segunda-feira, 11 de setembro de 2017

CHEGAR AOS 50 ANOS DE IDADE

Isaquiel Cori│


Quando, na semana passada, num convívio restrito, disse que há 16 anos a ideia de vir a completar 50 anos de idade era de todo improvável e fora das minhas cogitações mais optimistas, tive de “aguentar” um coro de firme reprovação e de quase revolta dos circunstantes, diante de tão “flagrante concessão ao pessimismo”. Compreendi logo a reacção.
Todas as pessoas a minha volta estavam abaixo da minha geração, ostentando idades entre os 18 e os 25 anos. São jovens que pertencem a essa geração combativa, ciente dos seus direitos e plenamente informada das realidades do mundo, muitos dos quais votam hoje pela primeira vez. A esses jovens, e muito bem, a menção à ideia de morte é completamente extemporânea, pois vivem envoltos sob uma aura de quase imortalidade, potenciada pelas perspectivas actuais de uma vida cada vez mais longa. Essa “aura”   cresceu exponencialmente nestes anos de paz e estende-se, com mais ou menos incidência, a todos os angolanos de todas as gerações. É assim que se explica a comoção geral diante de notícias de mortes: a vida é hoje um bem tão precioso e inestimável que só a ideia de a perder causa extremo desagrado e até mesmo revolta.
Infelizmente, no nosso país as coisas nem sempre foram assim. E mesmo até há pouco tempo!
Falo por mim. Estamos em 1985. Então tinha a idade de alguns dos jovens mencionados acima. Ano memorável: os Kassav vêem a Angola pela primeira vez; realiza-se em Luanda uma Conferência Ministerial dos Países Não Alinhados; o auge das rusgas: jovens como eu eram procurados debaixo da cama, nos tectos das casas, em todo lado, para ir à tropa; a guerra para nós em Luanda, no Kassequel, não eram tiros mas eram óbitos, gritos e choros que rompiam a madrugada: o fulano que morreu no Sautar, o outro no Mussende, o outro ainda em Cazombo. E os de que não se tinha notícia, os desaparecidos, as famílias em luto interminável.
E mesmo assim as festas, as festas, as festas! E os dancings, com as pessoas ilhadas até ao princípio da manhã, por causa do recolher obrigatório! Ainda hoje eu me pergunto: porquê que naqueles anos se festejava tão intensamente o agora e já, como se a vida toda fosse hoje e o amanhã completamente entregue ao Deus dará? E isso, repare-se, mesmo havendo tão pouco, quase nada, para comer…
Era isso: a morte não só estava em nosso redor como dentro de nós e ao dançar e festejar sem limites alicerçávamos a ilusão de que não éramos fantasmas mas sobreviventes de uma morte quase certa, que ainda nos poupara.
Pois é, então, no limite, a solução para desanuviar o ambiente alucinante e deprimente,  para muitos da minha geração, era fugir para a frente, ir à tropa, fazer a recruta militar, enfrentar a guerra de verdade, fosse o que Deus quisesse. É nessa tomada de decisão, não se importando já se a vida podia ser curtíssima, que muitos jovens da minha geração realmente se libertaram: conheceram localidades distantes, tomaram contacto com várias línguas nacionais e, se não as aprenderam, pelo menos se familiarizaram com o seu ritmo e entonação; alargaram as amizades íntimas a pessoas de outras etnias, outros substractos culturais; enfim, descobriram, por experiência própria, no convívio diário, ombro a ombro, uma Angola mais vasta e diversa. Mas a morte continuava presente nos amigos que morriam e no medo de que a qualquer momento fosse a nossa vez.
1990/1992. A Guerra Fria fica para trás, acontece Bicesse, é a paz. Raramente os jovens foram tão felizes e cheios de vontade de resolverem a sua vida. Milhares emigram das cidades em duas direcções: para Portugal, nas pedreiras, e para o garimpo de diamantes nas Lundas. Em ambos os casos, a busca era pelo sonhado El Dorado. Mais uma vez, sobretudo para os que estavam nas Lundas, o recomeço da guerra significou a volta da morte física, do vazio espiritual, da preponderância da escuridão sobre a luz.

Quando, no outro dia, vi nas redes sociais o clamor de riso diante das palavras de Luvualu de Carvalho, que comparou a paz ao oxigénio, eu não ri, não podia rir, talvez ele falasse sem compreender inteiramente o que dizia, mas eu sabia o que as suas palavras significavam.

LEMBRAR OU ESQUECER A GUERRA

Isaquiel Cori│

Ouvi com insistência, nos últimos dias, apelos no sentido de se esquecer o passado, de passar uma borracha sobre as lembranças da guerra. Isso supostamente em nome da reconciliação nacional e para não ferir susceptibilidades. Tomados ao extremo, tais apelos levar-nos-iam ao mundo orwelliano patente no romance distópico “1984”, onde é narrada uma sociedade em que, entre outras aberrações, existe toda uma burocracia especializada em alterar,   adaptar, “actualizar” os registos históricos em função da ideologia vigente no momento.
A memória colectiva da guerra, aqui entendida como o somatório das memórias individuais resultantes das experiências pessoais vivenciadas em situação de guerra, é um património nacional. No plano individual, se fosse possível, imaginemos obrigar um ex-militar das ex-FAPLA ou das ex-FALA a esquecer completamente todo o seu passado de militar, as peripécias boas ou más por que passou… além da desumanidade que tal gesto implicaria, estaríamos a empobrecer, mais do que já estão, tais pessoas, na medida que as lembranças, as recordações, em suma a memória, é o seu património, em muitos casos a única verdadeira riqueza que possuem. E no caso da mãe que perdeu o filho (ou os filhos), da mulher que perdeu o marido, do jovem que ficou sem os pais e os irmãos, a memória é o único elo com os seus entes queridos. Ora, para mim, o direito à memória, a lembrar o passado, é um direito humano inalienável, tal como o emergente conceito, muito associado à internet e às redes sociais, do direito ao esquecimento. E é preciso não dar como adquirido que tudo que aconteceu ontem será lembrado da mesma maneira amanhã. Hoje a memória da guerra é viva, é uma ferida por cicatrizar, mas se as pessoas não escreverem as suas experiências, as suas frustrações decorrentes da guerra, o que viram e o que sentiram, e até sobre o que fizeram ou deixaram de fazer, daqui a uma centena de anos, se tanto, a guerra,  não havendo já mais ninguém para se lembrar dela, não terá acontecido. E, sem memória dela, estaremos mais disponíveis para a repetir. Por outro lado, a memória, não sendo estática, retroalimenta-se com a visão do presente e propicia narrativas que podem ser completamente diferentes e até contrárias ao que realmente aconteceu.
Um dos papéis da escrita é fixar a memória colectiva, obrigar-nos a não esquecer. Tenho acompanhado com muito interesse o esforço de alguns historiadores militares, com Miguel Júnior à cabeça, de reconstituição de alguns episódios da guerra a partir de uma visão historiográfica angolana, contrapondo-se, esclarecendo ou complementando a visão de narradores cubanos e sul-africanos. Destacar aqui os títulos “O Fracasso da Operação Savannah”, compilação organizada por Miguel Júnior, de textos assinados, entre outros, pelos cabos de guerra Luís Faceira e Peregrino Chindondo; “História Militar de Angola”, outra compilação de textos organizada por Miguel Júnior e Manuel Difuila; e “A Batalha de Kifangondo (1975) – Factos e Documentos”, de vários autores, incluindo Miguel Júnior.  No exterior ano sim ano não, são publicados livros sobre a nossa guerra civil, um dos mais destacáveis dos quais é “A Guerra Civil em Angola (1975-2002)”, de Justin Pearce. A leitura do último capítulo da “História de Angola” de Douglas Wheeler e René Pélissier, intitulado “Uma breve história de Angola entre 1971 e 2008”, é absolutamente recomendável.
Há ainda o surgimento de uma bibliografia de memórias de protagonistas ou testemunhas civis e militares, de ambos os lados da antiga barricada, também muito interessantes. Recomendo a leitura dos livros “A Segunda Revolução”, de Jardo Muekalia, “Caminho para Paz e Reconciliação Nacional – De Gbadolite a Bicesse (1989-1992)”, de Jorge Valentim, “Huambo, 56 Dias de Terror e Morte”, de Jorge Ntyamba, e o recentíssimo “Luena, 45 Dias de Batalha – Cerco à Cidade e Negociações em Bicesse”, de Esmael Silva. Leia-se também “Prisioneiros da UNITA nas Terras do Fim do Mundo”, do  cubano Manuel Rojas Garcia, e “Cuito Cuanavale – Crónica de uma Batalha”, do também cubano Ruben Jimenez Gomez.
Tudo isso ainda é pouco. Os sociólogos, os antropólogos, os economistas, e outros pesquisadores, têm de entrar em campo para estudar, enquanto as marcas ainda estão bem visíveis, que Angola é esta que emergiu da guerra e o quanto esta nos transformou naquilo que somos hoje. E se há retorno e se esse retorno realmente é possível e desejável.



