Isaquiel Cori
Tal
como Angola lá pela TPA e a ZAP News, Moçambique entra-nos em casa pela STV
Notícias. Descobri esse canal por indicação de um amigo e desde então são raros
os dias sem que para lá vá, nem que seja de passagem.
O
telejornal dessa televisão é uma janela aberta para Moçambique e cativa sobretudo
pela postura editorial que privilegia o jornalismo e traz para o telespectador
a visão de uma sociedade vibrante nas suas contradições, conflitos e
realizações. Nos tempos em que os espaços noticiosos da televisão angolana, não
foi há muito, eram veículo privilegiado de propagação da imagem de uma Angola
sonhada por uns poucos e que se pretendia impingir como realidade a todos, a
STV Notícias era um dos lugares de “exílio” para muitos angolanos ciosos de
manter a sanidade mental. Há um exemplo recente que demonstra que não é
exagero, aqui, a expressão “muitos angolanos”. Aquando das últimas eleições em
Angola, aquela televisão moçambicana promoveu um debate sobre as mesmas, tendo
como intervenientes o seu naipe de comentaristas residentes. Aquele programa,
sobretudo no contexto comunicacional que se vivia em Angola, foi uma aula de
análise lúcida, equilibrada e objectiva. Era mais do que claro que aí havia,
independentemente de se concordar ou não com determinado ponto de vista,
verdade e honestidade intelectual. E, espanto dos espantos, a maioria, senão
mesmo todos os telefonemas de telespectadores eram provenientes de Angola!
Alguns
processos e fenómenos políticos, sociais, culturais e até económicos,
historicamente, nos dois países, são de um tal paralelismo e quase miméticos,
que a inexistência de estudos comparados só se torna compreensível por dois
motivos: ou porque as elites de ambos países sempre puseram a tónica da
realização das suas aspirações existenciais no exterior, com destaque para a
antiga metrópole colonial, ou porque a academia, tanto num lado como no outro,
anda desligada do mundo em redor e da necessidade de o transformar.
Uma
das minhas leituras predilectas são as antologias literárias do conto.
Sobretudo as que dão uma visão panorâmica, histórica ou temática, sobre
determinado país, assunto ou seja o que for. Das que tenho sempre à mão o
destaque vai para “As mãos dos pretos” (Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2002),
antologia panorâmica do conto moçambicano organizada e prefaciada por Neslon
Saúte, uma das figuras cimeiras do jornalismo e da literatura daquele país.
Alguém um dia vai ter de estudar e explicar porquê que tanto em Angola como em
Moçambique a década de 1980 foi a do eclodir dos movimentos literários, do
aparecimento de novos talentos, que se viriam a impor para sempre, e da
renovação da própria literatura. A antologia em referência põe a nu o mito de
que Moçambique é tão somente um país de poetas: também é um país de prosadores,
como diria o outro, da “mais fina extracção”. Desde o alquimista da linguagem
Mia Couto, passando pelo eterno memorialista da infância Luís Bernardo Honwana,
pelo mestre fabulador Ungulani Ba Ka Khosa, o olhar e a delicadeza de Paulina
Chiziane, Calane da Silva, Pedro Chissano, Luís Carlos Patraquim, Rui Knopfli,
até a revelação que é Orlando Muhlanga (falecido prematuramente em 1996, aos 33
anos) a alma moçambicana se compraz, ri, chora, pulsa, vive. É muito raro uma
literatura dizer tanto acerca de um povo, de um país. Nos dramas e nas tragédias
vivenciados por heróis individuais, tanto em situações prosaicas de amor e
paixão como nas situações limite da guerra, ou as duas coisas, nota-se
claramente que se trata da fixação, da escrita de uma memória colectiva.
Próximos
pela língua, relativamente próximos territorialmente, muito próximos por
determinados usos e costumes, Angola e Moçambique precisam de ter mais trocas
institucionais, pessoais, comerciais, turísticas, culturais. Enfim, precisamos olhar
mais para a realidade um do outro.
Sem comentários:
Enviar um comentário