segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

CONHECER MOÇAMBIQUE (Concl.)

Isaquiel Cori


Tal como Angola lá pela TPA e a ZAP News, Moçambique entra-nos em casa pela STV Notícias. Descobri esse canal por indicação de um amigo e desde então são raros os dias sem que para lá vá, nem que seja de passagem.
O telejornal dessa televisão é uma janela aberta para Moçambique e cativa sobretudo pela postura editorial que privilegia o jornalismo e traz para o telespectador a visão de uma sociedade vibrante nas suas contradições, conflitos e realizações. Nos tempos em que os espaços noticiosos da televisão angolana, não foi há muito, eram veículo privilegiado de propagação da imagem de uma Angola sonhada por uns poucos e que se pretendia impingir como realidade a todos, a STV Notícias era um dos lugares de “exílio” para muitos angolanos ciosos de manter a sanidade mental. Há um exemplo recente que demonstra que não é exagero, aqui, a expressão “muitos angolanos”. Aquando das últimas eleições em Angola, aquela televisão moçambicana promoveu um debate sobre as mesmas, tendo como intervenientes o seu naipe de comentaristas residentes. Aquele programa, sobretudo no contexto comunicacional que se vivia em Angola, foi uma aula de análise lúcida, equilibrada e objectiva. Era mais do que claro que aí havia, independentemente de se concordar ou não com determinado ponto de vista, verdade e honestidade intelectual. E, espanto dos espantos, a maioria, senão mesmo todos os telefonemas de telespectadores eram provenientes de Angola!
Alguns processos e fenómenos políticos, sociais, culturais e até económicos, historicamente, nos dois países, são de um tal paralelismo e quase miméticos, que a inexistência de estudos comparados só se torna compreensível por dois motivos: ou porque as elites de ambos países sempre puseram a tónica da realização das suas aspirações existenciais no exterior, com destaque para a antiga metrópole colonial, ou porque a academia, tanto num lado como no outro, anda desligada do mundo em redor e da necessidade de o transformar.
Uma das minhas leituras predilectas são as antologias literárias do conto. Sobretudo as que dão uma visão panorâmica, histórica ou temática, sobre determinado país, assunto ou seja o que for. Das que tenho sempre à mão o destaque vai para “As mãos dos pretos” (Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2002), antologia panorâmica do conto moçambicano organizada e prefaciada por Neslon Saúte, uma das figuras cimeiras do jornalismo e da literatura daquele país. Alguém um dia vai ter de estudar e explicar porquê que tanto em Angola como em Moçambique a década de 1980 foi a do eclodir dos movimentos literários, do aparecimento de novos talentos, que se viriam a impor para sempre, e da renovação da própria literatura. A antologia em referência põe a nu o mito de que Moçambique é tão somente um país de poetas: também é um país de prosadores, como diria o outro, da “mais fina extracção”. Desde o alquimista da linguagem Mia Couto, passando pelo eterno memorialista da infância Luís Bernardo Honwana, pelo mestre fabulador Ungulani Ba Ka Khosa, o olhar e a delicadeza de Paulina Chiziane, Calane da Silva, Pedro Chissano, Luís Carlos Patraquim, Rui Knopfli, até a revelação que é Orlando Muhlanga (falecido prematuramente em 1996, aos 33 anos) a alma moçambicana se compraz, ri, chora, pulsa, vive. É muito raro uma literatura dizer tanto acerca de um povo, de um país. Nos dramas e nas tragédias vivenciados por heróis individuais, tanto em situações prosaicas de amor e paixão como nas situações limite da guerra, ou as duas coisas, nota-se claramente que se trata da fixação, da escrita de uma memória colectiva.
Próximos pela língua, relativamente próximos territorialmente, muito próximos por determinados usos e costumes, Angola e Moçambique precisam de ter mais trocas institucionais, pessoais, comerciais, turísticas, culturais. Enfim, precisamos olhar mais para a realidade um do outro.

  
  

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