UMA HISTÓRIA IGUAL A MUITAS

Isaquiel Cori │


Joana Munguay é uma mulher dos seus 70 anos que gosta de ver a tarde passar sentada na rua, à porta do quintal da casa do filho que é meu vizinho. De um dos seus oito filhos. A vizinhança passa distraída por ela, com uns a atirarem-lhe umas palavras de saudação e outros ignorando-a completamente. As crianças brincam perto, aos ruídos,  despertando-a por vezes do estado de aparente sonolência.  
Ela desaparece por longos dias, na ronda que faz habitualmente a casa de cada um dos filhos, mas é na do meu vizinho que passa mais tempo e gosta de estar mais, talvez por dispor de um quintal grande onde ela consegue dar vazão aos enraizados instintos de camponesa, cultivando umas quantas hortaliças e ervas cheirosas como a salsa e a hortelã.
Pensei na velha senhora na última semana, em que, muito mais do que em anos anteriores, recebi convites pessoais para ir a cerimónias de outorga de diplomas universitários e participar nas consequentes festas.  Humanamente não era possível satisfazer a todos.
Joana Munguay, que chegou robusta e lúcida à idade que ostenta, tem todos os seus oito filhos formados. Duas são médicas, um é economista, outra jurista. Um é engenheiro informático, outro é psicólogo – e oficial superior das Forças Armadas - e os últimos são engenheiro de construção civil e professora.
Ela não esconde, nos círculos que frequenta, cada vez mais restrictos à sociedade de senhoras da igreja, que os filhos são a sua vaidade. Infelizmente, não tenho a certeza se ela é a vaidade dos filhos.
O percurso de Joana Munguay, camponesa que nasceu em Mazozo, a pouco mais de sessenta quilómetros de Luanda, e para aqui veio muito nova para tornar-se lavadeira, quitandeira, novamente lavadeira, costureira, cozinheira e outras profissões bem na base da escadaria social urbana da época colonial, mal sabendo ler e escrever, e que quase 42 anos depois da independência tem os seus oito filhos, como soe dizer-se, doutores, espanta por não ser um caso excepcional mas que se multiplica por esta Angola a dentro.
E a distância dos anos acumulados desde que ela veio para Luanda onde casou-se e teve os filhos, esconde a distância enorme que ela percorreu e venceu do ponto de vista social, histórico, cultural e humano.
Social porque, entendendo que ela prolongou a sua vida na vida dos filhos, Joana Mungway, a camponesa, a lavadeira, saltou para a classe média (ou para aquela que deveria ser a classe média); histórico, porque ela representa a ascensão, como sujeitos da história - com dignidade e plena consciência - de um estracto da população cujos ancestrais viveram sob a escravatura e foram sujeitos aos rigores do colonialismo; cultural, porque Joana Mungway, através e com os filhos, deixou para trás algumas crenças obscurantistas e assimilou os valores da modernidade, que amalgamou a todo o conjunto difuso da ancestralidade. Por fim, o ponto de vista humano.
As estatísticas que o país já vai produzindo, com alguma consistência, apontam os inegáveis progressos ocorridos no sector do ensino superior, que foi estendido a todas as províncias. Os jovens têm muito mais possibilidades de fazer a formação superior e os papás e as mamãs de Cabinda ao Cunene podem acalentar mais o sonho de ver os filhos doutores e com potencial de terem bons empregos, numa estratégia legítima de “adiantamento” social da família, pois é sabido que filhos de pais com formação superior tendencialmente também terão esse nível de formação. Ora, muitos criticam o facto da extensão do sistema universitário ter nivelado por baixo a qualidade do ensino, e que a  sua massificação não é compatível com a excelência. Além das respostas institucionais que devem obrigatoriamente ser dadas, cabe aos estudantes tomarem essas críticas como pessoais e estudarem mais e melhor para mais tarde “darem cartas” no mercado de trabalho.

***
Sempre que vejo Joana Munguay sentada à porta do filho aproximo-me com cuidado, porque ela assusta-se facilmente com os gestos e os sons bruscos. Quando está realmente a dormitar não a incomodo mas fico a olhar demoradamente para ela, velha senhora de pele grossa e cheia de rugas que dizem dos muitos sóis que a queimaram e dos ventos que a curtiram. Sinto-lhe, com os olhos, o coração a bater ritmadamente debaixo do quimono que mal esconde um fio de ouro antigo, oferta do falecido marido.  Desejo sinceramente que os filhos não sejam ingratos e que a amem tanto como ela os ama. Que ela seja a vaidade e o orgulho deles. E pergunto-me então se ela estará mesmo a dormir ou mergulhada em pensamentos tão profundos como a história da sua vida.


