns quantos, muito poucos,
exemplares para distribuir à imprensa, para efeitos mesmo de divulgação do
livro. Isto é, para que os profissionais da imprensa o lessem e formassem a
própria opinião sobre o livro. E, claro está, para que divulgassem essa
opinião. Dois ou três anos atrás um editor confidenciou-me que não enviava mais
livros às redacções porque os jornalistas não os liam, logo, não escreviam
sobre os seus conteúdos e limitavam-se a engrossar as suas bibliotecas
caseiras. Que pena!
É
evidente que de um jornalista não se deve esperar, se houver excepções, melhor,
que faça uma leitura profunda e totalizante de um determinado livro, mas ao
menos que produza uma opinião honesta, por mais impressionista que seja, que
sirva de ponto de partida para outras leituras e opiniões. Por outras palavras,
que chame a atenção do público para o livro. É minha convicção que esse é um
dever de ofício dos chamados jornalistas culturais.
Daí
que seja realmente uma pena os editores desistirem de enviar livros para as
redacções antes dos lançamentos, pois a aliança com a comunicação social é
necessária e fundamental para dar a maior visibilidade possível ao livro. E,
claro está, ao autor.
Para
finalizar, não resisto a transcrever inicial
de “Lourentinho, Dona Antónia de Sousa Neto & Eu”, livro de narrativas de
Luandino Vieira, que ele próprio definiu como “de amor e riso”, publicado em
1981 pela União dos Escritores Angolanos. É um dos parágrafos iniciais mais
“saborosos” da literatura angolana: “O irmão sorri, desacredita? Sempre não
queira ser sábio ignorante: rir é remendo na roupa rota – tapa só, esconde nada…
O dito, repito: mandioqueira de musseque é superior criatura de qualquer o
douto vereador municipalesco!”.
Sem comentários:
Enviar um comentário