UM VÓRTICE NA ALMA



Isaquiel Cori│

Uma pessoa que muito estimo e que há vários anos não via, perguntou-me um dia desses: “Cori, o teu último livro está esgotado e já lá vão uns bons anos que não publicas outro, o que se passa?” Referia-se ao romance “O último recuo”.
Na altura, dei uma resposta de ocasião, até porque raramente me disponho a falar sobre o que estou a escrever: tudo o que eu possa dizer a respeito é provisório, pois só dou como acabado um livro a partir do momento em que o mesmo está publicado. Mais tarde, lembrei-me do amigo, com quem me encontrava tão sazonalmente. E voltei a pensar na sua pergunta.
Na verdade, a minha não presença nos escaparates das livrarias resultava do facto de ter ficado paralisado diante das transformações que ocorriam aos nossos olhos, logo depois do alcance da paz. Mais do que o betão e o asfalto, o país foi envolvido por um vórtice na alma. Houve um renovar da fé nas próprias forças, na possibilidade de pessoalmente fazermos as coisas acontecerem. A escuridão de morte que ofuscava o futuro e nos fazia sobrevalorizar o dia-a-dia, o instante, e transformava, de modo ambíguo, as festas e as danças numa espécie de celebração da vida e ao mesmo tempo da morte por ora adiada, afastou-se e deixou a luz fluir, como uma janela que se abre ao dia ensolarado. O país fervilhava de optimismo e acalentava sonhos de grandeza como o de vir a ser a maior potência africana.
Nunca os angolanos viajaram tanto! Nunca os angolanos se deslocaram tanto no interior do seu território!
Embaladíssimos pela alta dos preços do petróleo e com a entrada maciça de dólares, acreditávamos genuinamente que era chegada a nossa vez, que tínhamos a oportunidade histórica de “descolar” do atraso. Mais do que sermos nós a caminharmos para o futuro, era mais do que nítida a sensação de que o futuro é que corria em nossa direcção e que a nós bastava estarmos preparados para o acolher. Todos os deuses de todos os credos pareciam conspirar a nosso favor e muitos de nós chegaram mesmo a julgar que, afinal, éramos nós, divinal e providencialmente redescobertos, o “povo escolhido”.  
Tudo isso criava uma tensão espiritual e existencial, o tal vórtice na alma, que ia muito além do tumulto mensurável, palpável, das obras de construção civil. Pois então, era preciso assimilar o que se passava, nas dimensões visíveis e invisíveis, e só então avançar para a escrita. Isso, no entendimento de que a escrita é uma forma de pôr ordem no caos, de racionalizar a confusão,  de ordenar a desordem e pôr luz na escuridão.

***

Muito admiro os que conseguem tirar de objectos materiais vozes, sons, ais, gemidos e até gargalhadas. Fazem chorar a madeira e as cordas da viola, suscitam gritos de alegria das peles esticadas dos tambores e com isso desbravam caminhos insuspeitados nas almas solitárias, sedentas de amor. Aos naturalmente já propensos à felicidade, fazem-lhes transbordar de alegria. E quando à música instrumental se acrescenta a voz do cantor, que verbaliza ou não, que conta uma estória ou se auto-recreia em solfejos a modos de imitação do que vaga e incertamente supomos ser a voz dos anjos, fica composto o “cenário” que faz da música um dos fenómenos mais poderosos da existência humana.


PRÉ-PUBLICAÇÃO: ROMANCE "DIAS DA NOSSA VIDA", de ISAQUIEL CORI

Pois é, caros internautas, aqui vai, em jeito de pré-publicação, o capítulo inicial do meu romance inédito "Dias da Nossa Vida". Se tudo correr bem, o livro sai a público no primeiro trimestre de 2018. Creiam, amigos: nunca foi tão difícil publicar um livro em Angola! As editoras, descapitalizadas, propõem aos autores que batam as portas das empresas em busca de patrocínio; e as empresas, a funcionar num ambiente de imensas dificuldades, não têm como atender positivamente aos pedidos de patrocínio. Aos autores, aqueles em que o acto de escrever significa um sopro de vida, um gesto de liberdade e de afirmação do ser criativo, só resta a opção de escrever para a gaveta. Amanhã talvez as coisas melhorem. Amanhã as coisas sempre melhoram.


                                                           
CAPÍTULO 1




         Reinaldo Bartolomeu vestiu o fato olímpico de sua eleição, o azul de listas vermelhas, calçou as sapatilhas e pôs-se a aquecer aos saltos no quintal. Parecia um coelho dos bonecos animados.
        - Filha, vou dar a minha corridinha matinal.
        - Está bem, querido - gritou a esposa, Rebeca, da cozinha.
        Com o corpo quente e já a transpirar, Reinaldo abriu o portão metálico do quintal e a rua atirou-lhe, imediatamente, à cara a luz clara da manhã. Viu-se obrigado a fechar os olhos. Era uma manhã potente, que prometia um sol abrasador, ao contrário dos últimos dias, em que as manhãs cinzentas e a atmosfera pesada envolviam tudo e todos num abraço deprimente. Deu uns passos às cegas e quando voltou a abrir os olhos foi brindado com uma visão digna de um quadro surrealista: dois cães estavam colados pelo sexo e cada um puxava para o seu lado, na tentativa de se desprender. Eram cães rafeiros, bonitos e limpos. “Mas que porra!”, gritou para si mesmo. “Logo dois cães a se foderem mal um gajo sai para a rua?”
        Uma sensação de mau presságio, misturada com um medo repentino e visceral, obscureceu a mente de Reinaldo e arrepiou-o todo. “Será que vou ter um dia de cão, meu Deus?”
        Ameaçou pontapear o casal de canídeos e estes, assustados, acabaram por se descolar e se afastar, visivelmente exaustos e envergonhados. “Será que estes animais gozam o sexo como nós, humanos? Mas que raio, assim, sem privacidade nenhuma, na rua, à luz do dia, não acredito que tenham prazer no sexo. São cães! Por isso e por outras é que são cães!”
        Lá Reinaldo Bartolomeu deu as duas voltas habituais pela rua, numa corrida rápida, cheio de genica. Quando finalmente entrou em casa e se colocou nu debaixo do chuveiro, o corpo todo molhado de suor, ainda voltou a ter uma visão mental dos cães em pleno sexo. Mas acabou por entregar-se  à água fria. O choque térmico despertou-lhe todo, pôs-lhe a mente e os sentidos em disparada, com os pensamentos a direccionarem-se logo para o trabalho. Lembrou-se das palavras marteladas e cem vezes repetidas do chefe Admirável Redondo: “Muito há a fazer!”.
        Ao contrário de outros sectores do funcionalismo público, em que os detentores de cargos de chefia preferem não fazer ondas, deixando-se estar absolutamente quietos para não desagradarem o superior hierárquico e porem assim, eventualmente, em causa o próprio cargo, nos Serviço de Informação exigia-se que se fizesse sempre alguma coisa. Era impossível ter o conhecimento e o controlo da situação, de qualquer situação, ficando apenas parado. Apenas parado porque, efectivamente, por vezes, e não poucas vezes, apreendia-se melhor as várias nuances da situação ficando mesmo parado, imóvel, na mais completa passividade. Mas agora Admirável Redondo sinalizava que não bastava ter conhecimento do que se passava à superfície dos dias. “É preciso provocar os factos e colocar os adversários na defensiva ou a denunciarem-se a todo o momento. É assim: como num jogo de xadrez, é quase impossível o jogador aplicar na plenitude a estratégia previamente adoptada; os seus movimentos ofensivos confrontam-se com os defensivos e contra-ofensivos do adversário, obrigando-o a adaptar-se permanentemente, a ser criativo”, dizia ele. Reinaldo enxugou-se, vestiu um velho fato escuro e juntou-se à mulher na cozinha. O cheiro a café atraiu-o imediatamente para a cafeteira no fogão.
        - Come primeiro, toma o café depois, querido.
        - Está bem.
        Sentou-se à mesa e fez um esforço para comer. Era um hábito, ou melhor, uma falta de hábito antiga. No tempo da guerra chegara a dispensar completamente o matabicho, limitando-se a tomar um café amargo logo de manhã, para voltar a meter algo no estômago só ao almoço. Pagou caro por isso. Nos últimos anos foi sendo apoquentado por dores de estômago que chegavam a deixá-lo quase inanimado. Teve de viajar a Cuba, onde um médico impôs-lhe uma dieta centrada no pequeno almoço. Desde então as dores diminuíram. A mulher tomou a si a responsabilidade de garantir que tomasse sempre o matabicho. Era como ela dizia: “para o bem de toda a família”.
        - Está aqui o jornal de hoje. O motorista passou enquanto te banhavas.
        Há dois anos o principal jornal do país chegava à província todas as manhãs, no primeiro voo da companhia de bandeira. E Reinaldo era das primeiras pessoas a ter acesso ao mesmo. Agarrou o jornal e foi passando os olhos página a página. Ler os jornais, sobretudo o jornal oficial, era uma obrigação profissional. Os jornais privados, quase todos semanários, foram impedidos de circular na província, na sequência de uma novela caluniosa a respeito da vida particular de Sua Excelência o Senhor Governador. Verificara-se depois que a campanha fora montada e financiada a partir de Luanda por um velho inimigo de estimação do Governador, colocado em posições cimeiras das estruturas partidárias e governamentais. A questão de se saber da verdade, do mérito ou não das acusações, fora habilmente desviada para a deslealdade do dirigente em causa. Antes que ambos se autodestruíssem, arrastando consigo, aos pedaços, a boa imagem do sistema político, representantes do núcleo duro do poder no país chamaram-nos e obrigaram-nos a fazer as pazes: em nome dos “superiores interesses do Partido, da Nação e da Paz”. Um círculo muito restrito da província, em que se situava Reinaldo, por dever de ofício, continuava a receber os principais semanários da capital do país.
        Mais do que as notícias em si Reinaldo procurava extrair do diário oficial os sinais, as tendências. Era-lhe importante sondar a linguagem, descodificar o grafismo, ler as fotos e as legendas. As páginas de publicidade, muitas vezes, acabavam por ser mais significativas que as notícias, diziam mais das dinâmicas políticas, sociais e económicas e tornavam mesmo o jornal indispensável para todo e qualquer funcionário público. 
        Não menos importantes para Reinaldo eram as páginas de necrologia. Ele que conhecia muito bem a elite social, económica e cultural da capital do país, onde se movera ao longo de quase toda a vida, deparava-se frequentemente, naquelas páginas, com o rosto de alguém que partira para o outro mundo. Não tendo medo da morte, respeitava-a, porque punha todos de sentido e tudo em perspectiva: estamos todos de passagem, não importa a riqueza ou o poder que se tenha. Por isso valorizava imenso a vida, essa carruagem colorida e cheia de sonoridades que ninguém sabe quando e onde vai parar. 
        Enquanto lia, Reinaldo Bartolomeu esticava mecanicamente o braço para alcançar um pedaço de pão, uma fruta ou outro alimento qualquer. Mastigava devagar, completamente entregue às escolhas nutricionais da mulher.
        - Algo de novo? Como está o país?
        - Tudo velho, filha. Pelo menos, de momento.
        - Como assim, de momento?
        - O importante é absorver as notícias. No momento certo a mente devolve-nos o que absorvemos na forma de sínteses informativas, saberes intuitivos.
        - É o teu trabalho, sei, mas…
        - Papá, papá, quando eu crescer também quero ser bufo!
        Vindo do quarto a correr, portador de uma energia inusitada para quem acabava de saltar da cama depois do sono nocturno, Andrezinho, o filho caçula, irrompeu na cozinha com a soberania imperial das crianças mimadas.
        - Eh, pá! – Reinaldo esticou-se todo, como uma cobra ao ataque, deixou o jornal escorregar para o chão, as folhas soltas espalhadas. – Anda cá, Andrezinho, o que foi que você disse?
        - Quando eu crescer quero ser bufo, papá! – reafirmou.
        - Você sabe o que é isso?
        - Sim, quero ser assim como o papá e o avô. E também como o vizinho Manecas e a mulher dele. E como o tio Caldeira e a mana Domingas. Ah, e a prima Deizi e o marido dela…
        Reinaldo respirou fundo. Outra maka mais! Andrezinho tinha sete anos. Era muito espevitado mas acabava de ultrapassar todas as marcas. 
        - Quem anda a te dizer essas coisas? Vá, diga!
        - Ninguém, papá, eu sei mesmo sozinho. Ninguém me disse.
        Nunca se sabia. Tinha de ficar mais atento, abrir uma nova frente de vigilância, agora tendo como alvo o próprio filho. Era uma tarefa a não delegar a ninguém. Ele próprio a levaria a cabo. O inimigo estava em todo o lado, infiltrava-se em todos os lugares.
        - Trata mas é de estudar. Estudar é o teu trabalho. E vais ter de me dizer com quem andas a conversar.
        - O que é isso, Reinaldo, deixa o miúdo em paz. Ele é inocente.
        - Até pode ser inocente, mulher. Os inocentes são, precisamente, o maior risco. Podem ser utilizados sem sequer perceberem.
        - Ora, o Andrezinho acompanha as conversas aqui em casa e nos lugares onde vamos. Ele é apenas uma criança. Não o ponhas nesse mundo sombrio em que te moves.
        - Ai é? Vamos ver. Se cheguei até onde estou é porque nunca deixei uma ponta solta.
        - Vai para o quarto de banho, já.
        Andrezinho foi para o quarto de banho, todo contrariado. Reinaldo pensou seriamente na família, nas amizades e na vizinhança. Na sua ascendência e nas suas relações passadas e actuais, era bem verdade, tudo tresandava a bufaria. Na família havia uma verdadeira dinastia de bufos. Até onde ia o seu conhecimento um antepassado seu fizera parte do círculo de confiança da rainha Njinga Mbande, encarregando-se da sua segurança pessoal. A informação fora-lhe dada, inadvertidamente, por um velho tio na noite triste e festiva de um óbito em Malange. Quisera aprofundar os detalhes, saber mais de tão ilustre antepassado, mas tanto o excesso de trabalho como a morte do velho cortaram tal possibilidade. Foi aos arquivos, aos livros de História disponíveis, mas não encontrara rastos do parente. O que era compreensível, pois a narrativa da história de Angola pré-colonial é, fundamentalmente, a gesta de reis, rainhas e grandes chefes tribais.  
        As informações a respeito do tempo colonial eram mais profusas e claras. Durante a luta anti-colonial teve parentes seus a operarem, ao mesmo tempo, como agentes da PIDE e das forças clandestinas do MPLA. Essa condição dúbia, de prestadores de serviços valiosos tanto a um como ao outro lado da barricada, colocou alguns desses parentes em posição privilegiada por altura da eclosão da independência nacional. Não por acaso, um dos mais altos dirigentes da antiga DISA era um tio seu, primo da mãe. Igualmente não por acaso, um outro tio, irmão da mãe, também da DISA, estava entre os mortos do 27 de Maio de 1977. Era mesmo como o Andrezinho dissera: os seus parentes mais notáveis faziam parte das várias estruturas dos serviços secretos. Alguns sobrinhos já estavam a trilhar o mesmo caminho: além de um bom emprego, era uma questão cultural incrustada no sangue.
        - Precisamos ficar atentos ao Andrezinho.
        - Vai, deixa o miúdo ser criança. Não o metas nas tuas obsessões.
        - Vamos ver no que é que isso vai dar, filha. Estou muito preocupado.







quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Escritor Henrique Guerra: "A inveja é um sinal de fraqueza"



Isaquiel Cori

Henrique Guerra é um dos últimos sobreviventes da chamada geração da "Cultura". A sua obra literária, que se estende pelo conto, a poesia e o ensaio, apesar de, como ele próprio diz, ser "curta em volume", é uma das mais representativas da literatura angolana. Alvo de homenagem em Janeiro de 2014 pelo Ministério da Cultura, voltou a sê-lo a 26 de Fevereiro do mesmo ano pela União dos Escritores Angolanos. Henrique Guerra, que também é artista plástico, voltou aos escaparates das livrarias em 2014 com o livro de contos "O Tocador de Quissanje".  

Escritor Henrique Guerra, entrevistado na biblioteca da associação Chá de Caxinde, em Luanda (foto de Paulino Damião)

Pergunta - Tem uma longa carreira literária, iniciada na adolescência. O que o levou a escrever?
Henrique Guerra - A minha carreira literária é longa no tempo, mas em volume é curta. As obras que publiquei já são de há bastante tempo, desde a minha juventude. Sou um pouco aquilo que Manuel Bandeira chamava de escritores bissextos. Não escrevo com muita regularidade. A minha actividade literária começou praticamente nos finais do meu ensino secundário, no Liceu Salvador Correia. Havia as minhas leituras, que eram praticamente a literatura portuguesa. O que me motivou a escrever foi uma vez ter lido no jornal "A Província de Angola", lá para o ano de 1952 ou 1953, um poema do Aires de Almeida Santos, "A Mulemba secou". Fiquei tão fortemente impressionado que tentei fazer uma música à volta desse poema. Verifiquei que para além daquilo que dávamos através dos compêndios escolares, na disciplina de Literatura Portuguesa, havia uma realidade angolana, um quotidiano que estava arredado da literatura oficial. Isso despertou-me a debruçar-me sobre a realidade que não era objecto da cultura oficial e comecei a escrever algumas coisas.
P - Começou pelo conto?
HG - Comecei pelo conto e também pela poesia. Nessa altura havia o movimento "Vamos Descobrir Angola", fundado pelo Viriato Cruz, que tinha vários centros onde se reunia a juventude e eram promovidos concursos de poesia. Resolvi concorrer e ganhei o primeiro prémio.
P - Qual era o título desse poema?
HG - Não tinha título, foi publicado no "Brado Africano". Dizia: "Eu quero fugir de mim / porque quero estar dentro de mim"... Dizia das inquietações da adolescência, da identificação contra si próprio, etc. O facto de ter ganhado o primeiro prémio daquele concurso entusiasmou-me para a escrita.
P - Que circunstâncias terão levado dois irmãos, Mário e Henrique Guerra, separados por dois anos de idade, a enveredarem pela escrita?
HG - Terão sido circunstâncias do meio estudantil. Frequentamos juntos a chamada "Turma do Barulho", que era um dos sectores do "Vamos Descobrir Angola", que de certo nos animou e despertou para a actividade literária.
P - Por que razão é um escritor bissexto? Por que fica tanto tempo, não diria sem escrever, mas sem publicar?
HG - Talvez porque dediquei-me mais à actividade profissional. As necessidades da vida levaram-me a ter uma profissão. Fui para a topografia e depois para a engenharia e isso absorveu-me mais, talvez também pelo lado técnico típico dessas profissões.
P - Os seus contos denotam que viajava bastante pelo interior de Angola. Continua a viajar pelo país?
HG - Agora, por razões de saúde, não viajo. Viajava muito enquanto topógrafo.
P - Há nos seus contos um narrador que observa e "pinta" os cenários com cores fortes, quentes. Nota que há uma interferência do pintor, que existe em si, na sua sua escrita?
HG - Sim. Quem observou primeiro esse aspecto foi o Abreu Paxe. Quando era topógrafo também pintei muito, sobretudo as paisagens dos sítios por onde passava. A pintura e a literatura eram actividades que corriam paralelas e certamente acabaram por influenciar uma à outra.
P - Continua a pintar? Quando teremos uma exposição sua de artes plásticas?
HG - É possível que tenhamos, mas não tenho um projecto.
P - O que faz, concretamente: desenha, pinta a óleo, faz guaches?...
HG - Mais desenho a preto e branco, tipo namquim, e guaches. Um dos meus defeitos é não guardar aquilo que produzo. Descuido-me, ofereço ou levam-me as obras para fazerem publicidade nos jornais.
P - Foi um dos colaboradores do jornal "Cultura", da Sociedade Cultural de Angola. Na sua opinião, qual é o legado dessa publicação para o jornalismo cultural hoje?
HG - Isso é polémico. Há uma tendência, uma corrente juvenil actual, que diz que o "Cultura" pertence ao passado, preocupava-se muito com a luta de libertação, já se fez a independência, agora os temas são outros. Mas acho que há um legado a ter em conta, que tem a ver com uma postura de hombridade e verticalidade moral, de defesa da justiça, da dignidade e igualdade entre os homens.
P - Além de poeta e ficcionista também é um grande ensaísta. Nessa última qualidade o que tem a dizer sobre a literatura angolana que se produz hoje?
HG - Existe uma busca saudável por novos caminhos e novas formas de expressão. Na minha juventude havia uma propensão dominante, que era a oposição à dominação colonial e às suas injustiças. Isso já direccionava e balizava a literatura. Hoje os problemas são muito mais abertos. Têm aparecido escritores novos que procuram debruçar-se sobre novas vertentes, buscando novos caminhos. Há, por outro lado, uma tendência, não muito salutar, de procurar uma maneira um tanto ou quanto individual e arbitrária de tratar os assuntos.
P - Como "uma maneira individual e arbitrária"?
HC - Acho que a literatura não deve ser explicada, a arte não deve ser explicada, ela deve explicar-se por si. Algumas obras são tão obtusas e tortuosas que depois o autor tem de explicar o que quis exprimir, quando a própria obra é que devia explicar-se.
P - Uma característica sua é a discrição e a aversão aos holofotes. Que lição tem a dizer a esse respeito?
HG - É um pouco imodesto a pessoa falar de si própria, apresentar justificações desta ou daquela maneira de ser. Os outros estão em melhores condições de observar e tirar conclusões. Mas talvez seja uma questão de idiossincrasia.
P - Foi preso pela PIDE entre 1964 e 1973, acusado de pertencer ao MPLA. Quais foram as circunstâncias exactas dessa prisão?
HG - Foi no auge da repressão colonial. Na altura o presidente Agostinho Neto lançou a palavra de ordem "Iniciativas e mais iniciativas", para estendermos a luta o mais longe possível, em todos os campos, com propaganda nas cidades. O meu grupo tentou fazer isso e não foi bem sucedido. Como consequência apanhei oito anos e meio de prisão, uma pena excessiva em relação aos actos em si, dependente também da forma como a defesa foi conduzida.
P - No princípio deste ano foi homenageado pelo Ministério da Cultura. Sente-se plenamente reconhecido?
HG - A homenagem sempre deixa o homenageado   recompensado e sentir que os seus actos não foram totalmente em vão.
P - No conto "Mulengue", que faz parte do livro "O Tocador de Quissange", há o desaparecimento dos fatos que os rapazes deviam vestir na festa do Liceu. Mas o clímax do conto acaba por ser a destruição das panelas de barro que a mãe Chica enterrara para se contrapor ao mau olhado. É como se o autor tivesse desistido de encaminhar a estória para descoberta dos culpados do roubo. Isso foi propositado?
HG - A preocupação principal não é repressiva ou policial, mas o fenómeno em si do mau olhado e da inveja. O que está em causa são esses sentimentos e não quem realiza o roubo. Quem realiza o roubo está dentro de um clima que o transcende, e esse clima é o que está em causa.
P - "A inveja, essa maldição que se infiltra no seio da sociedade africana". É um extracto do conto "Mulengue". Extrapolando, pode-se considerar a inveja como um mal latente na sociedade angolana actual?
HG - A inveja é um sinal de fraqueza, é o reconhecimento de uma inferioridade que alguém tem em relação a outro, por causa de uma situação que quer superar, mas não consegue e cai na frustração. Hoje em dia as transformações sociais são tão rápidas e profundas que existem extractos que se sentem fragilizados e frustrados em relação a outros que estão a avançar. E surge a inveja, que aliás, não é um apanágio restrito à sociedade angolana.
P - Alguns dos seus contos possuem tanta informação que dá a impressão que a trama bem poderia desenrolar-se mais lentamente, de modo a transformar-se numa novela ou romance. Porquê que até agora não se aventurou pelo romance?
HG - Na prisão tentei fazer um romance, quase o completei, baseado num conto cokwe. Uma vez o Luandino Vieira tentou animar-me a publicá-lo, mas achei que não estava muito bem conseguido e não o terminei.
P - Tem outros textos para publicar?
HG - Tenho coisas antigas. Eu pensava que depois da aposentação teria a minha vida mais livre e arrumada, mas até agora ainda não consegui isso.

(Nota: Entrevista publicada em Março de 2014 no jornal Cultura, Luanda.)



quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Professor Francisco Noa fala da literatura de Moçambique e da língua portuguesa no espaço africano: "Temos estudos que podem legitimar as nossas variantes"

(NOTA: A entrevista que a seguir transcrevo foi produzida e publicada em 2014, quando estava profissionalmente vinculado ao jornal Cultura, na qualidade de editor de Letras. Publico-a neste lugar por causa da sua notória actualidade.)

                                                                       
    
Francisco Noa com o Presidente da República de Moçambique Filipe Nyusi, em 2015 (Foto de Ferhat Momade)

Francisco Noa, doutor em Literaturas Africanas em Língua Portuguesa, docente das Universidades Eduardo Mondlane, de Moçambique, e Agostinho Neto, de Angola, ensaísta e crítico literário, foi um dos ilustres convidados ao III Congresso Internacional da Língua Portuguesa da Universidade Jean Piaget de Luanda, realizado nos dias 16, 17 e 18 de Setembro de 2014. Apresentou a comunicação “A Contribuição da Literatura no Desenvolvimento da Língua Portuguesa”. Gentilmente concedeu ao jornal Cultura a entrevista que a seguir se transcreve.

Jornal Cultura – Um aspecto que ficou marcado no congresso da UniPiaget é o facto de nos países africanos a escola tender a impor uma norma da língua portuguesa afastada do uso corrente da língua. Porque não elevar à norma aquela variante que afinal é a língua dos cidadãos?
Francisco Noa – É muito fácil imputarmos as culpas aos políticos mas é uma situação extremamente delicada que vai levar, infelizmente, muito tempo a ser resolvida. Podemos olhar para o exemplo do Brasil, que tem hoje uma norma surgida da variante brasileira. Isso foi o reflexo de muita discussão. O Brasil ficou independente em 1822 e houve a preocupação de criar uma literatura e toda uma mundividência que reflectisse aquilo que o Brasil era culturalmente. Houve, durante décadas, um grande debate entre aqueles que defendiam a variante que tinha a ver com a especificidade, estou a pensar num José de Alencar, e aqueles que defendiam o registo clássico, digamos, culto, da língua, caso de Machado Assis. Só durante o século XX é que a variante se transformou em norma. Os nossos países estão com quarenta anos de independência e se formos às Universidades Agostinho Neto e Eduardo Mondlane, entre outras, vamos encontrar já muitos estudos de especialistas em linguística, com muita qualidade, que serviriam para validar, legitimar, a adopção das nossas variantes do português como normas. Penso que o impasse que existe neste momento é o que Jean-François Lyotard dizia no seu livro famoso, “A Condição Pós-Moderna”, entre aqueles que têm que decidir o que saber, que são os da academia, e os que têm que saber o que decidir, que são os políticos. O que eu quero dizer é que esse impasse de alguma forma tem de ser quebrado, sendo necessária também coragem política.

JC – A discussão tem de sair da academia para a sociedade.
FN –E sobretudo para a política. Isso tem de ser um processo. Há muitos erros ortográficos e de natureza morfo-sintáctica e não podemos ser paternalistas e nos escudarmos permanentemente nas questões das línguas africanas. É preciso que exista um equilíbrio entre aquilo que é a tendência global dos nossos países, do ponto de vista das falas que se vão cristalizando, e aquilo que deve ser a norma e que deve legitimar uma certa qualidade comunicativa. A minha grande preocupação é a nível da escrita. Por isso eu coloco a questão: quais são os limites que a própria escrita se deve impor no sentido de ela manter a sua integridade? A escrita foi e será sempre sagrada, será sempre um registo mais estável e nobre do uso da língua. Significa que na adopção da norma é preciso que haja muitas precauções no sentido de evitarmos resvalar numa espécie de caos linguístico que obviamente vai gerar um caos comunicativo. Entendo que, sobretudo entre os jovens, há uma tendência cada vez maior de escreverem poesia e narrativas tal e qual como eles falam e o que eles falam tem a ver com a variante. É necessário haver todo um trabalho de concertação entre os poderes políticos e a academia. Isso parece-me irreversível.

JC –  A sua comunicação no congresso foi sobre a relação entre a literatura e a língua portuguesa. Pode fazer um resumo breve para os nossos leitores?
FN – Defendi, basicamente, que a literatura tem dado um grande contributo à estabilização e ao desenvolvimento da língua portuguesa. Dei o exemplo do Brasil, mas nós, quer em Moçambique como Angola, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, vamos vendo que cada vez mais a literatura, além da relação com o quotidiano, tem uma relação muito profunda com a língua. Ela vai espelhando as tendências da língua dos pontos de vista lexical, semântico, morfo-sintáctico… Vai registando essas marcas e, de certo modo, legitimando o uso dessas marcas. No entanto, há uma situação no mínimo paradoxal. Apesar de a literatura ser um registo culto, ela vai inspirar-se nas falas populares, as falas das massas anónimas da população que reinventa a língua portuguesa todos os dias, atribuindo novos significados às palavras, acrescentando novas palavras ao universo da língua portuguesa, aportuguesando palavras das línguas bantu ou registando algumas das principais tendências das variantes, onde nós vemos claramente as interferências das línguas bantu. Sendo um espaço de possibilidades, a literatura mostra as enormes possibilidades plásticas que a língua portuguesa possui e explora isso ao limite. Temos os casos, entre outros, do brasileiro Guimarães Rosa, dos angolanos Luandino Vieira, Uanhenga Xitu, Ondjaki, de José Craveirinha, do Mia Couto, em que é manifesta a relação não só com um universo existencial mas sobretudo com a língua. Há claramente nesta relação com a língua portuguesa uma nativização e africanização da língua portuguesa.

JC – Pode traçar-nos um panorama sucinto do estado actual da literatura moçambicana?
FN – O que eu sinto em relação à literatura moçambicana é que há uma certa vitalidade, a nível da produção, e da reflexão sobre ela, que, entretanto, bem poderia ser maior. Sobretudo entre os jovens há uma grande vontade de produzir literatura, o que se vai reflectindo em algumas obras que manifestamente apresentam alguma qualidade, que nalguns casos é já assinalável. Como sabe, a literatura moçambicana passou por um momento menos bom, em que havia certamente alguma produção, mas sinto que hoje essa produção é acompanhada por alguma preocupação pela qualidade, quer a nível da poesia quer da prosa. Há um movimento dos jovens no sentido de discutirem a própria produção literária, sobretudo nos meios próximos às Universidades. Há sinais muito fortes e promissores no sentido de que a vocação e a marca de qualidade que vem dos anos 40 e que depois foi revitalizada nos anos 80 esteja de regresso. E com uma forte pujança. Alguns dos jovens autores têm um forte compromisso com uma certa tradição literária que existe em Moçambique.

JC – Em Angola temos algum conhecimento da literatura moçambicana que vai até à geração da Charrua, com nomes como Marcelo Panguana, Eduardo White, Ungulani Ba Ka Kossa. E há os casos particulares de Mia Couto e Paulina Chiziane. A antologia do conto moçambicano “As mãos dos pretos”, organizada por Nelson Saúte e editada em Portugal, foi vendida em algumas livrarias de Luanda. Mas desconhecemos o quadro das novas gerações. Pode elucidar-nos?
FN – Esse desconhecimento está a tornar-se estrutural e circular. Não sabemos muito do que os outros países produzem. Se em relação à poesia houve uma espécie de continuidade, contudo com aspectos inovadores importantes sobretudo do ponto de vista de uma certa trans-nacionalidade, que eu percebo, sobretudo em relação à actual produção moçambicana há uma grande preocupação com a representação do quotidiano, o que é uma marca das literaturas africanas no geral, esse compromisso com o meio em que elas surgem. As realidades africanas têm uma dimensão épica, porque temos grandes transformações a acontecer e isto funciona como inspiração, não só para os jovens mas também para os mais velhos, já que há uma espécie de compulsão criativa no sentido de registar toda essa pulsação que acontece do ponto vista social, cultural, político e a outros níveis. E a nível da prosa, sobretudo do conto, que é uma das grandes marcas da literatura moçambicana – contrariamente ao que muitos pensam, o conto é um género muito difícil – vão aparecendo alguns jovens que mostram qualidade, mas faltará no nosso universo uma crítica jornalística que poderia dar maior visibilidade às obras produzidas. Há uma crítica universitária mas que fica confinada às paredes das Universidades. Não gostaria de ser injusto mas há uns jovens que se destacam: o Clemente Bata, que lançou, há uns anos, o livro de contos “Retratos do Instante” e é universitário. Não quero dizer que para ser bom escritor tem que se ser estudante universitário, mas que o contacto com textos teóricos e com alguma reflexão mais elaborada na Universidade vai permitindo que esses jovens tenham uma maior capacidade e amplitude na forma como produzem e sobretudo um maior domínio das técnicas narrativas. Um dos grandes exemplos é o Lucílio Manjate, que é professor assistente, produz regularmente e tirou recentemente uma novela, “A Legítima Dor de Dona Sebastião”, que é, de certo modo, uma novidade na literatura moçambicana, porque além da preocupação com o quotidiano é uma narrativa marcada por um ritmo policial, com um texto muito bem conseguido em termos do enredo e da técnica narrativa. O Alex Dau, em “Reclusos do Tempo” oscila entre a preocupação com as pequenas ocorrências do quotidiano e as emoções do universo tradicional. Muitos jovens têm uma ligação com o universo tradicional muito residual, mas eles devem desenvolver alguma pesquisa para recuperar esse universo. O Andes Chivengue, no seu livro de contos, “Febre dos Deuses” apresenta umas marcas obsessivas do ponto de vista temático mas sinto que é um escritor com enorme potencial e que se mantiver uma certa constância e alguma profundidade pode ser um autor de referência na nossa literatura. Temos o Hélder Faive, com “Contos de Fuga”, conjunto de contos premiados onde é notória a preocupação com os dramas individuais, familiares e sociais, com forte ironia e uma assinalável qualidade criativa. Esses jovens sentem que nós vivemos numa sociedade em transição e a literatura funciona como um mecanismo de registar os movimentos dessa mesma transição. As obras que eles apresentam mostram que já dominam um conjunto de leituras que lhes permite um certo desembaraço do ponto de vista da técnica, da criatividade e da representação de uma determinada realidade.

JC – Tem chegado até nós, até recentemente com alguma regularidade, a revista electrónica Literatas, do movimento Kuphaluxa. Fale-nos desse movimento e da sua inserção na vida cultural de Moçambique.
FN – Esse movimento, para mim, além de funcionar como um sintoma, no sentido de que há uma ânsia desses jovens em estarem sintonizados com aquilo que é a produção cultural e literária, também é uma iniciativa extremamente meritória e válida. Penso no Nelson Lineu, no Arijuane Japone, no Eduardo Quive, entre outros… São jovens que estão a deixar uma marca, sobretudo porque não estão só a produzir literatura, sendo a poesia o seu registo mais importante, organizam palestras e encontros com convidados que já têm algum percurso criativo ou académico. Eles estão a ser, de facto, uma referência importante na nossa literatura. Claro que há alguns excessos, em alguns deles, o que é apanágio e natural nos jovens, com algum exibicionismo à mistura. O mérito está naquilo que está por detrás desse tipo de iniciativas, que acaba por ter um grande impacto junto dos outros jovens. Como sabe, nós vivemos tempos muito difíceis, em que os jovens vivem uma grande desorientação e uma grande lacuna do ponto de vista daquilo que seriam as referências nobres e estáveis para sua vida. Com a preocupação de se aglutinarem a volta de uma revista e de fazerem tertúlias, tal como aconteceu com a geração da Noémia de Sousa, do José Craveirinha e do Rui Knopfli à volta do “Itinerário”, e com a geração do Ungulani Ba Ka Kossa, o Eduardo White, o Suleimane Cassamo, o Armando Artur, e outros, à volta da Charrua, esses jovens vão certamente deixar uma marca na literatura moçambicana.

…………………….


FRANCISCO NOA é Doutor em Literaturas Africanas em Língua Portuguesa pela Universidade Nova de Lisboa, em Portugal. Ensaísta e professor de Literatura Moçambicana na Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo, Moçambique, é também investigador associado na Universidade de Coimbra, em Portugal. Foi professor na Universidade Agostinho Neto, em Angola.
A sua área de pesquisa actual abarca os temas da colonialidade, nacionalidade e transnacionalidade literária, a literatura como conhecimento e o diálogo intercultural no Oceano Índico, a partir da literatura. 
Actualmente é Reitor da Universidade Lúrio (UniLúrio), em Moçambique.

PUBLICAÇÕES:
- Literatura Moçambicana: Memória e Conflito, Imprensa Universitária, 1997.
- A Escrita infinita, Imprensa Universitária, 1998/2003.
- Império, mito e miopia. Moçambique como Invenção Literária, Caminho, 1998/2002.
- A letra, a sombra e água. Ensaios & Dispersões, Texto, 2008.
- Perto do Fragmento, a Totalidade. Olhares sobre a literatura e o mundo, Ndjira, 2014.


sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Com o romance "A Trança" autor assume nova fase criativa: O regresso de Manuel Rui aos leitores comuns

                                                                         

Isaquiel Cori

O escritor Manuel Rui (MR), um dos mais prolíferos do país, entregou ao público leitor, no dia 15 de Janeiro de 2014, na UEA, o romance "A Trança", editado pela Mayamba com uma tiragem de 2 mil exemplares.  
Como o autor sinalizou no acto de lançamento, o novo livro representa uma mudança de estilo e de abordagem da sua própria escrita. "Talvez 'A Trança' possa ser encarada como uma mudança de estilo, uma mudança de ideias. Mudar não é triste, nem é triste mudar de ideias. Triste é não ter ideias para mudar".
Escrito numa altura em que se debatia com problemas de saúde, MR decidiu que o seu novo romance "não deveria ser longo nem triste, e trataria da espiritualidade africana, também como metáfora da força do pensamento".
"A Trança", efectivamente, garante uma leitura leve, com uma trama inicialmente simples, aparentemente linear, mas que depois se complexifica quando, no contexto rural do Huambo, a personagem principal se vai adentrando nas questões da espiritualidade das suas origens locais. Com o novo livro MR completa um movimento que começou em "Quitandeira e aviões", seu livro de contos publicado em 2013. Esse movimento consiste numa espécie de regresso ao chão dos seus leitores comuns, depois de, com os romances "Rioseco" e "Travessia por imagem", ter embarcado numa escrita densa, com forte pendor experimentalista e enredos e personagens complexos. Essa sua ambição demiúrgica de realizar uma espécie de romance total, que abarcasse a vida na maior amplitude possível, com recurso a uma linguagem laboratorialmente refinada, foi   aplaudida pela crítica académica no Brasil, Portugal e outros  países. Vários ensaios e dissertações de licenciatura, mestrado e doutoramento foram dedicados a ambos os livros.
Primeiro com "Quitandeiras e aviões" e mais ainda agora com "A Trança", reiteramos, MR regressa às origens, no que à comunicabilidade com o grande público leitor diz respeito. É sintomático que na mesma ocasião tenha sido lançada mais uma edição de "Quem me dera ser onda", (agora com uma tiragem de 10 mil exemplares) porventura o maior best-seller da história da literatura angolana, fazendo parte indelével do imaginário de várias gerações que o leram na infância ou na adolescência. Abrimos aqui um parênteses para apelar à reedição da novela "Crónica de um mujimbo", do mesmo MR, que já não se encontra a venda em lado nenhum mas encerra aspectos de extrema actualidade.
"A Trança" mostra-nos um MR absolutamente senhor dos seus recursos estilísticos, que não se fecha no gozo da sua própria escrita mas entrega-se ao leitor com a maior vontade de o servir. Toda a maturidade artística e pessoal de MR está ao serviço do seu novo romance: no livro só está o que lá devia estar, está-se diante de uma narrativa enxuta, desengordurada, sem digressões desnecessárias, sóbria. Por um momento MR parece ter abandonado a ironia e o humor corrosivo característico da sua obra. O autor alcançou o objectivo de não escrever um livro triste, mas, é preciso que o digamos, "A Trança" é uma narrativa muito séria. Talvez a circunstância de o ter escrito doente explique essa faceta. Em termos da serena maturidade patente na obra, este romance faz-nos lembrar "As palavras", de Jean-Paul Sarte e "O velho e o mar", de Ernest Hemingway.
Mestre em registar e recriar os modos de falar angolanos, MR dá a expressões que habitual e distraidamente usamos ou ouvimos na rua novos ecos, ressonâncias artísticas e estéticas até então insuspeitas. Atentemos ao diálogo de Maria com  o ardina Kasese, logo à saida do aeroporto: "Como te chamas?" / "Kasese" / Não tens um jornal antigo?" / "Antigo mais como então?"
O narrador gruda-se em Maria, conta a história por ela e através dela. Maria, "a dos olhos verdes e tranças de fogo", é uma mulher cosmopolita, viajada, portadora de "várias origens e que regressa à sua origem angolana". Passou a infância e a adolescência na Alemanha, indo viver mais tarde na Holanda. Em Angola pela primeira vez, passa rapidamente por Luanda e vai de autocarro ao Bimbe, no Huambo. Lá, a avó atribui-lhe um novo nome: Citula.
A partir daí MR transporta o leitor para a nova Angola, do pós guerra; não a nova Angola urbana, de asfalto e enormes vultos de cimento armado e vidros reluzentes. É uma Angola bucólica, pacata, que vive em comunhão com o espírito da terra e dos ancestrais. Maria, agora Citula, é iniciada na tradição e na espiritualidade ovimbundu, redescobrindo ela própria, também, as memórias dessa origem, que lhe foram inculcadas na infância. Através do olhar de Citula o narrador oferece ao leitor uma soberba descrição do mundo rural angolano, que alimentarmente se basta a si mesmo, até com fartura, e onde se vive em comunhão com os espíritos.
O final do romance é um hino ao fantástico, à magia e à tradição ancestral. É um mergulhar profundo de MR, e com ele do leitor, naquilo que um dia Henrique Abranches chamou de "realismo animista", referindo-se a uma manifestação literária especificamente angolana, em que se celebra o encontro da modernidade com a ancestralidade e em que os espíritos da terra e dos mortos vêm ao convívio dos vivos, em contraposição ao chamado "realismo fantástico", típico da literatura latino-americana e que tem no colombiano Gabriel Garcia Marquez, com o celebrado romance "Cem anos de solidão", o seu maior epítome.
"A Trança" é, no fundo, o país que Manuel Rui tanto ama e que é um melting pot de saberes, de sabores, de ideias, pensamentos e criação póprias", sintetizou Amélia Mingas, ao fazer a apresentação do livro. "Até que ponto esta obra não tem alguma ligação mais directa ao próprio autor? Ou se o avô que Citula queria ver renascer não seria o país que ela amava e aprendeu a amar através do pai?".
Leia aqui www.isaquielcori.blogspot.com/2016/03/escritor-manuel-rui-escrevo-sobre-o.html entrevista ao escritor, a propósito.